Acórdão nº 4748/2006-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Junho de 2006 (caso NULL)
Data | 01 Junho 2006 |
Órgão | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam em Conferência na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1.1. O assistente A. veio requerer a abertura de instrução por não se conformar com o teor do despacho de arquivamento do M.P. que não imputou aos arguidos a prática de um crime de burla qualificada previsto e punido pelos art°s. 217° n°.l e 218° n°.2 a) do CP e de um crime de associação criminosa previsto e punido pelos art°s. 299° CP.
1.2. Realizou-se o debate instrutório com observância do formalismo legal, tendo o Ministério Público e a defesa dos arguidos pugnado pela não pronúncia dos mesmos e o mandatário do assistente em sentido contrário, por existência de indícios.
1.3. A questão dos autos é a de saber se os crimes indiciados estarão prescritos ou não, tendo sido a ocorrência da prescrição que levou o MºPº a proferir despacho de arquivamento com o qual o assistente não concorda.
1.4. Foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos, porquanto considerou o tribunal recorrido o seguinte.
"O resultado típico do crime de burla é o empobrecimento do sujeito passivo, através do comportamento astucioso do arguido, sendo que com ele que o crime se consuma.
O momento da consumação do crime é, portanto, aquele em que o lesado abra mão da coisa ou do valor sem que a partir daí se possa controlar o seu destino, então já sem disponibilidade sobre esse património, como é entendimento jurisprudência 1 -BNU 354, 314; 396, 250 e CJ I; 96, 211.
A consumação da burla operar-se-á, segundo o art°. 217° n°. 1 CP pela entrega indevida que foi determinada pelos meios fraudulentos, qualquer que seja o destino que o agente dê aos objectos entregues.
No que diz respeito ao crime de associação criminosa estamos em presença de um crime de natureza permanente.
Neste tipo de crime o prazo de prescrição só corre desde o dia em que cessar a consumação - art°. 119° n°.2 a) CP. A actividade criminosa teve em vista as burlas estas terminaram 24/4/1994. Mesmo que haja dúvidas este prazo de contagem prevalece por ser mais favorável aos arguidos.
A prescrição do procedimento criminal tem definições legais muito concretas, quer quanto ao seu termo inicial, quer quando cessa ou se interrompe em nome da certeza e segurança do direito.
Pelo exposto, podemos concluir que os crimes de associação criminosa e de burla qualificada indiciado nos autos se consumaram em 24/4/1994 quando o assistente entregou o cheque de Esc.5.890.000S00 ao arguido B. e o crime de burla simples se consumou em 29/11/1995.
Não ocorreu nenhuma causa de interrupção ou suspensão da prescrição, pelo que foi declarado prescrito o procedimento criminal".
1.5. Inconformado com o despacho de não pronúncia dos arguidos, interpôs recurso o assistente, que motivou, concluindo nos seguintes termos Os crimes de burla qualificada e de associação criminosa não se consumaram na data em que o ora recorrente entregou os cheques referidos no art° 17° da queixa; A consumação do crime de burla não deriva, apenas, do resultado consistente na saída dos bens ou valores da esfera de disponibilidade fáctica do legítimo titular, exigindo-se a verificação de um efectivo prejuízo patrimonial do burlado ou de terceiro que só é possível de detectar quando a vítima deixa de ter a expectativa inicial de urna contrapartida futura e, em virtude disso, se apercebe de que foi enganada; No momento em que a vítima entrega ao agente os valores que consubstanciam o seu investimento, o enriquecimento que opera na esfera jurídica do agente e o empobrecimento respectivo que ocorre na esfera da vítima poderão não ser passíveis de ser, desde logo, classificados como enriquecimento ilegítimo e prejuízo patrimonial; É que a vítima só tem prejuízo patrimonial, numa situação como a dos presentes autos, não quando entrega o dinheiro para ser investido mas antes quando não recebe os lucros desse investimento; Os arguidos, mercê de vários expedientes, conseguiram manter o ora Recorrente - e o seu advogado, Dr. C., igualmente vítima dos crimes cometidos pelos arguidos - enganado e convencido da bondade e honestidade da sua actuação durante vários anos, acordando sucessivamente novas formas e prazos de pagamento, o que ocorreu desde a entrega do primeiro dinheiro, em 24/4/94, passando pelo "Acordo de encontro de contas", em 7/10/94, pela entrega de cheques mensais, entre Abril de 1995 e Janeiro de 1996, que nunca tiveram provisão, e por nova entrega de dinheiro pelo Recorrente, em 29/11/95 (cheque de 400.000$00), só terminando em meados de 1998, com o súbito desaparecimento dos arguidos após a morte repentina do Dr. Alexandre Gouveia, que até aí, mantendo-se também enganado pelos arguidos, constituíra mais um forte factor de convencimento do Recorrente em aceitar as sucessivas justificações dos arguidos; A assinatura do "Acordo de Encontro de Contas" em 7/10/94, surge como mais um elemento - e fundamental - do esquema fraudulento montado e executado em proveito da associação criminosa pelos arguidos, do qual a entrega dos cheques no valor de 5.890.000$00 / 29.379,20€ cada pelo Recorrente e demais "investidores" constituiu apenas outro elemento, não se podendo considerar o crime de burla consumado com esse acto; Também a entrega, em 29/11/95, de mais 400.000$00 pelo Recorrente aos arguidos constituiu outro elemento da burla em que caiu, tratando-se de outro acto enquadrado no referido esquema fraudulento engendrado pelos arguidos para "sacar" todo o dinheiro possível ao Recorrente; O Recorrente "emprestou" este dinheiro porque os arguidos, actuando de forma concertada, o convenceram de que o mesmo era indispensável para assegurar o correcto investimento da primeira quantia que entregara, sob pena de se perder o respectivo controlo, risco que, evidentemente, o Recorrente não queria correr; E o pedido deste dinheiro não foi feito de repente, antes obedeceu a uma longa preparação com o intuito de garantir que o Recorrente continuaria enganado e entregaria o dinheiro sem problemas; Apenas dependente de pequenos pormenores, conseguindo, assim, leva-lo a acordar nestas sucessivas alterações e adiamentos do acordo celebrado; Com o mesmo intuito, o arguido B. conseguiu aproximar-se mais do Recorrente, tornando-se uma pessoa da sua confiança pessoal para, assim, ganhar maior ascendente sobre ele e...
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