Acórdão nº 4416/2004-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Dezembro de 2004 (caso NULL)

Data14 Dezembro 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Merck & CO. INC. e Merck Sharp & Dohme, L.da, intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra Merck Genéricos - Produtos Farmacêuticos, L.da., pedindo que a ré seja condenada: a)A abster-se de importar, fabricar, preparar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, o produto farmacêutico comercializado sob a marca "ENALAPRIL MERCK", ou sob qualquer outra designação comercial, que contenha as substâncias activas "ENALAPRIL" ou "MALEATO DE ENALAPRIL", e que não seja fabricado ou distribuído pelas Autoras, ou sem autorização, expressa e formal destas; b) A pagar às autoras uma indemnização pelos prejuízos morais e materiais que lhes causou e causa, com a sua conduta, ilícita e ilegítima, em montante a determinar em execução de sentença, mas nunca inferior a Esc. 32.500.000$00.

Fundamentando a sua pretensão alegam, em síntese, que: A 1ª A. é uma empresa farmacêutica que inventou e desenvolveu o composto químico "ENALAPRIL" e que procedeu ao fabrico do "MALEATO de ENALAPRIL", sendo titular da patente de invenção n.° 70.542, concedida por despacho de 1981.04.08, com prioridade reportada a 1978.12.11, intitulada "processo para a preparação de derivados de aminoácidos como hipertensivos", sendo ainda titular da patente de invenção n.° 76.790, com prioridade reportada a 1982.06.07 e concedida em 1986.04.09, intitulada "processo para a preparação de dipeptídeos carboxialquílicos", sendo a composição farmacêutica em causa comercializada desde 1985.01.01, sob a marca "RENITEC".

A 1ª autora concedeu à 2ª autora uma licença de exploração da patente n.° 70.542 para usar, vender ou de qualquer modo dispor do "RENITEC" em Portugal, tendo-lhe igualmente concedido poderes de defesa de tal patente A ré lançou no mercado um produto sob a marca "ENALAPRIL MERCK", que não adquiriu à 1ª autora, nem a qualquer das suas cessionárias, presumindo, por se tratar de um produto novo, que este é fabricado por um dos processos patenteados pela 1ª autora.

Acontece que a ré vem comercializando, em Portugal, o dito medicamento "ENALAPRIL MERCK" a preços substancialmente mais baixos que os do "RENITEC", declarando, na promoção feita junto dos médicos, que se trata do mesmo produto, o que tem causado às autoras graves prejuízos patrimoniais.

Finalmente alegam que, com a sua conduta, a ré causou às autoras danos materiais e morais, já que o seu prestígio nacional e internacional das autoras foi afectado, designadamente, junto da classe médica.

  1. Na contestação, a ré defende-se por impugnação e, por excepção, tendo, designadamente, invocado a excepção de caducidade da patente n.º 70.542.

  2. No saneador, (fls.363) foi julgada improcedente a excepção de caducidade da patente n.º 70.542.

  3. Inconformada com essa decisão, dela agrava a R. e, nas suas alegações, em síntese conclusiva, diz: 0 acordo TRIPS não vigora na ordem jurídica interna portuguesa, porque não foram observados os procedimentos legais exigíveis, designadamente não foi publicado qualquer Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, relativo à entrada em vigor no plano internacional do acordo TRIPS.

    A patente n.º 70.542 caducou definitivamente em 8 de Abril de 1996.

    O cumprimento das obrigações impostas aos contratantes pelo TRIPS tem um carácter flexível e negociado.

    0 TRIPS é, à luz do Direito Comunitário, um acordo misto, uma vez que versa sobre matéria da competência partilhada da Comunidade Europeia e dos Estados-Membros. Como acto normativo insuficiente, deixando aos Estados a escolha dos meios para o seu cumprimento e tendo como destinatário directo os Estados, os acordos Internacionais Comunitários aproximam-se da Directiva Comunitária.

    O art. 33º do TRIPS é suficientemente preciso. Mas não é incondicional.

    Uma norma apenas pode ser directamente aplicável, self-executing, caso seja precisa e incondicional.

    Também por o TRIPS não ser acordo internacional "self-executing" e consequentemente não poder o cidadão comum fundar em qualquer das suas disposições, não podem ser reconhecidos às recorridas os direitos de protecção conferidos pela patente PT 70.542, para além do dia 08.04.1996, uma vez que lhes está vedada a invocação em juízo contra a recorrente, de qualquer direito, que considerem ser-lhes reconhecido pelo art. 33° do TRIPS.

  4. Nas contra alegações, (FLS 864) as AA entendem que deve manter-se a decisão recorrida.

  5. As autoras, na audiência de julgamento vieram requerer o aditamento de duas alíneas à factualidade assente, o que foi deferido (cfr. fls. 1835).

  6. Na pendência da acção (considerando que a patente n.° 70.542 caducou em 4/12/99), vieram reduzir o pedido ao formulado sob a alínea b), do petitório (o que foi admitido).

