Acórdão nº 7023/2003-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Dezembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução16 de Dezembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Agravo nº 7023-03-7ª Secção I - A, PLC e B, Ldª por apenso a uma acção declarativa movida contra C instauraram um procedimento cautelar solicitando a apreensão de um veículo automóvel.

Para o efeito alegaram que a 2ª requerente vendeu à requerida um veículo cuja aquisição por esta foi financiada pela 1ª requerente, ficando reservada a favor daquela a propriedade do mesmo. A requerida deixou de efectuar o pagamento das prestações clausuladas no contrato de mútuo, o que, depois de ter sido interpelada a cumprir pela 1ª requerente, levou à declaração de resolução desse contrato.

A providência foi liminarmente indeferida.

Quanto à requerente A foi referido que não foi celebrado com a requerida qualquer contrato de compra e venda em que surja como vendedora, limitando-se esta a invocar a sua qualidade de mutuante. Em segundo lugar, invoca-se a falta de nexo de instrumentalidade relativamente à acção principal, onde a mutuante não pediu a resolução do contrato de compra e venda.

Quanto à requerente B foi invocada a falta de alegação de factos respeitantes à compra e venda e, designadamente, os termos que rodearam a cláusula de reserva de propriedade, além de não ter sido pedida na acção principal a resolução do contrato de compra e venda, mas apenas a resolução do contrato de mútuo.

Agravaram as requerentes e concluíram que: (...) Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Decidindo: 1. As requerentes instauraram contra a requerida uma acção declarativa pedindo a declaração de validade da resolução do contrato de financiamento para aquisição a crédito do veículo automóvel que a requerente B vendeu à requerida, o reconhecimento de que o veículo pertence à requerente B e a condenação da requerida na entrega do mesmo veículo e no pagamento das prestações 36ª (parte) a 60ª e juros de mora. Alegam em tal acção a venda do veículo pela requerente B à requerida, o financiamento da aquisição por parte da requerente A e a reserva de propriedade a favor da requerente B. Mais invocam a falta de pagamento das prestações 36ª (parte) e seguintes, a notificação dirigida pela requerente A à requerida para pôr termo à mora e a posterior notificação de resolução do contrato de financiamento.

Estes mesmos factos sintetizados serviram ainda para justificar a dedução, da providência cautelar específica de apreensão do veículo automóvel, servindo-se as requerentes do teor do "contrato de financiamento para aquisição a crédito", onde se identifica o vendedor do veículo e a respectiva adquirente, indicando-se ainda o montante do financiamento concedido, a taxa de juros e as prestações mensais convencionadas, para além de se referir o seguinte: "reserva de propriedade: o presente contrato é celebrado com reserva de propriedade do veículo a favor do vendedor registado do mesmo, nos termos das cláusulas gerais".

Das condições gerais consta ainda o seguinte: "A. Reserva de propriedade: Nos termos do artigo 409º do CC, a propriedade do veículo é reservada para o vendedor registado, até à data em que todas as prestações referidas no nº 9 das condições particulares hajam sido pagas pelo comprador à D Credit, e o comprador obriga-se a respeitar qualquer actuação do vendedor registado, ainda que no interesse da D Credit, no exercício dos direitos que para aquela derivam da qualidade de titular da reserva de propriedade...".

.../...

"F. Devolução Após a comunicação da rescisão deste contrato ao comprador, este entregará de imediato e independentemente de interpelação o veículo à D Credit, fazendo entrega do mesmo e de toda a respectiva documentação no concessionário D mais próximo".

Por fim assinala-se ainda que a reserva da propriedade do veículo encontra-se registada a favor da requerente B. 2. A interpenetração dos contratos de compra e venda e de mútuo que emerge da existência de um sujeito comum e do especial destino dado à quantia mutuada que passou directamente da mutuante para a esfera da vendedora, é fruto da liberdade contratual e reflecte a busca, pelos agentes económicos envolvidos, de instrumentos que promovam o consumo, facilitando o recurso ao crédito.

Estamos perante uma situação que juridicamente pode qualificar-se como união de contratos [1] funcionalmente ligados e que permitiram os seguintes efeitos conjugados: - À vendedora do veículo automóvel, garantiu o recebimento imediato da totalidade do preço; - À compradora encontrar uma via que, com menos exigências formais, lhe permitiu aceder a crédito destinado ao consumo; - Por fim, à mutuante emprestar dinheiro mediante a previsão do correspectivo reembolso remunerado.

Relativamente aos dois contratos conexionados, a única especificidade que os distingue do regime comum dos contratos de compra e venda e de mútuo é a cláusula de reserva de propriedade a favor da vendedora, assegurando que a propriedade do veículo apenas passaria para a esfera da adquirente depois de paga a totalidade do mútuo.

  1. Em regra, o contrato de compra e venda determina a imediata transferência da propriedade dos bens para o comprador (art. 408º do CC). Concretizada tal transferência do bem e realizada a entrega efectiva ao adquirente, se acaso este deixar de pagar a totalidade ou parte do preço acordado, apenas pode ser exercitado o direito de crédito respectivo, exigindo, se necessário, o cumprimento coercivo da obrigação. Ao invés do que ocorre com a generalidade dos contratos bilaterais, tal incumprimento não gera...

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