Acórdão nº 01S4206 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Fevereiro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório A, intentou, em 28 de Junho de 2000, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B, L.da, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe: (i) 945000 escudos a título de indemnização por despedimento ilícito; (ii) 3150000 escudos a título de remunerações vencidas, sem prejuízo das vincendas até à data da sentença; e (iii) 2756250 escudos a título de retribuições de férias e de subsídios de férias e de Natal, desde Fevereiro de 1998 até Maio de 2000, acrescidos dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 7%, desde a data da cessação do contrato até integral pagamento

Para tanto, aduziu, em síntese: (i) ter sido admitida ao serviço da ré (sociedade comercial cujo objecto consiste na prestação de serviços de tradução para várias entidades sediadas em Portugal e no estrangeiro) em Fevereiro de 1998, para trabalhar sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, como tradutora de alemão; (ii) a actividade da autora, desde a data da admissão, foi desenvolvida sem interrupção ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo; (iii) o horário de trabalho, apesar de não fixo, era, no mínimo, de 5 horas por dia de 2.ª-feira a 6.ª-feira, tendo a ré, desde o início, imposto à autora que traduzisse cerca de 300 linhas por dia, imposição que, no ano de 2000, passou a ser de 500 linhas por dia para textos breves e 300 linhas por dia para textos descritivos; (iv) o local de trabalho da autora sempre foi nas instalações da ré, que era quem fornecia o material de trabalho (computador, impressora, telefones, secretária, etc.); (v) a ré distribuía periodicamente mapas de trabalho a executar pelos tradutores ao seu serviço, determinava prazos imperativos para entrega das traduções e fixava a utilização de terminologia obrigatória a adoptar nas mesmas; (vi) a autora sempre foi remunerada à hora (2650 escudos/hora), apesar de auferir a respectiva retribuição mensalmente, sendo a média recebida nos últimos 12 meses de trabalho de 315000 escudos, da qual a autora dependia inteiramente, em termos económicos; (vii) por imposição da ré, o contrato de trabalho que celebraram estava como que oculto sob a capa de um contrato de prestação de serviços, devendo a autora emitir "recibos verdes" para receber a sua remuneração; (viii) em 8 de Maio de 2000, a autora recebeu da ré uma carta comunicando-lhe a rescisão do contrato com efeitos imediatos; (ix) tal configura um despedimento ilícito, sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar

Realizada, infrutiferamente, audiência de partes (fls. 60), a ré contestou (fls. 65 a 74), sustentando que o contrato celebrado com a autora foi um contrato de prestação de serviços, mediante o qual a autora prestava a uma empresa alemã, com autonomia, trabalhos de tradução de software dessa empresa. Mais alega que foi a autora quem deixou de aparecer para efectuar as traduções, sem nada dizer, o que consubstanciaria um abandono do trabalho, no caso de se entender que entre as partes existia uma relação de trabalho subordinado

Realizou-se audiência de julgamento, no final da qual foi decidida a matéria de facto (fls. 193 a 200), sem reclamações, após o que, em 17 de Janeiro de 2001, foi proferida a sentença de fls. 202 a 213, que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido, por se entender não ter a autora logrado demonstrar que entre as partes havia sido celebrado um contrato de trabalho subordinado

Contra esta sentença apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas, por acórdão de 3 de Outubro de 2001 (fls. 272 a 286), foi negado provimento ao recurso

Ainda inconformada, interpôs a autora para este Supremo Tribunal de Justiça o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 290 a 304) com a formulação das seguintes conclusões: "1) Durante quase dois anos a recorrente prestou a sua actividade para a recorrida em regime de exclusividade; 2) O trabalho de tradução efectuado pela recorrente era pago mensalmente, com base num valor fixo à hora; 3) A recorrida fornecia à recorrente sugestões de tradução e exigia que determinados termos fossem traduzidos de determinada forma, por ela indicada; 4) A recorrida estabeleceu um índice de produtividade mínima que a recorrente deveria alcançar, com base numa média de 8 horas de trabalho por dia; 5) A recorrente estava obrigada a anotar, numa folha de horas, o número de horas de trabalho realizado em cada dia, devendo descontar pausas superiores a 15 minutos de manhã e 15 minutos de tarde; 6) A recorrente efectuava a tradução nas instalações da recorrida, utilizando terminais de computador, mesas e cadeiras a ela pertencentes; 7) As traduções eram efectuadas nas instalações da recorrida; 8) A partir de 15 de Novembro de 1999 a recorrida passou a ter as instalações abertas das 8h às 19h, de 2.ª a 6.ª feira, devendo os tradutores gerir o seu tempo de trabalho dentro desse horário; 9) Em 27 de Abril de 2000 a recorrida disse aos tradutores que, a partir dessa altura, cada tradutor não podia efectuar mais do que quatro horas de trabalho por dia; 10) Durante dois anos a recorrente dependeu, em termos económicos, da recorrida; 11) Nas circulares cujo conteúdo se encontra assente, a recorrida sugeriu que sempre que a recorrente e os outros tradutores faltassem avisassem com antecedência; exigiu que os tradutores entregassem as chaves das instalações da empresa; determinou que fossem descontados nas horas de trabalho intervalos para café superiores a 15 minutos e recomendou que fossem evitadas conversas e telefonemas alargados durante o período de trabalho; 12) Por fim, a actividade prestada foi consideravelmente duradoura; 13) Atento o exposto, os factos dados como provados no caso sub judice e supra enunciados subsumem-se integralmente nos critérios indiciadores da existência de um contrato de trabalho unanimemente utilizados pela doutrina e pela jurisprudência; 14) A recorrente, tradutora de alemão, não tinha, pois, liberdade de organizar, conforme mais lhe fosse conveniente, o modo e tempo de realização das traduções; 15) Existia, pois, poder de direcção e dever de obediência caracterizadores de uma relação de índole laboral, citando-se a este respeito, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Outubro de 1992, documento n.º SJ199210210034514, de 23 de Fevereiro de 1994, documento n.º SJ199402230038724, de 17 de Fevereiro de 1994, documento n.º SJ199402170038204, de 6 de Março de 1991, documento n.º SJ199103060025854, de 2 de Outubro de 1991, documento n.º SJ199110020028144, de 3 de Novembro de 1988, documento n.º SJ198811030019614, e de 5 de Dezembro de 1990, documento n.º SJ199012050029104, todos disponíveis via Internet, em www.dgsi.pt; 16) Por tudo o exposto se conclui, ao contrário do acórdão recorrido, que o factualismo apurado permite concluir que entre a recorrente e a recorrida existiu um verdadeiro vínculo de trabalho subordinado, nos termos que vêm definidos no artigo 1.º da Lei do Contrato Individual de Trabalho e de acordo com a interpretação doutrinal e jurisprudencialmente dada a este preceito; 17) Tendo desta forma a recorrente logrado fazer prova dos factos constitutivos do direito que alegou, nos termos do preceituado no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil; 18) Desta forma, são devidos os créditos laborais reclamados nos autos a título de subsídios que, atenta a matéria de facto provada, não foram pagos; 19) Bem assim como a indemnização por despedimento ilícito, dada a inexistência prévia de processo disciplinar." A ré, ora recorrida, contra-alegou (fls. 308 e 309), propugnando o improvimento do recurso e a confirmação do acórdão recorrido

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu parecer (fls. 319 a 322) no sentido da negação da revista, que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir

  1. Matéria de facto O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto, com interesse para a decisão da causa: 1) A ré é uma...

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