Acórdão nº 7675/2003-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Maio de 2004 (caso NULL)

Data06 Maio 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: J. DIAS e outros intentaram contra V. TOMÉ e mulher M. TOMÉ e GOVERNO REGIONAL DOS AÇORES, acção sob a forma ordinária, pedindo se declare nula e de nenhuns efeitos a alienação da tela objecto da acção e a condenação dos RR. a repor a tela no local em que se encontrava.

Como fundamento da sua pretensão, alegam em síntese o seguinte: Os AA., são conjuntamente com M. Dias, donos do imóvel sito no Largo da Matriz, da Rua da Alfândega, freguesia de S, Sebastião, Ponta Delgada, descrito na CRP sob o nº 19689 a fol. 44 do Lv B-60.

Em 10.03.34, foi inaugurado no referido imóvel o estabelecimento comercial «Bureau de Turismo», o qual foi gerido inicialmente pelas empresas dominadas pela família Bensaúde.

Em 17.11.62, foi o referido estabelecimento arrendado, pelos então senhorios, à Sociedade Micaelense de Hotéis Lda.

Desde pelo menos 17.11.62, encontrava-se imbutida numa parede do referido r/c, uma tela, réplica do quadro «Os Emigrantes» da autoria do mestre Domingos Rebelo, encomendada com o propósito de decorar o «Bureau de Turismo», explorado na altura pela sociedade «Terra Nostra».

A referida tela foi encastrada na parede de modo a não poder ser retirada.

A sociedade Terra Nostra encerrou a sua actividade em 31.12.91.

Em 09.08.71, o estabelecimento comercial «Bureau de Turismo foi objecto de trespasse, passando a Sociedade «Ornelas e Cia, Suc Lda a ser a arrendatária comercial do mesmo.

Em 01.02.73, a «J.H. Ornelas e Cia, Suc Lda» trespassou o estabelecimento a «E. Monis».

Em 31.07.86, o E. Moniz trespassou o referido estabelecimento a V. Tomé.

Com o encerramento da sua actividade da «Terra Nostra» e entrega aos senhorios do local, a tela «Os Emigrantes» permaneceu na posse e propriedade dos proprietários do imóvel.

Em 1987, os 1º RR, arrogando-se poderes que não tinham, alienaram a referida tela, por cerca de 3.000.000$00, sem o consentimento e contra vontade dos autores, à Secretaria Regional de Ensino e Cultura dos Açores.

A referida Secretaria Regional nada fez para repor a tela no local devido, limitando-se a informar os autores que se conformaria com a decisão judicial que viesse a ser proferida.

Em 1988, os autores intentaram acção de reivindicação de propriedade da referida tela, que por manifesta ineptidão foi considerada improcedente.

Dos referidos autos, resultou provado que os RR., não eram nem nunca foram proprietários ou possuidores da referida tela.

Contestou a acção o Governo Regional dos Açores, dizendo em síntese o seguinte: É manifestamente parte ilegítima, por não ter personalidade nem capacidade judiciária, detendo-a apenas a «Região Autónoma dos Açores».

Ignora o alegado de 1 a 25 da p. i.

Adquiriu a tela pelo preço justo aos 1º RR..

Contestaram igualmente os RR. V. Tomé e M. Tomé dizendo em síntese: Os autores já intentaram acção declarativa que correu termos com o nº 123/88, em que viram denegado o direito de propriedade a que se arrogam sobre a tela «Os Emigrantes».

Não podem os autores vir de novo alegar que são proprietários da tela.

Não tendo sido reconhecida aos AA., a qualidade de proprietários da tela «Os Emigrantes» e tendo eles alegado essa qualidade para se apresentarem como interessados na declaração de nulidade do negócio celebrado entre os 1º e o 2º R., são parte ilegítima na presente acção.

A réplica de «Os Emigrantes» que se encontrava a decorar uma das paredes do estabelecimento comercial «Bureau de Turismo» nunca fez parte integrante desse imóvel.

Tal quadro esteve aplicado sobre uma estrutura de madeira que lhe servia de suporte e moldura, suspensa na parede.

O quadro «Os Emigrantes» fez sempre parte do estabelecimento comercial «Bureau de Turismo» e a sua posse, em nome próprio foi-se transmitindo através dos diversos trespasses, que os AA., referem.

