Acórdão nº 7693/2003-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARNALDO SILVA
Data da Resolução07 de Outubro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

DECISÃO SUMÁRIA Por a questão a decidir ser simples, nos termos do art.º 705º do Cód. Proc. Civil, decide-se a mesma sumariamente: 1. Por a Câmara Municipal de Cascais ter omitido os seus deveres de vigilância e manutenção dos borrifadores do seu sistema de rega, situados no jardim municipal, junto à estação da C. P., em Cascais, com vista a evitar acidentes aos utentes da via pública, estes, para além de regarem o relvado aí existente, deitaram directamente água para estrada, por onde passavam veículos, e provocaram nela uma enorme acumulação de água, a qual, causou o efeito deslizante e a subsequente perda de aderência dos pneus do Ford Fiesta -- -- -- do agente da PSP F. Fernandes, quando este, no dia 01-09-2001, na Avenida Marginal, no sentido Cascais-Lisboa, a uma velocidade não superior a 50 Km/hora, iniciou a curva para esquerda, que dá para a estação da C. P., entrando repentinamente em despiste para o seu lado direito, galgando o lancil do passeio e indo embater violentamente com a parte da frente num "placard" publicitário e em dois caixotes do lixo aí existentes e, rodopiando com a parte traseira no sentido da estação da C. P., capotou sobre o seu lado esquerdo, tendo sofrido danos cuja reparação orça 750.571$00, e uma reparação estimada em 20 dias, com o prejuízo estimado pela privação do seu uso em 98.000$00, e tendo F. Fernandes sofrido diversos golpes no cotovelo esquerdo e várias escoriações no corpo e na cabeça, que lhe causara intensas dores físicas e, consequentemente, a impossibilidade de dispor e fruir plenamente do seu corpo durante duas semanas, ficando com medo de andar de carro, principalmente quando circula em curvas acentuadas.

Com base nestes fundamentos, veio F. Fernandes, casado, agente da Polícia se Segurança Pública, residente , ---, 4490 Póvoa do Varzim, intentar contra o Município de Cascais acção declarativa comum com forma sumária, que correu termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Cascais com o n.º 234-A/2002, na qual pede que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 1.398.571$00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da interpelação, bem como das custas e despesas de procuradoria condigna, até efectivo pagamento. * 2. Na sua contestação, o Município de Cascais arguiu a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria (cfr. art.º 66º do Cód. Proc. Civil) e pediu a sua absolvição da instância [art.º 494º al. a) e 493º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil], por nos termos do art.º 51º do E.T.A.F. (Dec. Lei n.º 129/84, de 17-04), e art.ºs 1º e 2º do Dec. Lei n.º 48051 de 21-11-1967, serem competentes os Tribunais Administrativos de Círculo para conhecerem das acções de responsabilidade civil extracontratual por prejuízos emergentes de actos de gestão pública.

Após a resposta do autor, na qual se bateu pela improcedência desta excepção dilatória, dizendo que não se está perante um acto de gestão pública, por não se estar, no caso da rega dos espaços verdes, perante um serviço excepcionalmente perigosos (art.º 8º do Dec. Lei n.º 48051 de 21-11-1967), no despacho saneador julgou-se improcedente esta excepção.

*3. Inconformado com esta decisão agravou o réu.

3.1. Nas suas alegações sustenta que é uma pessoa colectiva pública de base territorial, que visa a prossecução de interesses próprios da sua população [art.ºs 56º e 64º, n.º 2 al. f) da Lei n.º 169/99, de 14-09], que a actuação do réu, tal como vem alegada pelo autor, se circunscreve a actos de gestão pública, pois que constitui sua atribuição a administração de bens próprios e sob a sua jurisdição, nomeadamente criar e gerir equipamentos públicos, e que os danos que o autor pretende ver ressarcidos resultaram de um acto ilícito praticado pelo réu, por incumprimento das normas que lhe impõem o dever de remoção de obstáculos e perigos existentes nas vias Municipais e a colocação da sinalização adequada. Cita jurisprudência do Tribunal de Conflitos, do Supremo Tribunal Administrativo, da Relação de Coimbra e do Porto e conclui que, decidindo como decidiu, o douto despacho recorrido violou o art.º 51º, n.º 1 al. h) do E.T.A.F. (Dec. Lei n.º 129/84, de 17-04), e art.ºs 1º e 2º do Dec. Lei n.º 48051 de 21-11-1967, e ainda os art.ºs 66º, 67º, 493º, n.º 2 e 494º do Cód. Proc. Civil.

3.2. Nas suas contra-alegações, o autor bate-se pela improcedência do recurso, repetindo os argumentos supra descritos em 2. 2.º parágrafo.

