Acórdão nº 1029/2004-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Março de 2004 (caso NULL)

Data18 Março 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO J. Amaral, instaurou acção popular, ao abrigo do disposto no art. 369° do Código Administrativo, declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra o Estado Português, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, pedindo a condenação do R a pagar ao Município de Abrantes, a título de indemnização por perdas e danos, a quantia de Esc. 10.800.000.000$00, acrescida dos juros que se vencerem, à taxa legal de 15% ao ano, desde a citação até integral pagamento ou, subsidiariamente, apenas para a hipótese de improcedência do pedido principal, a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de Esc. 2.700.000.000$00, acrescida de juros calculados sobre esse montante, à taxa legal de 15% ao ano, desde 20 de Dezembro de 1983 até integral pagamento.

Para tanto alega que por escritura outorgada em 24/11/93 a EDP - Electricidade de Portugal, S.A. constituiu a favor da sociedade anónima Tejo Energia, Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S.A., pelo preço de Esc. 27.000.000.000$00, um direito de superfície sobre dois prédios urbanos situados em Abrantes. Sobre essa transmissão incidia o imposto municipal de sisa. Todavia, por despacho proferido pelo Subdirector-Geral das Contribuições e Impostos, a 06/10/93, no exercício de competência delegada pelo Ministro das Finanças, foi concedida à adquirente isenção do imposto que seria devido, a liquidar, aplicando-se a taxa de 10% sobre o valor da transmissão do direito constituído, valor este determinativo da matéria colectável, pelo que, o valor do imposto seria de Esc. 2.700.000.000$00, não podendo ser aplicada a taxa reduzida de 4%, do art. 38º do Código de Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, desde logo porque a unidade industrial, que a Tejo Energia, Produção e Distribuição de Energia, S.A. comprou à EDP, já estava instalada e a funcionar, e sobretudo porque, operada a transmissão, feita a escritura, já não era possível a formulação do requerimento, pressuposto da prolação de despacho ministerial, a permitir a aplicação da taxa reduzida de 4%.

Deste modo, o Município de Abrantes, por virtude da isenção concedida pelo Estado, ora R, à aquisição a favor da Tejo Energia, Produção e Distribuição de Energia, S.A., deixou de arrecadar a importância de Esc. 2.700.000.000$00, porquanto o imposto municipal de sisa constitui receita do município e, se não fosse a isenção concedida, deveria ser transferida para o Município de Abrantes, até ao dia 15/12/93 aquela importância de Esc. 2.700.000.000$00, uma vez que a sisa teria sido paga, o mais tardar, a 24 de Novembro de 1993, data da outorga da escritura.

Na discussão na especialidade da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado para o ano de 1994 foram apresentadas duas propostas que visavam a introdução de um artigo novo no sentido de atribuir uma compensação ao Município de Abrantes devida por isenção da sisa, tendo ambas sido rejeitadas.

Ora, por virtude da omissão da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado para 1994 e em resultado da rejeição das propostas de alteração referidas, que se fundavam expressamente no art. 7°, nº 7 da lei das Finanças Locais com vista à introdução de um artigo novo relativo à compensação devida por isenção de sisa e que visavam precisamente conceder, por parte do Estado, uma compensação ao município pela perda verificada, o município sofreu um dano cifrado em Esc. 2.700.000.000$00.

De harmonia com o disposto no art. 7°, nº 7 da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro correctamente interpretado, as isenções e reduções de sisa "que venham a ser concedidas" e que não sejam determinadas ipso jure pela lei vigente dão lugar à compensação, pois derivam de actos discricionários do poder central que têm de compatibilizar-se com o princípio constitucional da autonomia financeira do poder local.

De onde se conclui que a isenção de sisa concedida à Tejo Energia conferia ao Município de Abrantes o direito a uma compensação nos termos do nº 7 do art. 7° da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, assim como, a rejeição da inscrição da verba correspondente no Orçamento Geral do Estado para 1994, teve como consequência a produção, por parte da Assembleia da República, de uma lei que, por omissão, e de forma inconsiderada, ao violar frontalmente o direito do Município, infringiu, do mesmo passo, o princípio constitucional da autonomia financeira das autarquias locais, causando ao Município de Abrantes um prejuízo de Esc. 2.700.000.000$00, a título de dano emergente, embora o valor global do dano se deva computar em montante não inferior a Esc. 10.800.000.000$00.

