Acórdão nº 9839/2003-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelTIBÉRIO SILVA
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: IC intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra E, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de 15.000.000$00, acrescida de juros, à taxa legal, desde 24 de Dezembro de 1997 até efectivo pagamento.

Alega, em resumo, que: Por contrato-promessa de 22 de Setembro de 1995, a A. prometeu comprar à Ré e esta prometeu vender-lhe a fracção autónoma, em regime de propriedade horizontal, correspondente ao sexto andar D, que então aquela estava a construir no designado Lote 2, ...., bem como arrecadação e lugar de garagem.

Actualmente a fracção prometida transaccionar constitui a fracção AA da descrição predial nº ..../951228 da 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa.

A escritura pública deveria ser celebrada no prazo máximo de 90 dias, ou seja, até 30 de Janeiro de 1996, em local e hora a designar pela Ré.

O preço da prometida compra e venda foi de 25.000.000$00, por conta da qual a promitente compradora pagou a quantia de 7.500.000$00.

A Ré estava obrigada à obtenção e entrega à A. de uma garantia quinquenal relativamente à qualidade de construção.

A R. constituiu-se em mora, não tendo designado a outorga da escritura até 30 de Janeiro de 1996.

A R. apenas veio a marcar a escritura para 10 de Maio de 1996, pretendendo celebrá-la antes de reparadas diversas deficiências existentes na fracção, sem estar munida da licença de utilização, sem prestar a garantia quinquenal de qualidade e exigindo a outorga de procuração irrevogável pela Autora, a favor da ré, para esta alterar o título de propriedade horizontal.

A A. recusou-se a celebrar a escritura em tais condições e viria a conceder novo prazo de 90 dias à Ré para esta pôr termo à mora e outorgar a escritura, o qual terminava em 17 de Janeiro de 1997.

A Ré não se disponibilizou a outorgar a escritura nas condições acordadas.

A A. notificou judicialmente a Ré, com cominação admonitória, em 06/11/1997, para comparecer no 14º Cartório Notarial de Lisboa em 15/12/1997, para outorga da escritura de compra e venda e para entrega até ao dia 10 /12/97 dos documentos necessários e pertinentes à celebração da escritura.

A R. não procedeu, até 10 de Dezembro de 1997, à entrega dos documentos para a celebração da escritura, nem compareceu no 14ª Notarial da hora marcada para a outorga da escritura.

Em 22/12/1997, a A. notificou (sendo a comunicação nesse sentido recebida em 24/12/97) a Ré de que resolvera o contrato.

A Ré notificou a A. para a celebração da escritura na sua sede no dia 16 de Janeiro de 1998. Contudo, o contrato já se encontrava resolvido desde 24/12/1997.

A falta de licença de utilização e a sua não obtenção pela Ré, antes da outorga da escritura, constitui incumprimento contratual desta, a justificar só por si a restituição do sinal em dobro à A.

Caiu também a Ré em incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa por não ter celebrado o contrato de seguro a que se obrigou.

O incumprimento motivou a que a A. perdesse objectivamente o interesse na prestação.

A Ré contestou e formulou pedido reconvencional, alegando, em resumo, que: .............................

Prosseguindo os autos os seus termos, veio a realizar-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença na qual se julgou a acção procedente por provada e, consequentemente, se condenou a Ré a pagar à Autora a quantia equivalente a 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), acrescida de juros à taxa legal desde a data da propositura da acção e até integral pagamento.

Julgou-se improcedente por não provada a reconvenção, absolvendo-se a autora do respectivo pedido.

Inconformada com esta decisão, dela recorreu a Ré, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: ......................................

...................................

*O objecto dos recursos é definido pelas conclusões de quem recorre ( arts. 684º, nº3 e 690º, nº1 do CPC).

In casu, há que apreciar se: - Os documentos juntos pela Apelada com as suas alegações de direito em 1ª instância devem ser desentranhados do processo; - A Apelada estava obrigada a outorgar a escritura definitiva de compra e venda com a documentação apresentada pela Recorrente e se, ao invés do decidido na sentença, foi ela quem incumpriu o contrato-promessa, havendo, por isso, motivo para a procedência da reconvenção; - Deve, em caso de assistir razão à Apelada, proceder a acção pelo fundamento em que a A. decaiu ( a problemática do seguro quinquenal) e que foi subsidiariamente invocado em sede de ampliação do objecto do recurso.

* IIDeram-se, na douta sentença, por provados os seguintes factos: - Por acordo escrito que denominaram Contrato-Promessa, datado de 22 de Setembro de 1995, a autora prometeu adquirir à ré, e esta prometeu transmitir-lhe, a fracção autónoma em regime de propriedade horizontal correspondente ao sexto andar D, que então estava a construir no designado Lote 2,...., bem como a arrecadação 1.18 situada no piso com a cota 88.00 e o lugar de garagem nº 1.50 situado no piso com a cota 88.00, conforme documento junto a fls. 48 a 54.

