Acórdão nº 1966/2004-3 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2004 (caso None)

Magistrado ResponsávelCARLOS DE SOUSA
Data da Resolução12 de Abril de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em audiência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - No presente processo comum (tribunal colectivo) procedente da 8ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção, por acórdão de 17 de Janeiro de 2004, deliberou: a) Julgar a acusação parcialmente procedente por parcialmente provada; b) Condenar o arguido, (J), pela autoria material, e em concurso real, de um crime de homicídio qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelo artº 132º, nºs 1 e 2, al. g), com referência aos artºs 22º, 23º, 73º e 131º, todos do C.Penal, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artº 146º, nºs 1 e 2, com referência aos artºs 132º, nº 2, als. d) e g), e 143º, nº 1, todos do C.Penal, na pena única de 6 (seis) anos de prisão; c) Absolver o arguido da prática do crime de detenção e porte de arma proibida, p. e p. pelo artº 275º, nº 3, do C.P., com referência ao artº 3º, nº 1, al. f) do Dec.-Lei nº 207º-A/75, de 17 de Abril, pelo qual vinha acusado; d) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se no mínimo a taxa de justiça, acrescida de 1%, e 1/3 de procuradoria e honorários a favor do defensor.

e) Declarar perdida a favor do Estado a navalha apreendida nos autos, ordenando, em consequência, a sua destruição.

E, finalmente, mandou o arguido recolher ao E.P., a remessa de boletins ao registo criminal e certidões ao TEP.

* II - A) É deste acórdão que recorre o arguido para esta Relação, (...) * III - Colhidos os vistos e efectuada a audiência, cumpre ponderar e decidir.

  1. O âmbito do recurso, como se sabe, é delimitado pelas conclusões do recorrente - aliás, como vem sendo jurisprudência corrente dos nossos tribunais superiores (cfr., entre muitos, os Acs. STJ de 16/11/95 e de 31/01/96, BMJ 451/279 e 453/338) e advém do princípio da cindibilidade do recurso (cfr. artºs 403º, nº 1 e 412º, nº 1, do CPP).

Importa realçar que a audiência de julgamento, na 1ª instância, decorreu perante Tribunal Colectivo, sem que tivessem sido documentadas as declarações ali prestadas oralmente. Contudo, nem o recorrente, nem qualquer outro interveniente processual, suscitou tal irregularidade nem esta é de conhecimento oficioso, aliás, como se consigna na Jurisprudência fixada nº 5/2002 do STJ (D.R., I-A Série, de 17/07/2002).

Assim sendo, o recurso é restrito às questões de direito, sem prejuízo de se poderem e deverem apurar se, do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras de experiência, se constatam os vícios do artº 410º, nº 2 do CPP - que, como também se sabe, são de conhecimento oficioso deste tribunal de recurso (cfr. Ac. Pl. Sec. Crim. STJ de 19/10/95, in D.R., I-A Série de 28/12/95), sendo que o recorrente suscita o da al.

c), o erro notório na apreciação da prova.

As questões a decidir são as seguintes: 1ª A existência dos vícios do artº 410º, nº 2, nomeadamente o da al. c), do CPP - o erro notório na apreciação da prova; e, no caso positivo, será de reenviar o processo para novo julgamento ou será possível evitá-lo ainda (cfr. artº 426º do CPP) ? 2ª A qualificação jurídico-penal dos factos: estamos, em ambos os casos, perante os imputados crimes qualificados, pela especial censurabilidade ou perversidade do agente - cfr. artºs 132º, nº 2 e 146º, nº 2, ambos do C.Penal ? Ou antes, (apenas) subsistem os elementos do tipo base, relativamente a ambos os crimes ? 3ª E quais as consequências na medida concreta das penas (parcelares e única) - cfr. artºs 40º, 70º, 71º, 73º e 77º do C.Penal ? * B) Para melhor ponderar e decidir tais questões, convém transcrever o texto do acórdão recorrido (na parte pertinente): 1.

