Acórdão nº 972/02-1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Junho de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMANUEL NABAIS
Data da Resolução18 de Junho de 2002
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Realizada a audiência de julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, no Tribunal Judicial da Comarca de …, foi proferido acórdão que a)- Absolveu o arguido A, da prática de - um crime furto p. e p. pelo art. 203°, n.º 1 do C.P .; - um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 131° e 132°, n.ºs 1 e 2, al. j), 22° e 23° do C.P.; b)- Condenou o arguido A, pela prática de: - um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 131º, 22°, 23° e 73°, n.º 1, a) e b) do C.P. na pena de 7 (sete) anos de prisão; - um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 131º, 22°, 23° e 73°, n.º1, a) e b) do C.P. na pena de 3 (três) anos de prisão; - um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 131º, 132°, n.ºs 1 e 2, j), 22° , 23° e 73°, n.º 1, a) e b) do C.P ., na pena de 4 (quatro) anos de prisão; - um crime de furto, p. e p. pelo art. 203°, nº 1 do C.P., na pena de 4 (quatro) meses de prisão; - um crime de furto, p. e p. pelo art. 203°, n.º 1 do C.P., na pena de 2 (dois) meses de prisão; - um crime de dano qualificado, p. e p. pelos artºs. 213°, n° 1, c), 206°, n.º1 e 73°, n.º1, a) e b) do C.P., na pena de 6 (seis) meses de prisão; - em cúmulo, nos termos do artº 77° do C.P., na pena unitária de 11 (onze) anos de prisão; Condenou ainda o arguido A a pagar ao Hospital de São José a quantia de 62.950$00 (sessenta e dois mil novecentos e cinquenta escudos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação para contestar o pedido cível até pagamento; c)- Absolveu o arguido B da prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231°, n.º 1 do C.P.; d)- Condenou o arguido B, pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º, n.º 2 do C.P ., 206º, n.º 1 e 73°, n.º 1, c) do C.P., na pena de 70 dias de multa, à taxa de 1.000$00 diários, a que corresponde, se for caso disso, nos termos do art. 49°, n.º 1 do C.P., prisão subsidiária por 46 dias; e)- Decretou, nos termos do art. 109°, n.º 1 do C.P., a perda da arma, documentação a ela atinente e munições apreendidas.

f)- Ordenou a entrega da cerca eléctrica identificada a fls. 79 e respectivos acessórios (fls. 80), bem como a rede de arame identificada a fls. 81 ao ofendido D e do mais que se apreendeu a quem provar pertencer-lhe; g)- Finalmente, ordenou a entrega ao ofendido D da quantia de 35.000$00 (relativa ao valor da rede de arame zincado), a retirar do montante titulado pelo cheque entregue pelo arguido B, devolvendo-se o restante a este arguido.

Inconformado, interpôs recurso o arguido A, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1ª. - O Tribunal Colectivo deu como provado, além do mais, que o arguido, quando efectuou os disparos, sabia que dentro do Jeep se encontravam o Soldado C e a filha do ofendido D.

  1. - E que, POR ISSO, previu como possível que, com a sua conduta pudesse tirar a vida a alguma dessas pessoas.

  2. - Deste facto, como se vê da motivação, ficou o Colectivo convencido a partir de depoimentos e declarações exteriores ao arguido.

  3. - Na verdade, tais elementos subjectivos, e intrínsecos ao arguido, não foram perscrutados através do próprio arguido.

  4. - Foi por circunstancialismos exteriores a ele que o Colectivo formou a sua convicção.

  5. - Entendemos nós, contudo, que o Colectivo não tem, na factua1idade assente base para se catapultar a tal conclusão. : 7ª.- Não entrou, o Tribunal Colectivo, em linha de conta com todos os factos do conhecimento comum, ou de conhecimento objectivo possível, com influência na apreciação.

  6. - É que uma caçadeira - como o Tribunal classificou a arma utilizada pelo arguido - pode usar vários tipos de projecteis.

  7. - Desde os cartuchos carregados com chumbo tão miúdo que quase parece poalha, como carregados com um único projéctil, a que vulgarmente se chama bala.

  8. - É completamente diferente a perigosidade de uns e de outros.

  9. - À medida que o número classificativo do chumbo aumenta, diminui o seu diâmetro.

  10. - Assim, o chumbo mais miúdo tem os n°s 9, 8, e o de maior diâmetro números mais pequenos - o n.º 1 é muito maior que o 9 - existindo, além do n° 1 ainda uma outra classificação de chumbo maior - os denominados zagalotes (de 6 ou 9 bagos), hoje proibidos.

  11. - O chumbo mais miúdo, por ser assim mesmo, quase não é utilizado, por ser pouco eficaz mesmo com pequenas aves (tordos, por exemplo).

  12. - Não ficamos a saber qual o chumbo utilizado pelo arguido ficando, assim, sem saber se utilizou o n.º.9, o n.º5, o n.º 1, ou bala.

  13. - A importância de se conhecer desta questão, assenta mesmo, em nosso entender, na probabilidade da tentativa de homicídio - a existir tal dolo quanto aos soldado C e à filha do ofendido D - se tornar impossível.

  14. - Ficou, assim e antes de mais, por apurar se o meio utilizado pelo arguido era, ou não, adequado a causar a morte a todas aquelas pessoas.