- Actualmente, a fracção prometida transaccionar constitui a fracção AA da descrição predial nº ..../951228 da 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, conforme certidão de fls. 55 a 69.

- A escritura pública de compra e venda era para ser celebrada no prazo máximo de noventa dias, após a data referida na cláusula 3ª, da qual consta que o acabamento da construção do prédio estava previsto para 31 de Outubro de 1995, em local e hora a designar pela ré, conforme cláusula 5ª, nº 1, do acordo.

- O preço da transmissão foi de 25.000.000$00 (vinte e cinco milhões de escudos), por conta do qual a autora pagou a quantia de 7.500.000$00 (sete milhões e quinhentos mil escudos).

- Nos termos do mencionado acordo, a fracção seria vendida "livre de quaisquer ónus ou encargos e, de acordo com as especificações técnicas e qualidade dos materiais de que a Promitente Compradora nesta data tomou conhecimento, através do descritivo de especificações técnicas que, como documento anexo se considera parte integrante do presente Contrato".

- Ao acordo foi anexado o descritivo e especificações técnicas, conforme documento de fls. 73 a 84.

- Consta do nº 2.31.1 das especificações técnicas, a obrigação de obtenção pela ré e a entrega à autora de uma "Garantia Quinquenal relativamente à qualidade de construção, nomeadamente no que respeita a estrutura e impermeabilização a cargo de uma Companhia Seguradora de reconhecida idoneidade".

- A promessa da existência para o empreendimento de um seguro de garantia quinquenal foi determinante da vontade de contratar da autora, como repetidamente esta afirmou perante a ré.

- Em Janeiro de 1995, em fase adiantada do empreendimento, foram descobertas galerias subterrâneas no subsolo, o que provocou atrasos em todo o empreendimento.

- A descoberta das galerias obrigou a alterar o projecto inicial, pelo que a ré teve necessidade de obter procurações dos adquirentes para alterar a constituição de propriedade horizontal, por forma a obstar às dificuldades resultantes do elevado número de fracções, nomeadamente a eventuais recusas de algum e no interesse de todos os adquirentes, não sendo previsível, inicialmente, as alterações a introduzir.

- A autora enviou à ré o fax de fls. 137 e 138, datado de 20 de Setembro de 1995, através do qual pediu à ré cópia do projecto da Apólice do Seguro de Garantia Quinquenal.

- A ré respondeu por fax de 21 imediato, do qual consta o seguinte: "não nos é possível enviar, nesta data, cópia da garantia referida, pois esta só será celebrada após a conclusão da obra, e em conformidade com o previsto no novo texto do Código Civil, que regule as garantias dos compradores", conforme documento de fls. 139 e 140.

- A ré não designou a outorga da escritura até 30 de Janeiro de 1996.

- A ré enviou à autora a carta de fls. 85, datada de 22 de Abril de 1996, na qual lhe comunica que marcara a escritura para 10 de Maio de 1996, nos seus escritórios, a partir das 15 horas.

- A ré entregou à autora, em mão, no dia 26 de Abril de 1996, um envelope contendo diversa documentação, destinada aos preparativos formais da respectiva escritura de compra e venda, nomeadamente a outorga de uma procuração irrevogável a favor da ré para esta alterar o título da propriedade horizontal, conforme documentos de fls. 86 a 90.

- Na altura a fracção não dispunha de licença de utilização e a autora não prestara a garantia quinquenal de qualidade.

- A autora enviou à ré carta registada com aviso de recepção, de 29 de Abril de 1996, na qual, refere que ainda não recebera a fracção por falta de reparações ainda não efectuadas, que não constava da documentação destinada aos preparativos formais da escritura entregue pela ré em 26 antecedente, a licença de utilização, que se recusava a outorgar a procuração para alterar a propriedade horizontal e solicitava o envio do Certificado do Seguro de Garantia Quinquenal, conforme documento de fls. 142 a 146.

- Nessa carta, a autora escreve ainda o seguinte: "3.6 - A licença de utilização é, de forma inquestionável, parte fundamental do bem objecto do contrato promessa de compra e venda entre nós celebrado.

"3.9 - Não quero, de forma alguma, ver-me envolvida em situações análogas às de tantos compradores de fracções imobiliárias autónomas que, apesar de terem ingenuamente efectuado as suas escrituras há anos, ainda hoje não dispõem das correspectivas licenças de utilização.

"3.10 - Acresce, como, de resto, V.Exs. bem o sabem, que a utilização plena de uma fracção imobiliária autónoma como esta, antes de emitida a respectiva licença de utilização, constitui contra-ordenação sujeita a coima.

"4.5 - Só a título de exemplo - Que garantias passaria eu a ter de que não seria alterada a utilização de alguma ou algumas fracções, com a inerente degradação da qualidade do local? "4.7 - Mas com igual determinação afirmo a V.Exs. que não é meu propósito criar dificuldade ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT