Acórdão nº 0481/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelBRANDÃO DE PINHO
Data da Resolução27 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1 – A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, na parte em que decidiu não reconhecer os créditos, por si reclamados, respeitantes a IRS, relativo ao ano de 2005, e de IRC, relativo ao ano de 2006, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: A - Os créditos de IRS e de IRC relativos aos três últimos anos, gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora, nos termos do estatuído no artigo 111.º do CIRS e no artigo 108.º do CIRC; B - Para aqueles normativos relevam os anos a que respeitam os rendimentos que justificaram a liquidação do imposto e não o momento em que foram postos a cobrança; C - Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art. 733.º do Código Civil); D - A circunstância do privilégio creditório geral ser uma mera preferência de pagamento não implica o afastamento do crédito da reclamação e graduação no lugar que lhe competir; E - Pois que, ainda que os privilégios creditórios gerais não constituam garantias reais, mas meras preferências de pagamento, o seu regime é o das garantias reais, para o efeito de justificar a intervenção no concurso de credores.” (cf. Salvador da Costa, O Concurso de Credores”, 3. Edição, Almedina, 2005, pág. 388); F - Motivo porque de harmonia com entendimento jurisprudencial largamente majoritário do STA “O artigo 240.º do CPPT deve ser interpretado amplamente no sentido de abranger não apenas os credores que gozam de garantia real stricto sensu mas também aqueles a que a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, nomeadamente, privilégios creditórios.” (cf. A título de exemplo o Acórdão do STA de 18-05-2005, recurso n.º 0612/04); G - Ao não admitir os créditos de IRS e IRC, reclamados pela Fazenda Pública, a douta sentença ora recorrida incorreu em erro de direito na interpretação e aplicação das normas constantes nos art.ºs 240º, n.º 1 e 246º, ambos do CPPT, art. 111.º do CIRS e art. 108.º do CIRC.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento judicial, requer-se a V. Exas. que o presente recurso seja julgado PROCEDENTE por provado, revogando a douta sentença recorrida, substituindo-a por sentença que admita e gradue os créditos de IRS e IRC reclamados no lugar que lhes competir, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos: Subscrevemos o entendimento da Recorrente, relativamente às questões suscitadas no recurso.

Com efeito, tendo por base o teor dos artigos 111.º do CIRS e 108.º do CIRC e presumindo-se que o Legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento, não é possível outra interpretação que não seja a de que aqueles privilégios creditórios não abrangem o imposto relativo ao mesmo ano a que respeita a penhora, apenas deles beneficiando os impostos relativos aos três anos anteriores.

Tendo a penhora sido efectuada em 2008, beneficiam daquele privilégio os créditos relativos ao IRS de 2005 e ao IRC de 2006, porque relevam para o efeito os anos a que respeitam os rendimentos que justificaram a liquidação do imposto e não o momento em que foram postos a cobrança.

No que respeita à segunda questão, o objecto do recurso passa, essencialmente, pela interpretação a dar ao artigo 240º, n.º 1 do CPPT. Trata-se de uma querela antiga a que a jurisprudência, largamente maioritária, deste STA, já deu resposta, entendendo dever ser feita uma interpretação em sentido amplo, de modo a terem-se por abrangidos na letra da lei não apenas os credores que gozam de garantia real, mas também aqueles a que a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, designadamente os privilégios creditórios. Entre outros argumentos, fundamenta este entendimento, a unidade do sistema jurídico, porque não faria sentido que a lei substantiva estabelecesse uma prioridade no pagamento do crédito e a lei adjectiva obstasse à concretização da preferência, impedindo o credor privilegiado de acorrer ao concurso de credores.

Deste modo, no caso sub judicio, nada obsta à reclamação e graduação dos créditos reclamados pela Fazenda Pública, apesar dos privilégios àqueles associados não constituírem uma garantia real.

A jurisprudência contrária — acórdãos do STA de 16/06/2004, recurso n.º 442/04 e de 07/07/2004, recurso n.º 612/04, acabou por ser contrariada por acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, ao julgar recursos por oposição de acórdãos (acórdãos de 13/04/2005 e de 18/05/2005, respectivamente). Pese embora a brilhante argumentação desenvolvida naqueles arestos e o notável discurso jurídico do seu Relator, em anotação ao artigo 240.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, II volume, 5.ª edição, fls. 496 e seguintes, a corrente jurisprudencial deste Supremo Tribunal jamais inflectiu.