Com efeito, se o Município de Abrantes pudesse dispor daquela verba extraordinária de Esc. 2. 700.000.000$00 afectaria os meios financeiros assim libertos na aplicação em investimentos susceptíveis de serem co-financiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, cuja comparticipação, nos projectos cujo financiamento apoia, era em 22/03/93 de 75% ou, em alternativa, celebraria contratos programa com a Administração Central, com vista à realização de investimentos nas áreas de saneamento básico, do ambiente e recursos naturais, infra-estruturas de transportes e equipamento de comunicações, cultura, tempos livres, desporto, educação e ensino, juventude, protecção civil, habitação social, desenvolvimentos económico, construção e reconstrução de edifícios do Município e poderia abalançar-se a certas comparticipações, se dispusesse dos fundos que a sonegada compensação lhe proporcionaria. Dessa forma, o Município e os seus munícipes poderiam ver satisfeitas carências e realizadas obras de infra-estrutura fortemente potenciadoras de desenvolvimento para as quais os seus meios financeiros normais se mostram insuficientes.

O Município de Abrantes poderia ainda, se dispusesse daquela importância de Esc. 2.700.000.000$00, realizar investimentos no valor global de 10.800.000.000$00, obtendo em subsídios 75% deste montante, ou seja, 8.100.000.000$00, sendo este o prejuízo sofrido a título de lucro cessantes.

O R. contestou alegando que a acção, quanto ao essencial e relativamente à substância dos interesses em conflito, encontra-se já sob apreciação judicial no Tribunal Tributário de 2ª Instância (Recurso Contencioso nº 62 023), bem como no Supremo Tribunal Administrativo, onde corre termos o Recurso Contencioso nº 18077. O Tribunal territorialmente competente é o de Lisboa. Impugna genericamente toda a factualidade articulada na petição inicial.

Termina pedindo a improcedência da acção, com a absolvição do pedido.

O A replicou respondendo às excepções e referindo que não se verifica, quanto à litispendência o requisito de identidade de pedidos. Concluiu como na petição inicial.

Foi julgada a incompetência, em razão do território, do Tribunal Judicial de Abrantes e competente o Tribunal Cível de Lisboa.

Foi proferido despacho saneador e organizada a matéria assente e a base instrutória.

O R recorreu do despacho saneador na parte em que considera as partes legítimas e que declara inexistirem excepções que obstem ao conhecimento do mérito.

O recurso foi admitido como agravo, com subida diferida, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

O R. desistiu do recurso na parte referente à legitimidade das partes. O R. apresentou as suas alegações. O A contra-alegou. O Tribunal reparou o Agravo, relegando o conhecimento da referida questão para final.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o R. do pedido, defendendo que o disposto no art. 7º, nº 7 da Lei das Finanças Locais foi tacitamente revogado.

Inconformado, o A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões: 1°) A Lei das Finanças Locais tem a natureza de lei especial, relativamente à Lei de Enquadramento do Orçamento Geral do Estado, como resultava do disposto no art. 240° da Constituição da República, na versão anterior à Revisão Constitucional (actual artigo 238°); 2°) Essa sua natureza de lei especial é hoje explicitamente afirmada, não só pela Constituição, como também pelos artigos 1 °, 2°, nºs. 1 e 5; e 5°, nºs. 2 e 3, da actual Lei de Enquadramento do Orçamento Geral do Estado (Lei n° 91/2001, de 21 de Agosto), que contém as disposições gerais e comuns de enquadramento dos orçamentos de todo o sector público administrativo", nos termos expressos da alínea a) do respectivo artigo 1 °; 3°) Logo, por força do artigo 7°, n° 3, do Código Civil, não é revogada pela lei geral, a Lei de Enquadramento do Orçamento Geral do Estado, e, muito menos, pelas diversas e sucessivas Leis do Orçamento Geral do Estado, sem prejuízo de poder ser por qualquer delas expressamente revogada ou alterada; 4º) Não cabe admitir a revogação tácita da Lei das Finanças Locais, ou de algum dos seus preceitos, por qualquer Lei do Orçamento Geral do Estado; 5°) Admitir a revogação tácita e instantânea e imediata repristinação de qualquer das normas da Lei das Finanças Locais, por efeito da sua inobservância pelas sucessivas Leis do Orçamento Geral do Estado significaria admitir a violação do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático, afrontando directamente o artigo 2° da Constituição da República, do qual decorre a inconstitucionalidade material de tão abstrusa solução normativa; 6°) De resto, os trabalhos preparatórios das sucessivas Leis do Orçamento Geral do Estado não indiciam minimamente a falada revogação tácita, que nem essas Leis, nem os respectivos trabalhos preparatórios revelam com um mínimo de probabilidade, sequer, e, muito menos, com toda a probabilidade, como o exigiria o artigo 217°, n° 1, do Código Civil; 7°) Pelo contrário, os trabalhos preparatórios da Lei do Orçamento Geral do Estado nesta acção questionada mostram cabalmente que muito menos por essa Lei se pode considerar tacitamente revogado o artigo 7°, n° 7, da Lei n° 1/87, de 6 de Janeiro; 8°) O que foi objecto de votação, na Assembleia da...

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