  15. - Porque o leque de hipóteses é grande: se o chumbo é muito miúdo, não é mortal; se por uma bala, é um único projéctil e, por isso, só segue uma direcção.

  16. - E, neste caso, só estaria em risco de perder a vida o ofendido D, a quem os tiros foram dirigidos.

  17. - Por outro lado, aquela conclusão - a da previsibilidade do arguido de poder causar a morte do Soldado C e da E - tem pouco cabimento tendo em conta o seu posicionamento no interior do Jeep, a própria estrutura e configuração deste.

  18. - Como sabemos - e além disso, era fácil apurar - o jeep tem a separar o banco da frente - onde também se senta o condutor - do resto da parte do veículo que lhe fica à retaguarda, uma divisória em chapa.

  19. - E existia ainda, nas costas do Soldado C, o próprio espaldar do banco em que se sentava.

  20. - A divisória e o espaldar são suficientes para deter qualquer projéctil disparado nas circunstâncias em que o foram os dos autos.

  21. - Mesmo que o arguido tivesse utilizado balas e não houve mais nada entre a arma e o condutor, a chapa divisória e o espaldar do banco chegariam para, depois da própria porta do jeep, amortecer o impacto da bala que, se por acaso perfurasse tais obstáculos não teria força para, em circunstâncias normais, causar a morte.

  22. - Isto porque a alma lisa dos canos da caçadeira retira aos respectivos projécteis capacidade perfurante.

  23. - Na verdade, são as estrias dos canos das espingardas que as possuem que conferem aos projecteis por ela disparados um movimento de rotação e, por isso, um efeito de broca.

  24. - Também estava ao alcance do Tribunal Colectivo apurar se era, ou não, possível - além das questões atrás referidas - a filha do ofendido ser atingida por algum daqueles disparas.

  25. - O banco onde se sentava era lateral, isto é, tinha o espaldar encostado à parte esquerda do jeep, dando para a rua.

  26. - A E estava entre o ofendido D - seu pai - e o Soldado C - o condutor.

  27. - Tinha, assim, entre ela e o arguido, seu pai.

  28. - Este é um homem corpulento que pesa, pelo menos, 100 Kg.

  29. - Cobria, com o seu corpo, completamente o corpo da filha, sendo, por isso, impossível que algum projéctil que lhe fosse dirigido atingisse a filha.

  30. - Tendo ficado tudo isto por apurar, não pode o arguido ser prejudicado, tanto mais que tudo esteve ao alcance do conhecimento do Tribunal Colectivo.

  31. - O simples facto de o arguido saber - se é que sabia - que no interior do veículo se encontravam também aquelas duas pessoas, não chega para configurar o dolo, seja ele qual for.

  32. - Como já se referiu, se o disparo foi de bala, ela apenas toma uma direcção e, se foi de chumbo múltiplo, embora os bagos possam vir a tomar várias direcções, é preciso saber se são, ou não, adequados a causar a morte.

  33. - Aliás, podemos mesmo dizer, sendo do conhecimento comum que uma caçadeira, preparada para, quando usando cartucho de chumbo, o fazer abrir em cone, a curta distância não provoca este efeito.

Contramotivou o MP, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido, posição que viria a ser sufragada pelo Ex.º Procurador-Geral-Adjunto nesta Relação, salvo no que concerne à qualificação jurídico-penal da conduta do arguido/recorrente, de que resultaram os danos no jeep da GNR, que entende constituir um crime de dano, p. e p. no artº 212º, n.º 1 do CP (crime este de que o arguido havia, aliás, sido acusado), e não o crime de dano qualificado, p. e p. no artº 213º, n.º 1, al. c) do CP, pelo qual foi condenado, e no que tange ao "quantum" da pena aplicada ao mesmo arguido, propondo as seguintes penas concretas: seis anos de prisão e dois anos e seis meses de prisão para os crimes de homicídio simples, ambos na forma tentada, p. e p. pelos artºs 131º, 22º e 23º do CP, de que foram vítimas D e E, respectivamente, e três anos e seis meses de prisão, para o crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 131º, 132º, n.ºs 1 e 2, al. j), 22º e 23º do CP, de que foi vítima o soldado da GNR C.

Cumprido o disposto no artº 417º, n2 do CPP, o recorrente remeteu-se ao silêncio.

Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.

*II.1- Com base nos meios de prova indicados no acórdão recorrido, deu o tribunal a quo como provada a seguinte factualidade: Em dia indeterminado do mês de … de …, o arguido A dirigiu-se à Herdade …, em …, …, propriedade de D, e daí retirou um aparelho de cerca eléctrica, equipado com bateria e painel solar, de cor castanha, no valor de 140.000$00.

Pela mesma altura, o mesmo arguido deslocou-se à Herdade …, também propriedade de D, e daí retirou 100 metros de rede de arame zincado, com 1 m de altura, no valor de 35.000$00, que estava a ser utilizada num curral para animais.

Em data não concretamente apurada, mas que se situa no mês de … de …, o arguido A vendeu ao arguido B, pelo preço de 40.000$00, o aparelho de cerca eléctrica, equipado com bateria e painel solar que havia subtraído ao ofendido D.

Pela mesma altura, o arguido A cortou ao meio os 100 metros de rede de arame zincado com 1 m de altura, que havia subtraído da Herdade …, e...

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