Acórdão nº 8162/2005-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Outubro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução06 de Outubro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Carlos… intentou acção declarativa com processo sumário contra o Estado português e A… pedindo a condenação dos RR no pagamento da quantia de 5.000.000$00 a título de danos morais e de 3.780.960$00 a título de danos patrimoniais com juros de mora vincendos até integral pagamento por ter sido vítima de acidente de viação causado por carro patrulha da P.S.P.

  1. A acção foi julgada procedente e os RR foram condenados no pedido.

  2. Da decisão interpôs recurso o Estado.

  3. Apresentou as seguintes conclusões: 1- Existe insuficiência de factos para a decisão ora em recurso pois a mesma é omissa quanto às lesões que resultaram directa e necessariamente para o A. em consequência do acidente.

    2- Sem prova de tais lesões não é possível estabelecer o necessário duplo nexo causa entre o acidente e as lesões e entre estas e os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, nos termos do artigo 563º do Código Civil 3- Na ausência de factos sobre que lesões resultaram directa e necessariamente para o A. em resultado do acidente não se pode determinar qual a incapacidade por ele sofrida, se a mesma é temporária ou permanente e qual o respectivo grau e, em consequência, saber se os danos patrimoniais dados como provados são da responsabilidade dos RR.

    4- Deve, pois, a matéria de facto ser ampliada com a formulação de quesitos acerca das lesões que resultaram para o A. em consequência do acidente, anulando-se a decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 712º/4 do C.P.C.

    5- Existe contradição entre as respostas dadas aos quesitos 33º, 35º e 36º pois não se pode considerar que o A. não se encontra curado e vai ainda submeter-se a uma intervenção cirúrgica e depois afirmar-se que o mesmo em resultado do acidente ficou com uma incapacidade permanente de 64% 6- Este vício conduz igualmente à anulação da decisão, nos termos do sobredito artigo 712º/4 do C.P.C.

    7- Não pode o Mmº Juiz dar como provado que o A. em consequência do acidente ficou com uma incapacidade permanente de 64% apenas com fundamento no doc. junto a fls. 23 ignorando-se por completo o exame pericial de fls. 99 que considerou estar o A. afectado de uma incapacidade permanente parcial de apenas 20%.

    8- O mencionado doc. junto a fls. 23 é um atestado médico, emitido pela autoridade de saúde, para efeitos de isenção de tributação do IRS p. no artigo 44º do Decreto-Lei nº 215/89 de 1 de Julho e apenas releva para efeitos fiscais.

    9- Por outro lado, este documento é omisso acerca do carácter temporário ou permanente da incapacidade; dele não resulta se a incapacidade em causa é geral ou para o trabalho e dele não decorre que lesões apresentava o A. para lhe ser atribuída essa incapacidade.

    10- Porque resulta da documentação clínica de fls. 78 a 86 e do próprio exame pericial de fls. 99 que o A. à data do acidente era já portador de outras sequelas, não pode o Mmº Juiz dar como assente que a incapacidade de 64% atribuída ao A. naquele atestado resultou apenas das lesões sofridas em consequência do acidente.

    11- Da mencionada documentação clínica e exame pericial resulta, igualmente, que o A. foi novamente intervencionado em Novembro de 1996 pelo que sendo o atestado médico junto a fls. 23 datado de 3-7-1996 nunca o Mmº Juiz podia dar como assente que a incapacidade nele atribuída ao réu é permanente.

    12- A diferença entre a incapacidade atribuída ao A. no atestado médico da autoridade de saúde e exame pericial elaborado no IML é de 44% pelo que a razão de ser de tão grande discrepância não pode ser encontrada apenas na ausência de enquadramento das lesões na Tabela Nacional de Incapacidades 13- O documento clínico junto a fls. 23 não possui força probatória plena e nos termos do artigo 389º do Código Civil a prova pericial é de livre apreciação, mas daqui não resulta que se possa fazer de forma arbitrária ou discricionária, pelo contrário deve obedecer a critérios de experiência comum e de lógica do homem médio.

    14- Ao abrigo do disposto no artigo 712º/1, alínea a) do CPC deve, assim, considerar-se como provado que o A. em consequência do acidente ficou com uma incapacidade permanente de 20%.

    15- Embora nenhuma das partes dele tenha reclamado, a entender-se que o exame pericial de fls. 99 padece das deficiências apontadas na fundamentação da matéria de facto, a consequência não é ignorar por completo o seu teor, como fez o Mmº Juiz, mas antes lançar mão dos mecanismos estatuídos nos artigos 587º e 589º do CPC e determinar a prestação de esclarecimentos, a comparência dos peritos na audiência e até ordenar uma segunda perícia.

    16- Ao actuar da forma descrito o Mmº Juiz omitiu o poder/dever estatuído no artigo 264º/3 do CPC na redacção anterior à reforma de 1996, o que é sindicável pelo tribunal de recurso.

