Acórdão nº 2340/2002-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Fevereiro de 2004 (caso NULL)

Data10 Fevereiro 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

M.... intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra CENTRO NACIONAL DE PENSÕES, pedindo que lhe fosse reconhecido o direito a receber a pensão de sobrevivência, nos termos do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, por inexistência de bens da herança do falecido "M", com quem diz ter vivido em "união de facto" durante cerca de 14 anos.

Alega, em síntese, que: viveu em união de facto desde Maio de 1977 até à data da sua morte, em 6/6/91, com o dito "M", que era beneficiário da Segurança Social, o qual apenas deixou bens de reduzido valor; após a morte daquele não dispõe de qualquer salário ou rendimento para sobreviver; não dispõe de bens ou rendimentos que lhe permitam fazer face às despesas de alimentação vestuário e transportes; suporta mensalmente 30.000$00 em alimentação e 10.000$00 em vestuário, medicamentos e transportes; a mãe, irmãos e filho não lhe podem prestar alimentos.

A Autora pediu ainda a concessão do benefício de apoio judiciário, o qual lhe foi concedido.

O Réu contestou, alegando desconhecer os factos alegados na petição inicial e dizendo que a acção deve ser julgada de acordo com a prova produzida.

Seleccionou-se a matéria de facto assente e a que constitui a base instrutória.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento.

Seguidamente foi proferida a competente sentença, absolvendo-se a ré do pedido "por falta de prova de requisitos essenciais para se declarar reconhecida a qualidade de titular das prestações por morte no âmbito dos regimes da segurança social".

Dela apelou a autora, formulando as seguintes conclusões, em síntese: 1. A recorrente pediu o benefício do apoio judiciário, com dispensa total de preparos e pagamento de custas, alegando não ter meios para custear as despesas do pleito; 2. Tal benefício foi-lhe concedido, uma vez que o tribunal concluiu pela insuficiência económica da requerente; 3. Tal concessão é por si só suficiente para caracterizar a situação de necessidade de alimentos para efeitos de obtenção da pensão; 4. O artigo 8º, nº 1 do DL nº 322/90 de 18 de Outubro não determina em si como pressuposto da atribuição da pensão de sobrevivência que a pessoa que vivia em união de facto não possa obter alimentos das pessoas a que se alude nas al.s a ) a d) do artigo 2009º do Código Civil.

  1. O termo "situação" aí aplicado tem o significado de estado do requerente da pensão de sobrevivência, e esse, nos termos do nº 1 do artigo 2020º do Código Civil, é o de viver há mais de dois anos em condições análogas à dos conjugues, com pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens.

  2. E assim sendo, a remissão que é feita no referido artigo 8º, nº 1 para a disposição do nº 1 do artigo 2020º do Código Civil, é tão só para a 1ª parte deste preceito sendo que a questão de se poder ou não poder obter alimentos das pessoas referidas nas alíneas a) a d) do artigo 2009º do código Civil, nada tem a ver com a situação ou estado do requerente de pensão.

  3. Até porque os conceitos de alimentos e pensão de sobrevivência não são sobreponíveis ou equiparáveis.

  4. O legislador visou, ao tornar extensivo às pessoas que se encontrem numa situação de união de facto o direito à pensões de sobrevivência, criar uma situação de igualdade relativamente aos cônjuges, pelo que, 9. A vingar a tese perfilhada na sentença, estaria criada uma situação de desigualdade, já que não se exige como pressuposto para a atribuição da pensão de sobrevivência a ex-cônjuges que estes não possam obter alimentos dos parentes a que se alude nas als. a) a d) do artigo 2009º do CC.

  5. Desta forma, sempre o preceituado no nº 1 do artigo 8º do DL 322/90, de 18 de Outubro seria inconstitucional por violação do disposto nos artigos 13º, nºs. 1 e 2, 9º al. d) e 63º, nºs. 1 e 3 da CRP.

O apelado pede a confirmação da sentença.

**Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos: No dia 6 de Junho de 1991 faleceu "M" no estado de solteiro - cfr. certidão do assento de óbito de fls. 42 (A).

O dito "M" era beneficiário do R. com o nº 05/097044187 (B).

A A. é solteira - cfr. certidão do assento de nascimento de fls. 10 (C).

A A. e o "M" tiveram um filho, de nome "L", nascido a 21 de Julho de 1977 - cfr. certidão do assento de nascimento de fls. 11 (D).

A A. é filha de J...e de MR.. - cfr. a dita certidão de fls. 10 (E).

Em 22 de Dezembro de 1992 faleceu o pai da A. - cfr. averbamento constante da certidão do assento de nascimento da mãe da A. a fls. 43 (F).

São irmãos da A., ...........- cfr.- certidões dos respectivos assentos de nascimento de fls. 45 a 51 (G).

Em Maio de 1977, a A. mudou-se com todos os seus haveres e pertences para a casa habitada pelo "M", sita no lugar d....., (1º).

Desde essa data passaram a partilhar a mesma cama (2º).

A comer à mesma mesa (3º).

Contribuindo ambos para as despesas domésticas (4º).

Passeando juntos (5º).

Assistindo-se mutuamente na doença (6º).

O que era conhecido de toda a gente (7º).

Tal ligação entre a A. e o "M" durou ininterruptamente desde Maio de 1977 até à data da morte deste (8º).

A A. gasta mensalmente, em alimentação, Esc. 30.000$00 (10º).

E Esc. 10.000$00 em vestuário, medicamentos e transportes (11º).

O DIEITO.

Questões da decidir: 1- Se a autora viveu em "união de facto" com o falecido "M"; 2- Quais os requisitos necessários para a atribuição da pensão de sobrevivência; 3- Se se encontra provada a insuficiência económica da autora para efeitos de obtenção da requerida pensão de sobrevivência (necessidade de alimentos).

4- Se o nº 1 do artigo 8º do DL 322/90, de 18.10, na interpretação que lhe foi dada em 1ª instância (que a requerente tenha que provar que não tem possibilidade de obter os alimentos de que carece, nem do seu cônjuge ou ex-cônjuge, nem dos seus descendentes, ascendentes ou irmãos) é inconstitucional, por violação dos artigos 13º, nºs. 1 e 2, 9º al. d) e 63º, nºs. 1 e 3 da CRP.

IComo estabelece o artº 8º DL 322/90, de 18.10, "O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no nº 1 do artigo 2020º do Código Civil " (1) e, "O processo de prova das situações a que se refere o nº 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto regulamentar" (nº 2).

Portanto, segundo o nº 1 deste artigo, o direito às prestações previstas neste diploma legal é tornado extensivo às pessoas que se encontrem na situação prevista no nº 1 do artigo 2020º do CC (sendo deste diploma as disposições a citar, sem indicação doutra proveniência).

O Decreto Regulamentar referido é o nº 1/94 de 18 de Janeiro que define o regime de acesso às prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstas naquele decreto-lei, por parte das pessoas que se encontram na situação de união de facto.

"Tem direito às referidas prestações a pessoa que, no momento da morte do beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges " (artº 2º do Dec. Reg.).

"A atribuição das prestações às pessoas referidas no artº 2º fica dependente de sentença judicial que lhes reconheça o direito a alimentos da herança do falecido...

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