Acórdão nº 3121/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Junho de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução06 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº1.117/99.8JALRA, da 1ª Secção, da 5ª Vara Criminal de Lisboa, foram julgados, Jorge … e Joaquim …, pronunciados por co-autoria de crime de desvio de subsídio (art.37, nºs1 e 3, do Dec. Lei nº28/94, de 20-1) e demandados civilmente, pelo Ministério Público, em representação do Estado e pelo Centro de Formação Profissional da Indústria de Calçado (cada um deles pedindo o pagamento da quantia de €71.127,18, acrescida de juros vencidos e vincendos).

O Tribunal, após julgamento, decidiu por acórdão de 27Jan.06, além do mais: "....

Absolver o arguido JOAQUIM …, da prática do crime de desvio de subsídio que lhe era imputado, bem como, dos pedidos de indemnização civil que contra si foram formulados.

Condenar o arguido JORGE …, pela prática, autoria material e na forma consumada, de um crime de desvio de subsídio, p.p., pelo Artº 37 nsº1 e 3 do D.L. 23/84 de 20/01 na pena de 100 ( cem ) dias de multa à taxa diária de 50 (cinquenta) euros.

Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado nos autos pelo Centro de Formação Profissional da Indústria de Calçado no que toca ao arguido Jorge … e em consequência, condená-lo a pagar àquele a quantia de € 71.127,18 (Esc.14.259.720$00), acrescido dos respectivos juros vencidos e vincendos, desde 22/05/97 até efectivo e integral pagamento.

Julgar improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo M.P. em representação do Estado Português e em consequência, absolver o arguido Jorge … do mesmo.

...." 2. Desta decisão recorre o arguido, Jorge …, tendo apresentado motivações, das quais extraiu as seguintes conclusões (transcrição): 2.1 O ponto de facto que se considera incorrectamente julgado, o que se refere para os efeitos do art.412, n°3, a) do C.P.P., é o que consta do segmento acima referido e que de novo se transcreve: "O arguido Jorge …, ao contrair um empréstimo junto do Finibanco - do qual infra se fará referência - admitiu como possível lesar os fins para os quais foi estabelecido o regime de subsídios à formação e conformou-se com essa possibilidade, na medida em que permitiu que a quantia de Esc.14.259.720$00 (€ 71.127,18), fosse utilizada em outros fins que não a formação, e portanto em fins diferentes daqueles a que se destinavam. Agiu o arguido Jorge… de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a quantia utilizada era consideravelmente elevada e com consciência do carácter proibido do seu comportamento." (cfr. fIs. 7 do acórdão).

2.2 Tal núcleo fáctico não pode ser dado como assente em face do reconhecimento do próprio Tribunal de que, quanto à quantia de 12.330.331$30, tal verba foi retirada da conta da TR pelo Finibanco, sem que se demonstre que tenha havido autorização do Recorrente para o efeito, e de que, quanto ao restante, as verbas recebidas foram sempre utilizadas para o pagamento de despesas elegíveis, tudo devidamente conjugado com a demais prova documental produzida, particularmente de fIs.358, e depoimentos das testemunhas supra referidas no nº11, cuja gravação consta dos suportes técnicos ai mencionados.

2.3 Não tem o Tribunal elementos de prova para poder estabelecer a proposição em que se consubstancia o segmento de facto ora impugnado.

A sua proposição corresponde a uma errónea valoração da prova produzida, resolvendo a dúvida evidenciada contra o arguido, o que corresponde à violação do princípio in dubio pro reo.

2.4 Tendo vindo a ser sustentado nalguma jurisprudência que o tribunal de recurso só pode apreciar a matéria de facto na circunstância de ter ocorrido erro notório ou erro manifesto, o que se fundaria no art.127, do C.P.P., pretende o ora Recorrente desde já deixar arguida a inconstitucionalidade de tal interpretação normativa, por violação do direito ao recurso e do princípio da presunção da inocência (cfr. art. 32° n° 1 e 2 da CRP).

2.5 Reavaliada a matéria de facto nos termos acima expostos, não pode subsistir qualquer dúvida quanto à circunstância de não ter havido actuação dolosa por parte do ora Recorrente relativamente à quantia de 12.300.331$30, que lhe foi sacada pelo Finibanco, sendo certo que esse segmento de facto é determinante para o preenchimento do tipo subjectivo do crime em apreço.

2.6 Quanto à diferença daquilo que não foi pago à TR e lhe seria devido (14.259.720$00- 12.300.331$30= 1.959.389$00), também não está preenchido o tipo legal do crime porque é o próprio Tribunal a reconhecer que, com excepção daquela quantia de 12.330.331$30, o restante foi utilizado para pagamento de quantias elegíveis.

