Acórdão nº 02A1943 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2002

Magistrado ResponsávelRIBEIRO COELHO
Data da Resolução04 de Julho de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No 8º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Porto foi proposta por A contra B - COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, S. A. e COMPANHIA DE SEGUROS "C", S. A. uma acção declarativa em que pediu a condenação da primeira ré a entregar-lhe o veículo CB e a pagar-lhe a quantia de 710340 escudos, acrescida de juros de mora à taxa anual de 15% sobre 643718 escudos desde 30/9/95 até integral pagamento, e da segunda ré a pagar-lhe 933306 escudos, com juros de mora à mesma taxa desde 2/12/94 até integral pagamento, para o que se fundou no não cumprimento, pela primeira ré, de um contrato de locação financeira por ela celebrado com a autora a respeito daquele veículo e no não cumprimento, pela segunda, de um contrato de seguro-caução directa que garantia o cumprimento daquele contrato. Depois da contestada a acção - a B pediu a sua absolvição da instância por haver nulidade de todo o processo decorrente de ineptidão da petição inicial e, se esta excepção improcedesse, a sua absolvição do pedido, assim como a condenação da autora como litigante de má fé e a condenação da sua co-ré a pagar à autora as rendas vencidas e vincendas e respectivos juros de mora, devendo improceder o pedido de entrega do veículo; e a C, que também requereu o chamamento à autoria de D, a quem a B cedera o veículo através de contrato de aluguer de longa duração, pediu a sua absolvição da instância por haver nulidade de todo o processo decorrente de ineptidão da petição inicial e por haver coligação ilegal passiva e pediu também a sua absolvição do pedido e reconveio, para a hipótese de assim se não decidir, para obter a condenação da autora a pagar-lhe indemnização que se liquidasse em execução de sentença em montante equivalente, no mínimo, àquele em que vier a responder por força da apólice -, houve despacho saneador em que, julgando-se improcedentes as excepções de nulidade de todo o processo e de coligação ilegal e não se admitindo a reconvenção, se afirmou a inexistência de obstáculos à apreciação do mérito da acção, do qual logo se conheceu, decidindo-se: - condenar a B a entregar à autora aquele veículo; - condenar ambas as rés a pagarem à autora o montante de 933306 escudos, com o limite de 533882 escudos quanto à primeira, com juros de mora sobre o montante de cada uma das rendas (155551 escudos) desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento; - absolver as rés do mais que era pedido. Ambas as rés apelaram, vindo os seus recursos a ser julgados por acórdão do Tribunal da Relação do Porto que os teve como improcedentes. Ainda insatisfeitas, ambas as rés recorreram de revista para este STJ. A B, dizendo terem sido violados os arts. 334º, 398º, 405º, 406º e 805º do CC, 426º e 427º do CCom e 668º, al. b), c), d) e e) do CPC, e ainda o DL nº 183/88, de 24/5, com as alterações introduzidas pelo DL nº 127/91, de 22/3, pede a sua absolvição do pedido, oferecendo conclusões em que defende o seguinte: I- O seguro-caução directa à primeira interpelação versado nestes autos é uma garantia autónoma automática à primeira interpelação, e não uma fiança; II- Por ele a B transferiu para a C a sua responsabilidade civil contratual resultante do seu incumprimento do contrato de locação financeira; III- Ocorrendo este, a recorrida não poderia fazer mais do que accionar a garantia por via extrajudicial ou judicial contra a seguradora, não havendo nunca lugar à condenação da B; IV- E, cumprida a garantia, a autora ficaria ressarcida, não havendo lugar à restituição do veículo, a qual envolveria enriquecimento sem causa por parte da autora; V- Esta restituição envolveria, também, abuso de direito por a autora ter feito a B confiar na celebração futura de um contrato de ALD, assim impedindo a sua restituição. A C pede a sua absolvição da instância, por haver nulidade de todo o processo emergente de ineptidão da petição inicial e também ilegal coligação das rés, ou, a não se entender assim, do pedido. Formula conclusões em que, dizendo terem sido violados os arts. 280º, 286º e 801º, nº 2 do CC, 30º, 193º, 288º, 487º, 493º, 494º, 495º, 660º e 784º do CPC, 426º do CCom, 2º do DL nº 171/79, de 6/6, e 8º do DL nº 183/88, de 24/5, defende, em síntese, o seguinte: 1. Não pode o obrigado principal ser accionado para satisfação do interesse contratual negativo e o garante sê-lo para satisfação do interesse contratual positivo, tendo o acórdão recorrido violado o art. 801º, nº 2 do CC; 