Acórdão nº 1862/2003-6 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Março de 2003 (caso None)

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução27 de Março de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1. CAF - ---, L.

da demandou, na 2ª Vara Cível de Lisboa, HOKOVIT - PRODUKTE FUR TIERERNAHURUNG, H. U. HOFMANN AG. CH - 4922 BUTZBERG, Suiça, pedindo que a ré seja condenada a pagar à autora, a título de indemnização, com fundamento nos artigos 334º, 406º e 483º CC, a importância no montante global de 19.074.250$00, acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.

Alega, para tanto, em síntese, o seguinte: A autora é uma empresa que tem por objecto a representação e comercialização de aditivos para a pecuária, aquacultura e alimentação para animais, sendo a ré uma empresa suíça que tem como actividade a produção, comercialização e exportação de produtos aditivos para animais.

As duas empresas chegaram a um acordo, nos termos discriminados na petição inicial, sendo que, a certa altura, a ré incumpriu o contratualmente estabelecido e retirou à ré, de forma unilateral e contra a sua vontade, a exclusividade da venda, em Portugal, dos seus produtos, causando com esta conduta prejuízos na esfera jurídico - patrimonial da autora.

Em 3/10/2001, a ré foi citada, na Suíça, através de carta registada com aviso de recepção.

Em 9/10/2001, a ré solicitou, em língua inglesa, que a petição e os documentos apensos fossem traduzidos em francês ou inglês, pois que não compreendia o seu teor (fls. 60).

Deferindo tacitamente o requerido, o Exc.

mo Juiz ordenou a notificação da autora para juntar tradução da petição inicial, em francês, a fim de se proceder à citação da ré (fls. 61).

Notificada deste despacho, respondeu a autora, concluindo que não se lhe afigurava «o dever de proceder como o impõe o (..) despacho de fls. 61 dos autos e cujo conteúdo, por não enquadrado em qualquer preceito legal que o fundamente, deve ser revisto e reformado, mantendo-se a já efectuada citação da ré como válida e aproveitando-se todo o tempo decorrido, desde o dia em que tal citação ocorreu até hoje, como tempo, já consumado, do prazo legal para o oferecimento da contestação (fls. 62-64).

No seguimento, o Exc.

mo Juiz ordenou que se notificasse a autora do teor de fls. 60, ou seja, do requerimento da ré atrás referido.

Veio então a autora solicitar o esclarecimento das dúvidas suscitadas com a prolação de tal despacho, concluindo que tal requerimento nunca deveria ter sido admitido, razão por que requeria se ordenasse o seu desentranhamento, «porquanto, face ao seu teor escrito em língua estrangeira, nada mais sabe fazer senão o que fica requerido, permanecendo, no entanto, a autora na dúvida se o despacho em causa teria em mente tal propósito, pelo que, também por este facto, se requer seja o mesmo esclarecido» (fls. 67-69).

Aberta conclusão, em 26/11/2001, foi, nessa data, proferido o seguinte despacho: "Nos termos do artigo 668, b) e 666º, n.º 3 do CPC, reconhece-se a nulidade do despacho de fls. 61, visto que não está judicialmente fundamentado. Notifique.

* A ré foi citada, não apresentou contestação.

Cumpra o disposto no artigo 484º do CPC" Notificado deste despacho o ilustre mandatário da autora, foram então apresentadas alegações de direito (fls. 71 a 81).

De seguida, foi proferido o saneador, (fls. 83-87), tendo-se decidido que este Tribunal era internacionalmente incompetente para apreciar a questão apresentada na petição inicial e, por isso, foi absolvida a ré da instância, sendo certo que tal decisão foi revogada pelo Tribunal da Relação, por considerar o Tribunal competente.

Foi, então, foi proferido saneador - sentença, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente e, consequentemente, foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de 40 274,18 €, acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal.

Inconformada, apelou a ré, finalizando a alegação com as seguintes conclusões: 1ª- O problema jurídico que aqui se equaciona centra-se em torno da questão da citação por via postal de residente no estrangeiro.