  1. O Tribunal manteve o despacho recorrido.

  2. Objecto do recurso: A questão essencial a decidir, é a de saber qual é de quem é a competência em razão da matéria: se do Tribunal Judicial Comum, se o Tribunal Administrativo de Círculo.

    Cumpre decidir.

  3. A incompetência absoluta: Há incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria __ excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal por violação das regras da competência em razão da matéria [ art.ºs. 493º, n.ºs 1 e 2; 494º, N.º 1 al. f); 474º, N.º 1 al. b); 101º a 107º e 288º, N 1 al. a) do C.P.C.] __ quando se propõe no tribunal comum uma acção que deveria ser intentada perante certo tribunal especial ou quando se propõe num tribunal especial uma acção que é da competência do tribunal comum, e quando se propõe em certo tribunal especial uma acção que pertence à jurisdição doutro tribunal especial[1]. Para se saber em que tribunal se deve propor a acção, deve-se atender « (...) à matéria da lide, ao facto jurídico de que a acção emerge » e a qual tribunal a lei manda sujeitá-la[2]. Depois ao critério geral de orientação estabelecido no art.º 66º do C.P.C. que, nesta matéria dita: « As causas que não sejam atribuídas por lei a alguma jurisdição especial são da competência do tribunal comum ».

    No caso sub judice a relação jurídica material controvertida tal como a A. a configura é a supra descrita em 1. Com base nesta causa de pedir a A. formula o pedido supra descrito também 1..

    Nos termos do art.º 51º, n.º 1 al. h) do E.T.A.F. compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer « das acções sobre a responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso »[3]. Tanto do Dec. Lei n.º 48051, de 21-11-1967 __ que regula a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas, por danos resultantes de actos de gestão pública __ como os art.ºs 90º e 91º do LAL (Dec. Lei n.º 100/84, de 29-03) __ que regulam a responsabilidade das autarquias locais. E tanto esta como aquela responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas, por danos resultantes de actos de gestão pública deve ser efectuada nos tribunais administrativos __, como também os art.ºs 500º e 501º do Cód. Civil[4] __ que regulam a responsabilidade daquelas mesmas pessoas colectivas pelos danos emergentes de actos de gestão privada. Responsabilidade esta que deve ser efectuada nos tribunais judiciais __ não definem o que são actos gestão pública e gestão privada. Importa, por isso, recorrer à doutrina e à jurisprudência com vista a estabelecer aquela distinção, visto que esta é relevante[5], uma vez que estas estão excluídas da gestão administrativa « ex vi » al. f) do n.º 1 do art.º 4º do E.T.A.F..

    5.1. A doutrina: Para o Marcello Caetano são actos de gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público __ quer utilize ou não os seus poderes de autoridade mediante a prática de actos definitivos e executórios __e actos de gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado. E como o Direito Público que disciplina a actividade da Administração é quase todo composto por leis administrativas, pode dizer-se que reveste a natureza de gestão pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para esse efeito.

    (...) Toda a responsabilidade por actos de gestão pública está intimamente ligada à actividade administrativa, de que é consequência. E, desenvolvendo o seu pensamento quanto aos actos de gestão privada, diz que as decisões e deliberações assim tomadas pelo órgão que tenha actuado como órgão da Administração, que se tenha limitado a exercer a capacidade de direito privado da pessoa colectiva, procedendo como qualquer outra pessoa no uso das faculdades reguladas pelo Direito Civil ou Comercial, é um modo de agir a que pode chamar-se de gestão privada.

    E acrescenta que estas decisões não são actos administrativos, embora sejam actos da Administração: trata-se de meras resoluções que não se diferenciam, no seu regime jurídico, das propostas, das declarações unilaterais de vontade ou das manifestações dos particulares. E adverte que o uso de processos de direito privado não quer dizer que a Administração deixe de gerir interesses colectivos e de realizar portanto uma gestão pública, em certo sentido. E adverte que o facto de em certos actos administrativos se manifestar na sua plenitude a autoridade da Administração, não quer dizer que essa autoridade não seja o fundamento de outros, igualmente regidos pelo direito público, e portanto, pertinentes à gestão pública[6]. E no mesmo sentido ensina o Prof. Freitas do Amaral[7].

    Para o A. Varela[8] são actos de gestão pública os que, visando a satisfação de interesses colectivos, realizam fins específicos do Estado ou outro ente público e assentam sobre o jus auctoritatis da entidade que os pratica. Os actos de gestão privada são, de modo geral, aqueles que, embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou demais pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam para a hipótese de serem praticados por simples pessoas particulares.

    São os actos em que o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como um simples particular, despido do seu poder de soberania.

    Estes actos referem-se, em regra, a...

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