Acórdão nº 4930/2003-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Abril de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução20 de Abril de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: Em 18.06.2001, O MP intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra "Teixeira ..." "Tedal ..." e "TDP ..." formulando os seguinte pedidos: Declarar-se a existência de uma relação de domínio entre a R. Teixeira ... (1ª R) e as demais RR; Declarar-se, consequentemente, como pertencentes à 1ª R e a si imputáveis as participações sociais detidas pelas 2ª e 3ª RR na "C... SA"; Declarar-se a nulidade da aquisição das acções que as RR detêm C... SA, na parte em que excedem 10% do capital com direito a voto nessa sociedade; Decretar-se a inibição das RR do exercício de todos os direitos sociais, nomeadamente do direito de voto, relativos às acções detidas na C..., na parte em que excedem 10% do capital com direito a voto daquela sociedade.

Todos os pedidos se baseiam na circunstância de o autor (MP) entender que a 1ª R, através da 2ª e da 3ª RR, a quem dominará, violou o disposto no artº 1º nº 1 do DL 380/93, de 15/11, através da aquisição de acções representativas de mais de 10% do capital da C.... com direito a voto, sem deterem autorização prévia do Ministro das Finanças para o efeito.

Na verdade, alega o MP: Com a sucessiva aquisição de acções da C...., processada em bolsa, pelas 2ª e 3ª Rés, no quadro da descrita e verificada relação de domínio da 1ª Ré, foi ultrapassado o limite de 10% do capital com direito a voto naquela sociedade em curso de reprivatização, fixado no artº 1º nº 1 do DL nº 380/93.

A 1ª Ré não obteve, nem os demais obtiveram, autorização prévia do Ministro das Finanças para excederem, com as sucessivas da aquisições C...., aquele limite.

O art. 3º do citado DL nº 380/93 comina com a nulidade as aquisições das acções que excedam 10% das acções representativas do capital com direito a voto, nulidade que pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do C. Civil) Bastando que, como efeito da declaração da nulidade, as Rés sejam inibidas de exercer todos os direitos sociais, nomeadamente o direito de voto, relativos às acções que ultrapassaram o limite de 10% fixado no art. 1º, nº 1 daquele DL n. 380/93.

As RR contestaram a existência de domínio da 1ª R sobre a 3ª, mas confessam o domínio da 1ª sobre a 2ª. De todo o modo, e em termos de questão prévia, entendem ser orgânica e formalmente inconstitucional o DL 380/93, ou pelo menos ilegal, por violação da Lei nº 11/90, de 05.04, não devendo, por isso, ser aplicado.

Entretanto, "S..." requereu a sua intervenção nos autos, ao abrigo do disposto no artº 320º do CPC, e a intervenção principal provocada do Dr. P.. nos termos do artigo 325º.

Mas, o EMMP, a fls. 1175, requereu a extinção da instância, por entender que, com a decisão proferida pelo TJCE através do acórdão de 4/6/02, segundo o qual, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do artº 73º-B do Tratado CE (actual artº 56º), ao aprovar e manter em vigor (além do mais) o referido DL 380/93, se verificou uma impossibilidade superveniente da lide. E juntou cópia desse acórdão.

Igual entendimento expressaram as RR no seu requerimento de oposição à requerida intervenção principal espontânea e provocada, embora ainda sem conhecimento da tomada de posição do A (o MP).

Contra este entendimento insurgiu-se a referida S.... a fls. 1236 e s.s..

De fls. 1303 a 1319 pronunciaram-se as RR a favor da tese do MP no que concerne à aplicação no direito interno da decisão do TJCE, dizendo: - que o tribunal nacional se encontra proibido de aplicar o artigo 1º do DL 380/93.

- que tal posição não é apenas a que decorre de um dever de decidir correctamente as questões jurídicas, como acontece com a proibição de aplicação de normas inconstitucionais.

- que se trata de uma proibição que envolve uma obrigação do Estado Português e de uma situação onde a desconformidade com o direito comunitário já foi declarada pelo órgão competente, pelo que há que respeitar a decisão do TJ.