2.7 Aliás, mesmo que assim não fosse relativamente a essa parte sobrante de 1.959.389$00, o certo é que, estando só em causa tal montante, estaria extinta por prescrição a responsabilidade penal respectiva, nos termos do artigo 37, nº1 do D-L nº24/84, de 20 de Janeiro, devidamente conjugado com os arts.118° nº1 alínea c), 119° nº1 e 121°. nº3 do C.P.

2.8 O segmento de facto acima referido na conclusão A) foi determinante para que, no acórdão recorrido, se tenha considerado preenchido o tipo legal do crime dos autos, mas, não constando tal núcleo fáctico nem da acusação nem da pronúncia, não poderia ser considerado para o efeito da condenação do arguido, nos termos dos arts.358, 359 e 379 nº1 alínea b) do C.P.P., o que gera a nulidade do acórdão, sob pena de violação do princípio do acusatório e do contraditório (sendo inconstitucional interpretação normativa efectuada no sentido de admitir tal alteração).

2.9 Finalmente, também não se aceita a condenação do ora Recorrente no pedido indemnizatório. Primeiro, porque, inexistindo ilícito criminal por parte do Recorrente, não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade civil assente na mesma factualidade, da qual só pode ser responsabilizada a firma TR - …, LDA.

2.10 Segundo, porque, estando dado como assente que, com excepção da quantia de 12.300.331$30, todas as outras importâncias recebidas foram utilizadas para pagamento de rubricas elegíveis, nunca haveria fundamento para condenar o Recorrente acima daquele montante, por não haver crime de desvio de subsidio pela verba excedentária.

2.11 Terceiro, porque estando assente que o custo real das acções fora no montante de 104.667.001$00, dos quais a TR só recebeu a quantia de 100.710.018$00 (cfr. fls.5 e 6 do acórdão recorrido), também não há desvio de fundos pela diferença entre aquelas verbas, que não foi recebida, cujo montante sempre deveria ser subtraído à verba em que se condena o ora Recorrente, abatendo no pedido formulado.

  1. Admitido o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o Ministério Público respondeu, concluindo (transcrição): 3.1 O vício de erro na apreciação da prova invocado pelo recorrente não passa de mera discordância entre aquilo que o colectivo deu como provado, e aquilo que o recorrente entende não ter resultado da prova produzida, o que é irrelevante, pois contraria o princípio da livre apreciação da prova ínsito no art.127, do CPP, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e decide segundo a convicção que sobre as mesmas haja alcançado, e de acordo com as regras da experiência comum.

    3.2 O facto de no acórdão recorrido se ter dado como provado que o recorrente contraiu um empréstimo bancário para fazer face às dificuldades económicas da sua empresa, e que o Banco aquando do recebimento da terceira tranche do subsídio sacou da conta da sua empresa uma parte dessa tranche para pagamento do referido empréstimo (factos alegados pelo recorrente na sua contestação) e se ter condenado o recorrente não a título de dolo directo, mas a título de dolo eventual, por se ter considerado que o recorrente ao contrair esse empréstimo admitiu como possível que isso pudesse vir a acontecer e se conformou com essa possibilidade, não configura qualquer alteração substancial ou não da acusação, para os efeitos dos arts.358° e 359° do CPP, pois tais factos considerados provados representam apenas um "minus" em termos de imputação subjectiva, só com efeitos na determinação da pena, não constituindo factos novos introduzidos na acusação.

    3.3 Tendo ficado provado que o Centro de Formação Profissional ficou lesado civilmente em consequência da actuação do recorrente, não poderia este deixar de ter sido, como foi, condenado no pedido de indemnização formulado pelo mesmo.

    3.4 Não foi violada qualquer disposição legal.

    3.5 Deve pois ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido Jorge … e confirmado inteiramente o douto acórdão recorrido.

  2. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora Geral Adjunta apôs o seu visto.

  3. Colhidos os vistos legais, realizou-se audiência.

  4. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, é o seguinte: a) Nulidade do acórdão; b) Impugnação da matéria de facto; c) Qualificação jurídica dos factos; d) Pedido de indemnização;* * *IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor (transcrição): Provou-se o seguinte : A sociedade por quotas TR - …, foi constituída por escritura lavrada em 11/01/95, com sede na Zona Industrial de Tomar e tinha por objecto a produção de calçado e comercialização, quer a nível interno, quer a nível externo.

    Os arguidos Jorge … e Joaquim … foram sócios e gerentes da sociedade, da qual foram igualmente sócios, João … e José ….

    Para a aprovação do projecto de constituição da TR - …, Lda, existiu a obrigatoriedade de, previamente, se fazer um projecto de formação profissional, a apresentar e aprovar pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional.

    O IAPMEI fez depender a aprovação da constituição de uma fábrica de calçado em Tomar desse projecto, por considerar que Tomar não era uma zona com tradição na indústria do calçado.

    O arguido Jorge … teve assim conhecimento que o Estado Português, através da OSS e a União Europeia através do FSE, financiavam, a fundo perdido...

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