2. Foram cumulados pedidos substancialmente incompatíveis, o que determina ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo; 3. Sendo as rés accionadas com base em causas de pedir distintas e com vista a pedidos entre os quais não há relação de dependência, há coligação passiva ilegal; 4. O contrato de locação financeira é nulo por contrariedade à lei, visto ter por objecto, não um bem de equipamento, mas um bem de consumo; 5. O sinistro acautelado pelo seguro de caução é o incumprimento do contrato de aluguer de longa duração, e não do contrato de locação financeira, sendo que quanto àquele não foi alegada qualquer falta de cumprimento das obrigações inerentes. A C respondeu no recurso da sua co-ré, defendendo a sua improcedência. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. É prioritário o conhecimento das questões que envolvem uma tomada de posição sobre a possibilidade de apreciação do mérito da causa, ou seja, sobre as excepções dilatórias por cuja procedência se bate a recorrente C. I - Da ineptidão da petição inicial: Sustenta a C que a petição inicial padece deste vício por se cumularem nela pedidos substancialmente incompatíveis, visto que, perante uma situação de não cumprimento perante a credora, esta demanda uma das devedoras com base na resolução do contrato de onde emergiram as obrigações e procurando satisfazer o interesse contratual negativo mas formula, quanto à outra, um pedido que corresponde ao interesse contratual positivo. Uma vez que a acção foi proposta em 10/11/95, o regime processual aplicável será o decorrente do CPC - diploma do qual serão as normas que de seguida formos referindo sem outra advertência - na formulação anterior à recente reforma processual de 1995/96. A al. c) do nº 2 do seu art. 193º considerava a cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis como causa de ineptidão da petição inicial. Não se definia aí em que consistia esta incompatibilidade substancial, sendo de considerar que a mesma tem lugar quando as pretensões se excluem reciprocamente, significando a sua dedução simultânea afirmações contraditórias de "querer" e de "não querer" que põem o julgador em situação de dúvida insuperável sobre aquilo que o autor pretende efectivamente. Embora nada se diga, no dispositivo citado, quanto ao destinatário dos pedidos que estejam nessas condições, a situação é clarificada, mais adiante, no art. 470º do mesmo diploma, quando aí se prevê e regulamenta a possibilidade de dedução de pedidos cumulativos contra o mesmo réu, só para esta hipótese se prevendo a existência de obstáculos à mesma. Saliente-se que a incompatibilidade substancial apenas surge como obstáculo quando a lei prevê a cumulação de pedidos contra o mesmo réu, ao passo que, ao regular-se a formulação de pedidos contra mais do que um réu demandados em coligação passiva, já se não extrai qualquer consequência de uma eventual incompatibilidade substancial - cfr. os arts. 30º e 31º do mesmo diploma. O que se compreende, já que, podendo, embora, as diferentes pretensões não ter a virtude da coerência, essa circunstância não impede o julgador de as apreciar e até fazer preceder contra os demandados, uma vez que ambos os comandos serão exequíveis simultaneamente. Por isso, havendo, como há, demanda de dois réus em coligação, a questão da incompatibilidade substancial dos pedidos formulados apenas será de enquadrar à luz do art. 193º no tocante aos pedidos que contra cada um deles - no caso, a B - forem formulados cumulativamente. Mas, nessa perspectiva, nenhum obstáculo foi levantado, nem se vê que exista. Assim, a petição não é inepta. II- Da coligação passiva ilegal: Esquematicamente, a petição inicial é estruturada pela seguinte forma. A A, dando como não cumprido pela locatária B o contrato de locação financeira, declarou-o resolvido e pediu, judicialmente, a condenação desta a entregar-lhe o veículo locado e a pagar-lhe as rendas vencidas entre 15/11/94 e 15/5/95 e a indemnização estipulada para caso de resolução por incumprimento, tudo de acordo com aquele contrato. E, enquanto beneficiária de um seguro de caução subscrito pela B, sua tomadora, junto da C, e que, na versão defendida na petição, garantia o risco de incumprimento daquele contrato de locação financeira e cobria as respectivas rendas vencidas e vincendas, pediu a condenação desta seguradora a pagar-lhe o montante das rendas vencidas entre 15/11/94 e 15/2/96. A demanda conjunta de ambas as rés foi pela A justificada por a responsabilidade daquelas, não sendo coincidente, emergir dos mesmos factos jurídicos, sendo fundada...

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