Acórdão nº 5308/07.1TVLSB.L1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelGONÇALO SILVEIRA
Data da Resolução28 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I-Face ao entendimento de que o contrato de seguro, como um tipo de contrato aleatório, bilateral e sinalagmático por via do qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer verificando-se um sinistro (o risco previsto pelas partes no contrato), o segurador fica obrigado a realizar a prestação a que se obrigou através do contrato de seguro, caso o tomador tenha cumprido com a sua obrigação de pagar o prémio.

II-A verdadeira função do instituto do enriquecimento sem causa não é o requisito de prova do montante do empobrecimento à custa de outrem, mas a de reprimir o enriquecimento injustificado e não o de compensar os danos sofridos.

III-Assim, dentro do entendimento o requisito do empobrecimento em termos genéricos apenas pode ser definido como a imputação do enriquecimento à esfera de outra pessoa, sendo essa imputação que justifica que alguém tenha de restituir o enriquecimento que se gerou no seu património.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça: 1-Relatório AA – Especialidades Farmacêuticas, Lda., intentou acção com processo ordinário contra Companhia de Seguros BB, S.A.

, pedindo que esta fosse condenada no pagamento da quantia de € 14.278,00, acrescida dos juros vencidos que somam, à data, € 1.071,91, bem como dos vincendos até integral pagamento.

Alegou, para tanto, que celebrou com a ré um contrato de seguro relativo a condomínio e que ocorreu um incêndio no condomínio na sequência de um curto-circuito, tendo ficado afectada parte da coluna eléctrica do prédio, sendo que por determinação técnica, teve de proceder-se à substituição integral da coluna danificada importando os gastos no valor de € 14.278,00 que a ré se recusa a pagar.

Em contestação a ré, impugnou o valor da reparação e sustentou que a reparação da coluna foi suportada por um terceiro que não a autora pelo que nada tem a pagar e que pagou parte do montante referente à reparação da coluna no valor de € 3.200,00, tendo a autora dado quitação, não lhe cabendo, por isso efectuar o pagamento da totalidade do preço da reparação/substituição da coluna, porquanto só tem que repor a situação que existia antes da ocorrência do sinistro.

Houve réplica onde a autora manteve o peticionado e alegou ser falso que tenha dado qualquer quitação à ré relativa à reparação da totalidade dos danos reclamados.

Elaborados o despacho saneador e a base instrutória procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 11.078,00, acrescida dos juros de mora, desde 3/5/2007, à taxa de 4%, até integral pagamento.

Inconformada a ré apelou para o Tribunal da Relação e aí por acórdão se julgou a apelação procedente, revogando-se a sentença.

Deste acórdão veio a A. interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, onde formula as seguintes conclusões que delimitam o objecto do recurso: Efectuada a análise circunstanciada e pormenorizada da decisão ora recorrida nos termos supra descritos, entende a Recorrente que a mesma padece de vícios, que se reconduzem ao erro de interpretação ou aplicação da lei substantiva e ao erro de determinação de norma aplicável (art. 721°, n." 2 do CPC anterior à alteração legislativa aprovada pelo Decreto Lei 226/2008 de 20 de Novembro).

A- ERRO DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI SUBSTANTIVA 1.A decisão recorrida não procedeu ao enquadramento legal e doutrinal do contrato de seguro dos autos, nem aplicou devidamente a lei substantiva ao caso em apreço.

  1. O contrato de seguro é um tipo de contrato aleatório por via do qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer (Pedro Romano Martinez, Direito dos Seguros - apontamentos, 2006, Principia, pág. 51).

  2. O contrato de seguro é um contrato bilateral e sinalagmático, de onde resulta que, com a verificação do sinistro (o risco previsto pelas partes no contrato), o segurador fica obrigado a realizar a prestação a que se obrigou através do contrato de seguro, caso o tomador tenha cumprido com a sua obrigação de pagar o prémio.

  3. A decisão recorrida não põe em causa a existência da obrigação contratual da ré de suportar os danos resultantes do sinistro verificado, obrigação esta perfeitamente consolidada nos autos.

  4. Mas entende a decisão recorrida que, como não foi a autora que suportou inicialmente a reparação dos danos, mas sim a sua gerente, então a ré já não tem de cumprir com a sua obrigação contratual de suportar a reparação dos danos.

  5. Daqui resultará que a ré se vê exonerada do cumprimento de uma obrigação contratual, que por si foi livre e voluntariamente assumida, por via da ocorrência de um facto -pagamento adiantado pela gerente da autora - perfeitamente alheio à relação contratual estabelecida entre a autora e ré.

  6. Ora, tendo ficado demonstrado nos autos: a)Que entre autora e ré foi celebrado um contrato de seguro segundo o qual a ré se obrigou, mediante o recebimento de um prémio, a suportar o risco de verificação de determinados sinistros no imóvel segurado, liquidando os sinistros que viessem a ocorrer; b)Que a autora pagou à ré os prémios de seguro acordados; c)Que em Dezembro de 2006 se verificou um incêndio no imóvel segurado; d)Que o contrato de seguro se encontrava vigente à data da verificação do incêndio e cobria, entre outros, o risco de incêndio; e e)Que deste incêndio resultaram prejuízos para a autora (designadamente, danificação das colunas de gás e electricidade do imóvel segurado); 8.Não existirá fundamento legal para se afastar a lei e regulamentação contratual aplicáveis e se considerar que a ré não está obrigada a suportar os custos da verificação destes danos e a pagar a respectiva reparação.

  7. Isto é, não existirá fundamento legal para se admitir que, tendo ocorrido a finalidade do contrato e estando concretizado o sinistro previsto no contrato, uma das partes - a seguradora - se exima de cumprir com a sua parte no contrato com fundamento num facto perfeitamente alheio à relação contratual e que com ele em nada contende.

  8. Se a autora transferiu o risco de incêndio que sobre si recaía para a esfera da ré e se o objectivo do contrato se cumpriu, é a ré que tem de suportar a reparação dos danos.

  9. A reparação dos danos verificados foi, transitoriamente, assumida pela gerente da autora, apenas e só porque a autora não tinha capacidade económico financeira para fazer face a despesa tão avultada.

  10. A reparação das colunas de gás e electricidade do imóvel eram, como será do conhecimento público e notório, reparações urgentes, uma vez que no imóvel segurado residem pessoas que, sendo alheias ao contrato de seguro em apreço nos autos, não podem viver sem gás e sem electricidade por tempo indefinido e à espera que uma seguradora assuma as obrigações contratuais a que se vinculou.

  11. Não podia a decisão recorrida deixar de ter como plausível que a autora esperaria receber a indemnização que lhe é devida por parte da ré para ressarcir a sua gerente em conformidade, até porque foi isso mesmo que sucedeu com os demais danos decorrentes do mesmo sinistro que a ré efectivamente veio a suportar (reparação da coluna do gás).

  12. O pagamento inicial da reparação pela gerente da autora não pode exonerar a Ré do cumprimento das suas obrigações contratuais, até porque tal exoneração não tem sustentação legal nem contratual.

  13. A decisão recorrida padece, pois, de erros de interpretação e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT