Acórdão nº 4593/2004-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Junho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelEZAGUY MARTINS
Data da Resolução24 de Junho de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

I- E, Lda., com sede na…., intentou acção declarativa de condenação, com processo sob a forma ordinária, distribuída à 3ª Vara Cível - 1ª secção, da comarca de Lisboa, contra K, S.A., com sede na…., pedindo: - Que seja declarada sem efeito a resolução de contrato de concessão celebrado entre ela e a Ré, enquanto da iniciativa desta, declarando -se o mesmo resolvido pela A., por incumprimento daquela.

- Seja condenada a Ré a pagar à A., a quantia global de 170.512.280$00, acrescida de juros legais desde a citação, bem como a quantia que, em execução de sentença, vier a liquidar - se quanto aos encargos com a garantia bancária respectiva.

- Que se declare compensado o débito da A. para com a Ré, no montante global de 24.724.822$00 com aquele montante global do seu crédito da indemnização, recebendo o excedente.

Alega para tanto e em suma, que por contrato de 01-06-1994, a Ré, como importadora exclusiva de veículos peças e acessórios da marca "Kia", acordou com a A. as vendas daqueles produtos em regime de concessão exclusiva, em determinada área territorial.

No âmbito do qual, e desde o início, fez a A. um enorme esforço para promover a marca KIA no mercado, até então completamente ignorada.

A Ré, porém, cedo começou a criar ruptura no fornecimento das viaturas encomendadas pela A., não havendo lançamento no mercado de viaturas novas, para além de nunca ter tido peças sobressalentes para as necessidades.

Arrastando - se a situação, na sequência de carta da A. de 05-12-95, a Ré comunicou - lhe, por carta de 26-12-95, a resolução do contrato.

Sendo que a Ré, com a resolução do contrato, ficou enriquecida, sem qualquer causa que o justifique, com o facto de a marca estar implantada e conhecida no mercado, "à custa da A.".

Ocasionando o incumprimento da ré prejuízos vários à A.,...para além dos que lhe advêm da resolução do contrato.

Computando o montante dos tais prejuízos - ressalvados os relativos aos custos de garantia bancária prestada por exigência da Ré, e que só quando aquela cessar poderão ser quantificados - e enriquecimento, no quantitativo peticionado, referido supra.

Contestou a Ré, por impugnação, pedindo ainda, em via reconvencional, a condenação da A. a pagar - lhe quantia a liquidar em execução de sentença e, bem assim a devolver - lhe os painéis normalizados KIA MOTORS que a A. tem afixados nas suas instalações em Seia e Viseu.

Alegando, a propósito, ter a A. procedido à importação directa de 15 veículos automóveis da marca KIA; haver aposto matrícula falsa em viatura de propriedade da Ré; ter adquirido a concessão de veículos de marca Skoda por uma empresa que tem como sócios - gerentes os sócio - gerentes da A. e sobrevalorizado as retomas.

O que tudo - para além dos prejuízos assim emergentes do correspondente incumprimento contratual, traduzido também na falta de pagamento de facturas e notas de débito emitidas pela Ré - se repercutiu negativamente na imagem que a marca KIA tinha no mercado.

Acrescendo os prejuízos decorrentes da resolução do contrato devido a tal violação culposa da A., como sejam as compensações que terá de pagar a outros concessionários pelas reparações e trabalhos de manutenção dos veículos vendidos pela A..

Sendo a Ré a proprietária dos painéis afixados nas instalações da A. em Seia e em Viseu.

Houve réplica da A., pugnando pela inadmissibilidade, e, subsidiariamente, pela improcedência da reconvenção, e impugnando o valor atribuído à reconvenção, requerendo ainda a "alteração e ampliação" do pedido, traduzidas na supressão do pedido de compensação do seu inicialmente concedido débito para com a Ré - assim insubsistente - com o seu arrogado crédito sobre a mesma.

Foi proferido despacho saneador, transitado em julgado - admitindo o pedido reconvencional, fixando o valor da reconvenção e admitindo a requerida alteração do pedido - e operada a condensação processual.

O processo seguiu seus termos, sendo proferida, realizado que foi o julgamento da matéria de facto, sentença que, julgando a acção apenas parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à A., a título de indemnização - por falta de pré-aviso e de clientela - a quantia que se liquidar em execução de sentença, correspondente a dois meses de remuneração média mensal, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Inconformadas recorreram a Autora e a Ré.

Formulando a primeira, nas suas alegações, as conclusões seguintes: ……… Contra-alegaram ambas as recorrentes.