Da discussão da causa deu o Tribunal Colectivo como assente por provada a seguinte matéria factica: 1. Da acusação: No dia 28 de Dezembro de 2002, pelas 04h30m, no interior do estabelecimento de bar denominado "Churrião", sito na Av...., na Venteira, Amadora, o arguido desentendeu-se com o proprietário daquele estabelecimento, (AS), id. a fls. 31 dos autos, não querendo efectuar o pagamento das despesas que fizera.

Naquele estabelecimento, encontravam-se, também, (CF) e (VT), ids, respectivamente, a fls. 29 e 26 dos autos.

Na sequência daquele desentendimento, o arguido aproximou-se do citado (AS) e, após alguma troca de palavras, deu-lhe um empurrão, preparando-se para continuar tal atitude quando interveio (CF), o qual colocou a mão no peito do arguido, procurando evitar que este atingisse o (AS).

O arguido, porém, sem responder ao (CF), empunhou a navalha examinada a fls. 138 a 140, exame cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, com a qual previamente se munira e transportava no bolso do casaco que envergava e, com ela, desferiu um golpe sobre o peito do (CF), atingindo-o, na base do hemitórax esquerdo, ao mesmo tempo que dizia: " vou-te matar".

Na sequência deste golpe, o (CF) caiu ao chão, sendo, de imediato, seguido pelo arguido, que se colocou sobre o seu corpo, atirando-se para cima dele.

Nestas circunstâncias, estando o (CF) no chão, o arguido, empunhando sempre a referida navalha, procurou, com ela, atingir o (CF), de novo, no peito, sendo que este procurava com os braços evitar tal golpe, vindo, por isso, a ser atingido, pelo arguido, com aquela navalha, no braço esquerdo e unicamente por se estar a defender com o braço, a fim de não ser atingido no peito.

Nesse momento, e, em auxilio do (CF), surge (VT), que procurou retirar a navalha das mãos do arguido, vindo a ferir-se na mão. De seguida, o (VT) puxou o arguido, retirando-o de cima do (CF). O arguido virou-se, então, para aquele, envolvendo-se fisicamente com o mesmo, caindo ambos no chão. Já no chão, o arguido e o (VT) rebolaram agarrados um ao outro, sendo que, a determinada altura, o arguido, que mantivera sempre na mão a referida navalha, com ela desferiu um golpe no ombro do (VT), atingindo-o. De seguida, o arguido conseguiu libertar-se, após o que abandonou o local, vindo a ser detido pela PSP, momentos depois, e a cerca de 100 metros, tendo na sua posse a navalha mencionada.

Em consequência de tal comportamento, o arguido provocou no corpo do (CF) ferida na base do hemitórax esquerdo com penetração ao abdómen, conforme melhor consta do protocolo clínico junto a fls. 77 a 93, maxime fls. 86, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.

Mais provocou ferida superficial da face externa do antebraço esquerdo, conforme protocolo clínico mencionado.

Consta do protocolo operatório de fls. 86 que (CF) apresentava hemoperitoneu com abundantes coágulos, bem como ferida penetrante no peritoneu, junto ao bordo do lobo esquerdo do fígado, atingindo grande curvatura gástrica e grande epíplon. Foi efectuada laparotomia exploradora mediana supra e infra umbilical.

Tais lesões, que resultaram de traumatismo de natureza corto-perfurante, foram causa directa e necessária de 15 (quinze) dias de doença, com igual tempo de incapacidade para o trabalho em geral e para o trabalho profissional - cf. auto de perícia de avaliação do dano corporal de fls. 131 a 134.

Tais lesões curaram, tendo resultado como consequência permanente: a) uma cicatriz linear mediana de aspecto operatório, supra e infra-umbilical, com cerca de 30 centímetros de comprimento; b) cicatriz linear arciforme com vestígios de pontos de sutura, medindo cerca de 4,5 centímetros de comprimento na região precordial; c) cicatriz linear transversal, com cerca de 1 centímetro de comprimento...

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