- que, se assim se não entender, devem ser absolvidas do pedido no despacho saneador.

**Pelo despacho de fls. 1322 a 1325, de 15.11.02, foi decidido que a instância não pode prosseguir, por impossibilidade superveniente, julgando-se, pois, extinta, nos termos do artº 287º al. e) do CPC.

Com efeito aí foi referido nomeadamente: No que respeita, concretamente, ao acórdão do TJCE, de 4/6, está-se em presença de uma decisão que visa prescrever ao Estado Português um objectivo cuja realização passará pela revogação do DL 380/93. Impõe-lhe a eliminação de uma medida nacional que entende contrária às regras comunitárias.

Toda a questão está em saber se, enquanto essa medida nacional não for tomada com a eliminação do diploma contrário às regras comunitárias o mesmo continua vigente na ordem jurídica interna, pelo menos para as situações fácticas nascidas na sua vigência.

Ora, um dos princípios essenciais da ordem jurídica comunitária foi sendo, através da jurisprudência do TJCE a partir dos anos 60, o da aplicabilidade directa do direito comunitário.

Flui da jurisprudência comunitária que se inaugurou com o Acórdão Franz Grad de 6/10/70 que tratando-se de uma decisão que impõe aos Estados membros uma obrigação incondicional e precisa para poder ser aplicada por si própria, tal decisão deverá produzir efeitos directos nas relações entre os Estados membros e os particulares, mesmo tratando-se de uma directiva- isto é, de uma decisão comunitária que obriga apenas quanto ao resultado a atingir- e mesmo enquanto o Estado destinatário não adopta o comportamento necessário para lhe dar execução na ordem interna (cfr. "Manual de Direito Comunitário", João Mota Campos, 2ª ed, p. 326 e ss.) ...

Nenhum sentido faria que o Estado destinatário do acórdão em referência prosseguisse na presente acção, na posição de A, pelo menos a partir do momento em que as RR se prevalecem dos efeitos daquele Acórdão.

Dele recorreu a interveniente, formulando as seguintes conclusões: (...)**O MP pronuncia-se pela improcedência do agravo, dizendo que, atenta a obrigatoriedade da decisão do TJCE proferida no aludido acórdão de 04.06.2002, nos termos do artigo 249º do Tratado CE, e a aplicação conjugada dos princípio basilares da "aplicabilidade directa" e da "primazia" do direito comunitário, não se vê como possa deixar de se considerar a "ineficácia originária" do diploma legal interno, já declarado incompatível com o direito comunitário.

**Posteriormente foram juntos aos autos pelas RR dois pareceres jurídicos e uma cópia do acórdão nº 192/2003 do Tribunal Constitucional (TC) de 09.04.2003 (proferido no processo nº 612/02 - 1ª secção) que julgou inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas dos artigos 85º, nº 1 e 296º da CRP (na redacção anterior à revisão constitucional de 1997), as normas constantes dos nºs. 1 e 2 do artigo 1º do DL 380/93, de 15.11.

Naqueles pareceres defende-se, em síntese, e na parte que agora mais interessa: a) Do acórdão declarativo do incumprimento do TJ (de 04.06.2002), proferido ao abrigo do disposto no artigo 228º do Tratado CE, resulta uma obrigação absoluta e incondicional para todas as autoridades portuguesas, incluindo os tribunais nacionais, de não aplicar a disposição nacional julgada incompatível com o Tratado; b) A declaração de incumprimento constante do acórdão é fonte directa e automática de uma obrigação absoluta e incondicional de aplicação pelos tribunais portugueses do artigo 1º do DL 380/93. Assim, ao declarar a incompatibilidade deste artigo com o direito comunitário, impõe aos tribunais portugueses (ou a qualquer outra autoridade pública) a obrigação de não aplicarem tal norma.

  1. Esta declaração tem eficácia retroactiva. E assim, a obrigação de não aplicação do artigo 1º do DL 380/93 abrange factos anteriores à emissão do acórdão do TJCE; d) Uma situação caracteriza-se como "puramente interna" quando todos os elementos estão confinados ao interior de um único Estado membro, hipótese que é...

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