    17- Em consequência, a decisão recorrida deve ser revogada, anulando-se o julgamento e ordenando-se a realização de nova perícia com vista ao esclarecimento das deficiências apontadas.

    18- Caso se entenda não ser de acolher o entendimento expresso nas conclusões que antecedem sempre se dirá que o montante da indemnização arbitrada é manifestamente excessivo.

    19- Por força do disposto no artigo 563º do Código Civil a obrigação de indemnizar compreende apenas os danos que sejam consequência normal, típica e provável do facto.

    20- Donde, para que seja atribuída quantia a título de danos patrimoniais futuros - lucros cessantes - pela perda da capacidade de ganho, é necessário ter dela resultado a diminuição actual dos proventos profissionais do A. Não tendo sido produzida tal prova, mostra-se arredada a possibilidade de ser atribuída uma indemnização a esse título.

    21- Deve, pois a decisão recorrida ser revogada no segmento em que condenou o ora recorrente a pagar o montante de 5.830.960$00/€ 29.084,71 a título de danos patrimoniais futuros - lucros cessantes - pela perda da capacidade de ganho.

    22- Mas caso assim se não entenda, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre se dirá que a indemnização por danos futuros decorrentes da incapacidade permanente avalisada, deve corresponder a um capital produtor de rendimentos que a vítima irá auferir e que se extinguirá no final do tempo provável da sua vida activa.

    23- Ao valor encontrado haverá sempre que deduzir entre 1/3 e 1/4 para evitar um injustificado enriquecimento à custa alheia do lesado, considerando que ele vai receber de uma só vez aquilo que deveria receber em fracções anuais.

    24- Por outro lado, o recurso a fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação da indemnização com tal natureza, deve ser considerado como mero instrumento de trabalho, havendo que temperar com um juízo de equidade o resultado obtido, nos termos do nº 23 do artigo 566º do CC 25- De qualquer modo, o resultado da utilização da fórmula de cálculo usada na sentença e com referência a uma taxa de juros líquida de 6% dá o valor de 9.189.916$00/€ 45.884,00 e não 30.333.333$00/€ 151.302,03, valor este que apenas se pode ter ficado a dever a um erro de cálculo nas operações respectivas.

    26- Por outro lado, a variável utilizada na fórmula e referente ao número de anos de vida laboral activa tem de ser corrigida, pois tendo o A. nascido a 23-5-1947 e o acidente ocorrido em 5-4-1994, quando faltava pouco mais de um mês para atingir os 47 anos ,deveria ter sido esta a idade a considerar para determinação do número de anos de vida laboral activa que se cifra, assim, em 18 anos e não em 19 como foi considerado na sentença.

    27- Com esta correcção o montante encontrado ascenderia a € 43,859,00 o qual teria de ser reduzido entre 1/4 e 1/3, pelas razões aduzidas na conclusão 23, afigurando-se-nos que tal redução deve ser de 1/4 o que significa que obteríamos um capital de € 29.239,33.

    28- Haveria, de seguida, por recurso á equidade, de proceder à fixação do quantum indemnizatório.

    Não tendo resultado provado que a incapacidade do A. seja uma incapacidade para o trabalho, visto que apenas se deu como provado tratar-se de uma incapacidade permanente, não se tendo apurado se a mesma é apenas geral ou igualmente profissional nem que da mesma decorra a diminuição dos seus proventos profissionais, atendendo ainda à sua idade à data do acidente e ao número de anos que faltavam para atingir o fim da vida activa, afigura-se-nos que essa indemnização deverá ser fixada no montante que por ele fora peticionada a este título, ou seja, em € 14.963,94.

    29 No que tange aos danos não patrimoniais dispõe o nº3 do artigo 496º do CC que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º. Por seu turno, este normativo estatui que quando a responsabilidade se fundar em mera culpa, poderá a indemnização ser fixada em montante inferior ao que corresponde aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

    30- Ora, no caso vertente, o acidente não ficou a dever-se a qualquer conduta dolosa do condutor do veículo do Estado, mas apenas a mera culpa. Por outro lado quer o A. quer o condutor do veículo dispõem de condição económica que se situa no patamar da média das pessoas em Portugal.

    31- Considerando as lesões sofridas pelo A. a sua idade, a sua condição social e económica e a actividade profissional o mesmo não viu reduzida, de forma significativa, a sua qualidade de vida. Assim, e atentos os critérios jurisprudenciais correntes em situações análogas, a verba arbitrada a título de danos patrimoniais deve ser reduzida para 1.700.000$00/€ 8479,56.

    32 A decisão recorrida violou o disposto no artigo 264º,nº3 do CPC - na redacção anterior à reforma de 1996 -com referência aos...

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