  7. Foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a R. do pedido.

  8. Inconformadas com a sentença interpõem recurso as AA., as quais nas suas alegações, dizem: A) Tendo em consideração os factos provados, a sentença recorrida concluiu que o medicamento «ENALAPRIL MERCK», comercializado pela Ré, é contrafeito e que o comportamento desta foi, desde o início da comercialização e até à caducidade das patentes da 1ª demandante, ilícito porque lesivo dos direitos das Autoras; B) Ora, na hipótese de uma substância que o contrafactor incontroversamente produziu e lançou no mercado, é certo, sem necessidade de nenhuma prova específica, que a actividade contrafactória do produto objecto da patente (ou do produto obtido pelo processo original patenteado) gera, para o titular do privilégio, um dano economicamente avaliável; C) As exigências do mercado desse produto foram, em parte, satisfeitas indevidamente pela Ré/Apelada, que, assim, privou as Autoras/Apelantes dos correspondentes lucros legítimos, além de que lhes causou um prejuízo moral, ou imaterial, resultante da ofensa dos direitos destas; D) Para além disso, ficou efectivamente assente, em matéria de facto, que a conduta da Ré causou, causa e causará às Autoras prejuízos materiais e não patrimoniais (respostas aos n." 57.°, 58.°, 59.° e 63.

    0 da base instrutória); E) Tais prejuízos, longe de não merecerem a tutela do Direito, devem ser quantificados em sede de execução de sentença, como logo se requereu na petição inicial (arts.226 e 227).

  9. Nas contra alegações, a R. sustenta a improcedência do recurso interposto pelas AA.

  10. Igualmente inconformada, a R. interpõe recurso subordinado e, nas suas conclusões, diz: O acordo TRIPS para poder vigorar na ordem jurídica portuguesa, tem que obedecer às condições de vigência: a regular aprovação, a ratificação e a publicação no jornal oficial, desde que e a partir do momento em que o acordo em causa vigore no plano internacional - art. 8º n.º 2 da C.R.P.

    Nunca foi publicado qualquer Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, relativo à entrada em vigor no plano internacional do acordo TRIPS, o que equivale a um desconhecimento, a nível interno, da vigência internacional do Acordo TRIPS.

    Assim, o acordo TRIPS não vigora na ordem jurídica interna portuguesa, não vigorando, portanto, o seu art. 33º. Consequentemente, não existe qualquer conflito de normas.

    Porque as patentes concedidas antes de 1 de Junho de 1995 tinham uma duração de 15 anos, por força do regime transitório do Decreto-Lei 16/95 de 24 de Janeiro a patente PT 70.542 caducou definitivamente em 8 de Abril de 1996.

    A determinação do alcance dos efeitos de um acordo internacional, só é possível, quando nele conste disposição que, inequivocamente, o estabeleça, ou por meio de recurso à interpretação, de forma a determinar o seu sentido e alcance.

    A questão do grau de eficácia é questão de interpretação da própria fonte de Direito internacional que são os tratados, não podendo ser decidida à custa de critérios de direito interno, ainda que constitucionais.

    Em nenhuma parte do TRIPS - ou mesmo dos acordos da OMC (Organização Mundial do Comércio), de que faz parte - existe qualquer disposição que exprima o acordo das partes acerca do efeito directo dos acordos.

    O cumprimento das obrigações impostas aos contratantes pelo TRIPS tem um carácter flexível e negociado: é conferida, aos Membros, a possibilidade de ser dispensados do cumprimento das obrigações emergentes do TRIPS, em circunstâncias excepcionais; está instituído um regime de medidas de salvaguarda, aplicável aos acordos celebrados no âmbito da OMC; um sistema de resolução de diferendos da OMC, permite, entre diversas soluções que, um Membro "compre" as suas próprias infracções.

    A flexibilidade do (in)cumprimento de um acordo internacional, como o TRIPS, impede que um cidadão possa fundar direitos em disposição poderá não ser cumprida por um ou muitos Membros do acordo.

    O TRIPS é, à luz do Direito Comunitário, um acordo misto, uma vez que versa sobre matéria da competência partilhada da Comunidade Europeia e dos Estados-Membros, aquela e estes foram partes, de direito próprio no acordo TRIPS, constituindo, por isso, acto de Direito Comunitário, sujeito à interpretação do Tribunal de Justiça das Comunidades.

    Como acto normativo (em princípio) insuficiente, deixando aos Estados a escolha dos meios para o seu cumprimento e tendo como destinatários directos Estados, os acordos Internacionais aproximam-se da Directiva Comunitária.

    Quando têm por objectivo a aproximação de legislações de forma a harmonizar a regulamentação os acordos internacionais alcançam, por vezes, uma densidade tal, que permite aos particulares fundar, com segurança, direitos invocáveis nas respectivas ordens jurídicas internas.

    Para que um cidadão possa fundar direitos numa disposição de um contrato é requisito - como nas directivas - a precisão e a incondicionalidade.

    As disposições dos acordos internacionais, com tais características, manifestarão a sua aplicabilidade directa apenas verticalmente.

    O art. 33º do TRIPS é suficientemente preciso. Mas não é incondicional.

    Uma norma...

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