Acórdão nº 4336/2005-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Junho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução02 de Junho de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

W… propôs acção executiva para pagamento de quantia certa contra Abel… e Maria… para deles haver a quantia de 5.035.174$00, valor de livrança subscrita pelos executados, vencida no dia 13-11-2000.

  1. Os embargados, porém, deduziram embargos à execução considerando que o negócio subjacente à aludida livrança (mútuo destinado a financiar a aquisição pelos embargantes de um veículo automóvel) era nulo por inobservância da forma legal (escritura pública: artigo 1143º do CC); de nulidade também padece o referido contrato de crédito ao consumo por dele não constar a completa descrição do bem, a identificação do fornecedor, o preço a contado, o valor total das prestações, a data de vencimento das prestações, a data do início do contrato e a data do respectivo termo (ver artigo 6º/3 do DL 359/91, de 21 de Setembro).

  2. De outra nulidade padece o contrato visto que não foi entregue aos embargantes no momento em que foi assinado (ver artigo 6º/1 do DL 359/91); as cláusulas insertas sob a epígrafe "condições gerais" contrariam o disposto no artigo 8º, alíneas c) e d) do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro e, por tal via, o contrato passa a ficar ferido com a falta dos requisitos exigidos pela alíneas e) e f) do nº 2 do artigo 6º do DL 359/91.

  3. Insurgem-se ainda quanto ao montante em dívida visto que a quantia mutuada foi apenas de 5.000.000$00 e até 13-11-2000 pagaram prestações que, no conjunto, perfazem 1.614.063$00.

  4. No que respeita à forma, argumentam agora os embargantes, as regras que prevalecem são as do Decreto-Lei nº 359/91 que exigem mera redução a escrito do contrato.

  5. Quanto à inobservância do disposto no artigo 6º/3 entendem que tal previsão se dirige tão somente aos agentes económicos que, sem poder conceder crédito a título profissional, o podem fazer relativamente aos bens que são objecto da sua actividade.

  6. Salientam ainda que o veículo está identificado, que o fornecedor era do inteiro conhecimento dos embargantes e que a razão de ser dessa indicação se prende apenas com a necessidade de evitar um financiamento pessoal aos embargantes, actividade defesa à embargada; o preço a contado é inaplicável ao presente contrato em que o pagamento é realizado em prestações; o valor total das prestações está indicado.

  7. Incorrem os embargantes em abuso do direito pretendendo valer-se da omissão de indicação do número, montante e data de vencimento das prestações, eles que durante 11 meses pagaram as prestações sem que alguma objecção tivessem suscitado; pela mesma razão incorrem em abuso do direito quando se pretendem prevalecer da circunstância de não lhes ter sido entregue um exemplar do contrato no momento da assinatura.

  8. Quanto às cláusulas constantes das "condições gerais" basta uma atitude minimamente atenta para alcançar o conteúdo do contrato em causa e tomar conhecimento de que no documento existem cláusulas contratuais escritas de forma clara, salientadas por epígrafes em tom mais escuro, possibilitando a fácil identificação de cada uma delas.

  9. E finalmente quanto à quantia em dívida: no dia 2-11-2000 os embargantes deviam 880.398$00 de prestações vencidas, 32.758$00 de juros sobre as prestações vencidas e não pagas, 3710.042$00 referentes a capital em dívida e 411.967$00 referentes a despesas de contencioso.

  10. Remete-se para a matéria de facto (artigo 713º/6 do C.P.C.).

  11. Os embargos foram julgados procedentes por se ter considerado, na decisão proferida, que, muito embora o contrato fosse um contrato entre ausentes, o que inviabiliza as assinaturas naquele momento, no entanto a entrega do exemplar do contrato ao consumidor deveria ter sido efectuada no momento em que ele assinou; ora provou-se que o contrato foi assinado primeiro pelos mutuários e só depois foi enviado pelo fornecedor à embargada tendo sido enviada uma cópia aos embargantes depois da assinatura da embargada. Houve, pois, desrespeito da prescrição legal a que se refere o artigo 6º/1 do DL 359/91 que gera nulidade do contrato.

  12. Nas suas alegações de recurso a embargada salienta que se é certo que no momento em que os embargantes/apelados assinaram o contrato dos autos não lhes foi entregue um exemplar do mesmo, tal exemplar foi entregue posteriormente por cópia simples; a precisão constante do artigo 6º/1 vale na sua plenitude no caso de contrato celebrado entre presentes, não entre ausentes, pois , aquando da assinatura pelos embargantes, não existia sequer contrato, pois faltava a assinatura da entidade financeira. E se tal entrega visa garantir o período de reflexão, a verdade é que os embargantes, apesar de terem ficado com uma minuta do contrato, nunca solicitaram qualquer esclarecimento.

  13. Considera ainda a embargada que a invocação por parte dos embargantes da não entrega de um exemplar do contrato de mútuo dos autos, quando teve acesso a uma minuta do contrato, e depois de ter pago ainda 11 prestações que somente deixou de pagar porque viu o veículo apreendido durante três meses, constitui abuso do direito (artigo 334º do CC).

    Apreciando: 15.

    Podemos considerar assente nos presentes autos que a exequente mutuou aos embargantes a quantia de 5.000.000$00.

  14. Essa quantia e respectivos juros remuneratórios seriam pagos em 48 prestações mensais de 146.733$00.

  15. Os mutuários pagaram 11 prestações e depois não pagaram mais nenhuma.

  16. Daí o preenchimento da livrança que os mutuários subscreveram em branco pela quantia em dívida correspondente ao somatório das seguintes parcelas (880.398$00, prestações vencidas e não pagas, 32.758$00, juros sobre as prestações vencidas, 3.710.042$00, valor de capital em dívida, 411.976$00 de despesas de contencioso.

  17. Verifica-se que o exemplar do contrato não foi entregue ao consumidor no momento da respectiva assinatura e sendo este o momento em que o consumidor se vincula a aludida disposição não foi observada (artigo 6º/1 do DL 359/91).

  18. De igual modo também o contrato de crédito ao consumo não identificou o fornecedor do bem ou serviço, tal como não consignou o valor total das prestações, a data de vencimento das prestações: foram, portanto, inobservadas as alíneas b), d) e e) do artigo 6º/3 do DL 359/91.

  19. O contrato é, pois, nulo e a inobservância de tais requisitos presume-se...

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