O Senhor Juiz a quo "sustentou" o decidido, concedendo a falta de pronúncia expressa quanto à reconvenção, cuja improcedência estará porém implícita na fundamentação e na parte decisória da sentença.

Por despacho do Relator, de folhas 793 a 798, e tendo-se ouvido previamente as partes, julgou-se findo o recurso interposto pela K, pelo não conhecimento do seu objecto, na parte relativa à decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, na circunstância da constatada omissão do registo do depoimento de uma testemunha, e da não arguição oportuna da correspondente nulidade.

Tendo aquela, inconformada, reclamado para a conferência.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Sendo discutidas pelas recorrentes diversas questões, algumas das quais, ainda que de forma reversa, nas apelações de ambas, e podendo acontecer que alguma delas fique prejudicada ou condicionada pela solução dada a outra, mostra-se adequado tratá-las pelo seu encadeamento lógico, que não em sede de análise formalmente autonomizada de cada um dos recursos.

Isto posto.

Face ao teor da reclamação para a conferência, e às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele - vd. artºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - são questões propostas à resolução deste Tribunal: - se a inexistência de registo do depoimento da testemunha V F - no respeitante ao seu interrogatório, pela parte que a ofereceu - constitui nulidade.

- a constituir, se a mesma se encontra ou não sanada.

- se, em qualquer caso, deverá ser ordenada a "renovação" da inquirição de tal testemunha.

- se a sentença recorrida enferma das nulidades que assim lhe são assacadas pela apelante K.

- se se verificou fundamento para a resolução contratual operada pela Ré.

- na afirmativa, se a resolução do contrato, por parte da Ré, traduz abuso de direito.

- na negativa, se, e em que medida procedem a acção e a reconvenção.

Considerou-se assente, na primeira instância, a factualidade seguinte: ………………………………………….

Vejamos.

II-A-1- Logo se assinalará que sendo impugnada a decisão da primeira instância quanto à matéria de facto, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência, a Relação se não limita, forçosamente, como pretende a apelante KMC, "à audição...dos depoimentos indicados pelas partes", prescrita pelo artº 690º-A, n.º 5, do Cód. Proc. Civil.

Na verdade, e como resulta do disposto no artº 712º, n.º 1, al. a), 2ª parte, e n.º 2, do Cód. Proc. Civil, "...se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida...a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados".

Ora, no caso em apreço, e como da acta respectiva consta, a testemunha V F depôs sobre a matéria do quesito 66º, cuja resposta assim é impugnada por aquela recorrente.

Sendo que em sede de fundamentação das "respostas dadas" quanto à matéria de facto, expressamente se invocou o depoimento de tal testemunha, vd. folhas 521.

Assim se alcançando, sem esforço interpretativo, que o controlo da decisão quanto à matéria de facto, na parte impugnada, sempre poderia passar também, pela reapreciação do depoimento de tal testemunha.

Note-se que o emprego do modo condicional tem que ver com a circunstância de a reapreciação desse outro depoimento não ter lugar se os elementos de prova indicados pela parte impugnante, resultarem desde logo, e porventura no confronto dos que indicados hajam sido pela parte recorrida, inconsequentes.

Não é concebível, na verdade, que o legislador tenha contemplado a alteração, pela Relação, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, apenas com base em depoimentos de testemunhas indicados pelas partes, abstraindo dos demais elementos de prova considerados na fundamentação de tal decisão.

Nessa rejeitada perspectiva, ouvidas cinco testemunhas quanto a determinado ponto da matéria de facto, e fundamentada a correspondente decisão no depoimento de quatro delas e de uns quantos documentos, impugnada aquela com fundamento no depoimento da "5ª testemunha", por si só, com foros de credibilidade, e nada dizendo a contraparte, poder-se-ia decidir, revogando a decisão da 1ª instância, sem ponderar os demais depoimentos, e documentos, a propósito considerados naquela.

O absurdo é evidente.

Assim, a parte impugnante, que pretende ver alterada a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, tem de contar com a reapreciação pela Relação, dos demais elementos de prova que fundamentaram aquela...a menos que haja deduzido a impugnação, sabedora desde logo do inconsequente dos meios de prova por si indicados.

Não sendo assim, nem se tratando aquela de hipótese que importe considerar em termos de normalidade, impõe-se-lhe verificar, na sequência da entrega das "cassetes", se teve lugar o registo integral de todos os depoimentos prestados quanto à matéria cuja decisão pretende impugnar.

Aliás, ela apenas estará em condições de, em consciência, impugnar a decisão quanto à matéria de facto, com base nos depoimentos de alguma(s) das testemunhas inquiridas a determinado ponto da mesma, se tiver controlado o registo dos demais depoimentos prestados sobre esse...

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