O Sr. E. Moniz, até trespassar o estabelecimento aos RR., sempre se afirmou dono e senhor desse estabelecimento e também do dito quadro, sem oposição, nomeadamente dos autores.

Os RR. podem-se arrogar a propriedade sobre a tela «Os Emigrantes».

Replicaram os autores, mantendo no essencial a posição resultante da petição inicial.

Vieram os autores requerer a intervenção (fol. 189) principal da REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES, que foi admitida, tendo esta declarado que faz seu o articulado da contestação apresentada.

Foi proferido despacho saneador (fol. 206 e segs.), em que se julgou improcedente a excepção de caso julgado e a de ilegitimidade dos autores, deduzidas pelos RR., V. Tomé e mulher. No mesmo despacho julgou-se procedente a excepção de falta de personalidade judiciária do Governo Regional dos Açores, por este deduzida.

Pelos RR. V. Tomé e mulher M. Tomé, foi interposto recurso do despacho saneador, na parte em que julgou improcedentes as excepções peremptórias de caso julgado e a dilatória de ilegitimidade (fol. 216), recurso que foi admitido (fol. 264), como agravo, efeito devolutivo e subida a final. Por falta de alegações foi tal recurso julgado deserto (fol. 401).

Procedeu-se a julgamento, tendo sido poferida sentença que julgou improcedente a acção (fol. 551 e segs).

Com tal decisão se não conformaram os autores que se apresentaram a recorrer, recurso que foi recebido como de apelação.

Nas suas alegações, formulam os autores as seguintes conclusões: Face à prova apresentada nos presentes autos, a qual se encontra integralmente documentada, a resposta aos quesitos 12 e 15 devia ser: «A tela estava colada a uma estrutura inamovível que servia de parede e de divisória do estabelecimento, não podendo ser retirada sem danificar ou a tela ou a estrutura, estrutura esta de parede divisória que teve de ser retirada juntamente com a tela, para não danificar a tela».

Verifica-se a falta de fundamentação, de facto e de direito, na sentença recorrida, não prevendo a lei em vigor nenhuma excepção de caso julgado, «de uma questão de direito» o que constitui causa de nulidade da mesma, nos termos do art. 668 nº 1 b) CPC.

Verificou-se falta de pronúncia sobre questões suscitadas pelos autores, as únicas verdadeiramente relevantes para a decisão do presente pleito, e sobretudo a verificação dos requisitos legais estabelecidos no art. 892 CC, a qual constitui o pedido formulado nos presentes autos: venda de bem alheio - não tendo sequer a sentença aforado a questão de saber se o 1º R, era ou não proprietário da tela, o que constitui a causa de nulidade prevista no art. 668 nº 1 d) CPC.

Verificou-se uma incorrecta apreciação e interpretação das decisões proferidas no âmbito da anterior acção, a de reivindicação de propriedade, encontrando-se a decisão em contradição com o constante da alínea J) dos factos assentes e violando o previsto no art. 673 CPC, em termos de caso julgado e o previsto no art. 289 nº 4 CPC, pois sempre seria violado o princípio de prova com base na anterior decisão (quando a mesma conclui por um juízo negativo quanto à titularidade da propriedade da tela pelos RR) o que constitui a causa de nulidade prevista na alínea c) nº 1 do art. 688 CPC.

Da prova produzida e do princípio de prova resultante da anterior acção, é flagrante e inegável que os 1º RR., não tinham qualquer título válido sobre a tela, fosse como proprietários, possuidores, trespassários ou arrendatários, pelo que a venda realizada deve ser julgada nula por ter sido vendida por quem não tinha qualquer direito ao bem, nos termos do art. 892 CC.

A sentença recorrida fez uma incorrecta selecção e apreciação dos factos relevantes para a decisão, verificando-se a falta de pronúncia sobre questões suscitadas com manifesto interesse para a decisão da causa, o que é causa de nulidade da sentença nos termos previstos na alínea d) nº 1 art. 668 CPC.

A sentença fez ainda uma incorrecta apreciação e interpretação da legislação aplicável, verificando-se mesmo contradição entre os vários fundamentos da decisão e entre os fundamentos e a própria decisão, o que representa nulidade de sentença nos termos do art. 668 nº 1 c) CPC.

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