CONCLUSÃO É nosso parecer merecer provimento o recurso.

2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto: 1. A Fazenda Pública instaurou em 19/11/2001, contra o executado B……, Lda., o processo de execução fiscal nº 2208-01/102430.2 do Serviço de Finanças de Palmela tendo por objecto dívidas de Contribuição Autárquica de 2000, no montante de € 71746 e de que os presentes autos de verificação e graduação de créditos constituem apenso (cfr, cópia certificada do processo de execução fiscal junto aos autos); 2. Ao processo de execução fiscal identificado no ponto anterior foram apensos os processos de execução fiscal n.ºs 2205200301529390, 2208200301007467, 2208200201080679, 2208200401049585, 2205200401066595, 2208200501024396 e 2208200601015664 referentes a Contribuição Autárquica de 2002, 1999, 2001, 2000, e Contribuição Especial ficando a dívida a valer por € 27.840,44 (cfr. doc. junto a fls. 55 dos auto e cópia do processo executivo junto aos autos); 3. Em 17/04/2006, foi celebrado entre a executada e o A…, SA, um contrato Mútuo no montante de € 187.500,00, com hipoteca incidindo esta sobre a fracção autónoma designada pela letra A, correspondente, ao rés-do-chão esquerdo destinada exclusivamente à habitação, do prédio urbano construído em propriedade horizontal, designado por lote 54, sito na Urbanização …, freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número 3439 da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7881, com valor patrimonial de € 71.290,00 (cfr. doc. juntos a fls. 9 a 20 dos autos): 4. Em 17/05/2006, foi registada hipoteca a favor do A…, SA., incidente sobre o imóvel melhor identificado em 3), penhorado no processo de execução de que os autos constituem apenso, com vista à garantia da quantia de € 187.500,00, referente a capital, à taxa de juro anual de 5,50%, acrescido em 4% em caso de mora, despesas no montante de € 7500,00 e com montante máximo de € 248.437,50 (cfr. fls. 25 dos autos, cujo teor aqui que se dá por integralmente reproduzido): 5. Em 26/05/2008, no âmbito do citado processo de execução fiscal, e para pagamento das dívidas nele refendas, foi efectuada a penhora da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente, ao rés-do-chão esquerdo destinada exclusivamente à habitação, do prédio urbano construído em propriedade horizontal, designado por lote 54, sito na Urbanização …, freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número 3439 da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7881, com valor patrimonial de € 71.290,00, a qual foi registada a favor da Fazenda Nacional em 12/06/2008, para garantia da quantia de € 27.840,44 (cfr. fls. 25 e 56 a 59 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 6. Em 2005 foi inscrito para cobrança o IRS referente ao exercício de 2005 (cfr. doc. junto a fls, não numeradas da cópia do processo executivo junto aos autos); 7. Em 2007 foi inscrito para cobrança o IMI referente à fracção penhorada do exercício de 2006, no montante de € 334,73 (cfr. doc. junto a fls. 35 dos autos); 8. Em 2008 foi inscrito para cobrança o IRC referente ao exercício de 2006 no montante de € 1.494,84 (cfr. doc. junto a fls. não numeradas da cópia do processo executivo junto aos autos); 9. A executada é devedora à Fazenda Pública dos créditos exequendos e reclamados; 10. A executada é devedora ao A…, SA. da quantia reclamada; 3 – A única questão que vem controvertida no presente recurso consiste em saber se os créditos de IRS e IRC reclamados pela FP, relativos aos anos de 2005 e 2006, respectivamente, devem ou não ser reconhecidos e graduados.

A sentença recorrida não reconheceu e graduou os referidos créditos, por ter entendido que os privilégios imobiliários gerais previsto nos arts. 111º do CIRS e 108.º do CIRC não constituem garantias reais.

Por sua vez, a recorrente, apoiando-se na jurisprudência deste STA, entende que o art. 240º, nº 1 do CPPT deve ser “interpretado amplamente no sentido de abranger não apenas os credores que gozam de garantia real stricto sensu mas também aqueles a que a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, nomeadamente, privilégios creditórios.” Esta questão foi já amplamente apreciada e decidida por este STA no sentido defendido pela recorrente FP, jurisprudência essa que vamos aqui seguir, já que não vemos motivo para a alterar e para, assim, obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do CC).

A propósito, escreve-se no recente Acórdão desta Secção do STA de 13/5/09, in rec. nº 169/09, que “o legislador fiscal determinou a...

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