2ª- Acto esse de citação que deve ser rodeado de inúmeras cautelas, dado que, através do mesmo, o princípio do contraditório, primordial no âmbito do processo civil, assume relevância prática.

3ª- Deste modo, estando em causa uma citação por via postal a efectuar no estrangeiro, torna-se necessário, sob pena de não cumprimento dos objectivos pretendidos, através do acto da citação, "que o réu tome conhecimento, em língua para ele inteligível, de que foi citado para contestar a acção contra ele intentada.

4ª- A respeito de tal citação, manda o artigo 247º CPC atender, em primeiro lugar, ao que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais, devendo, na sua falta, proceder-se à citação por via postal, em carta registada com aviso de recepção.

5ª- Pelo que é aplicável ao presente caso a Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil ou Comercial, concluída em Haia, em 15 de Novembro de 1965, uma vez que a Suíça está vinculada à mesma.

6ª- Ora, de acordo com tal Convenção, a citação por via postal, sem tradução, que é admitida nos termos do seu artigo 10º, al. a), caso nada tenha sido declarado pelo Estado destinatário, deve constituir uma opção por parte do Estado Requerente, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.

7ª- Isto é, tratando-se de réu residente no estrangeiro, e dado a nossa lei processual não dar qualquer preferência à citação por via postal (artigo 247º, n.º 1 CPC), deve observar-se o estipulado nos tratados e convenções internacionais.

8ª- Sendo certo que, sob o ponto de vista de garantia dos interesses das partes, é preferível a citação através da Autoridade Central do Estado Requerido, abrindo-se a possibilidade de a mesma exigir que o acto seja traduzido na língua oficial do seu país, do que a citação através da via postal desacompanhada da tradução de quaisquer documentos.

9ª- Isto porque repugna ao nosso sistema jurídico - processual o seguimento de processos, sem que o demandado seja efectivamente citado para se poder defender, onde os riscos de concretas injustiças são muito superiores aos que podem surgir no âmbito de uma contenda dominada pela contraditoriedade.

10ª- Pelo que, ponderadas as circunstâncias, deveria a autoridade judiciária do Estado Requerente ter optado pela modalidade de citação através da Autoridade Central do Estado Requerido, nomeadamente devido ao facto de, no presente caso, a autora não ter apresentado, desde logo, a respectiva tradução.

11ª- Todavia, na situação em apreço, a citação foi efectuada por via postal, sem tradução, não obstante serem por demais evidentes os inconvenientes derivados da mesma.

12ª- É que a aqui recorrente, usando de toda a diligência exigível, manifestou a concreta impossibilidade de conhecer do acto, dado o mesmo estar redigido em língua que lhe era desconhecida, solicitando que a citação fosse acompanhada da tradução da petição inicial, em Inglês ou Francês, por forma a possibilitar uma concreta defesa dos seus interesses.

13ª- Assim, e uma vez que os contactos em Portugal eram sempre realizados em Francês, não permitindo um conhecimento da nossa língua, deveria o Exc.

mo Juiz a quo ter optado pela citação em que o Estado Requerido pode exigir a tradução, abrindo desta forma uma possibilidade ao concreto conhecimento do teor do acto, para a qual a recorrente era chamada a defender-se.

14ª- De facto, só assim estariam salvaguardadas as finalidades básicas da citação: informar da propositura da acção e, consequentemente, chamar o interessado a deduzir a sua defesa.

15ª- O que, efectivamente, não sucedeu, em clara violação dos princípios basilares do processo civil, o princípio do contraditório.

16ª- Na verdade, tal como resulta do supra exposto, atentas as circunstâncias do caso concreto, tornava-se necessária a tradução, tanto da petição inicial como dos documentos que a acompanhavam, por forma a permitir uma defesa eficaz por parte da apelante.

17ª- No entanto, a violação do mencionado princípio não se ficou...

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