Acórdão nº 02A2882 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGARCIA MARQUES
Data da Resolução26 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I"A", entretanto incorporado, por fusão, na A' intentou no Tribunal Judicial do Círculo de Braga, acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B e mulher C (primeiros Réus) e contra D e mulher E (segundos Réus), pedindo que fosse julgada procedente a impugnação pauliana da escritura referenciada no artº 8º da petição inicial, sendo, em consequência, os 2ºs RR. condenados a restituir aos 1ºs RR. o imóvel identificado no referido artº 8º, na medida do interesse do Autor, podendo este executá-lo no património dos obrigados à restituição. Em síntese, o A. alegou: (a) ser credor dos 1ºs RR. da quantia de Esc. 5.921.756$00, referente a capital, juros e imposto de selo, em virtude de ser portador de uma livrança subscrita por F , avalizada pelos referidos RR., livrança essa que, apresentada a pagamento no vencimento, não foi paga; (b) por escritura pública de 17-05-94, os 1ºs RR. alienaram aos 2ºs RR. um prédio urbano, sito em Ferreiros, Amares, aquisição apenas levada a registo predial cerca de dois anos depois; (c) os RR. colaboraram entre si com o objectivo de sonegar o direito dos credores dos 1ºs RR. relativamente ao ressarcimento dos seus créditos. Os RR. contestaram no mesmo articulado, por excepção e impugnação. Por excepção, invocando a existência de caso julgado entre a presente acção e uns autos de arresto requeridos pelo Autor contra os 1ºs RR., que foram objecto de embargos de terceiro pelos 2ºs RR., e que o ora Autor não contestou, em consequência do que foi reconhecido que os 2ºs RR. eram donos do prédio identificado no artº 8º da petição inicial. Por impugnação alegaram em suma: (a) que o prédio sempre foi propriedade dos 2ºs RR. e que a transferência da titularidade do prédio para os 1ºs RR. não foi verdadeiramente querida pelos outorgantes da respectiva escritura, nem existiu pagamento de preço, tendo apenas consistido numa forma de os 2ºs RR. obterem um empréstimo bancário que, formalmente, ficou em nome dos 1ºs RR, seus genro e filha; (b) que, ultrapassado esse problema, o prédio voltou à titularidade dos 2ºs RR; (c) além de que, ao tempo dos autos, os 1ºs RR. possuíam diversos bens não necessitando de invocar como sendo deles aquilo que nunca lhes pertenceu. Houve réplica em resposta à excepção, pugnando pela sua improcedência. Na audiência preliminar conheceu-se da excepção de caso julgado, tendo a mesma sido considerada procedente no despacho saneador (fls. 66 a 71), com absolvição dos RR. da instância. Inconformado, o autor agravou, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de fls. 99 a 103, revogado o despacho e ordenado a continuação dos termos do processo. Organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, instruídos os autos, registada a acção - como se vê pela inscrição F3, de 03-10-2001, de fls. 137/138 -, procedeu-se a julgamento, com resposta aos quesitos conforme fls. 154/157, sem reclamação. A final, e com data de 15-10-01, foi proferida sentença que julgou procedente a acção de impugnação da escritura referenciada no artº 8º da petição inicial e al. E) da matéria de facto assente e, em consequência, condenou os 2ºs RR. a restituir ao património dos 1ºs RR. o imóvel identificado, na medida do interesse do Autor, podendo este executá-lo no património dos obrigados à restituição - fls. 159-164. Inconformados, apelaram os RR., tendo a Relação do Porto, por acórdão de 11-03-2002, revogado a sentença e absolvido os RR. do pedido. Agora, por sua vez, inconformada, é a vez de a A' (na qual o A foi incorporado) vir recorrer de revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões: 1. Devem ser consideradas como não escritas as respostas aos quesitos 19º e 20º, atento o preceituado nos arts. 659º, nº 3, e 645º, nº 4 (1) , do CPC, em virtude de, demonstrando o negócio simulado, assentarem em mera prova testemunhal, arguida pelos próprios RR. simuladores; 2. Deve ser considerada válida e ser atendida pelo Tribunal a resposta dada ao quesito 4º, já que a mesma não encerra uma conclusão, mas sim um conhecimento de facto de um dos requisitos de que depende a procedência da acção pauliana, ou seja, que o acto foi realizado dolosamente com o fim de impedir ou agravar a impossibilidade de satisfação do crédito pelo credor - als. a) e b) do art. 610º do Código Civil. Sem prescindir, 3. A resposta ao quesito 11º encerra uma conclusão - a de ser o prédio "possuído" pelos 2ºs RR. - e não matéria de facto - circunstância que colide com a resposta ao quesito 3º no qual se deu como provado que, tal qual os 2ºs RR., também "Os 1ºs RR. sempre residiram no imóvel identificado" - constituindo este um facto concreto que traduz uma situação objectiva de posse; 4. Ou seja, in casu, não foi tido em consideração o facto de também os 1ºs RR. sempre terem residido no referido imóvel - mencionada resposta ao quesito 3º - e se é certo que o "animus" de posse se presume, então a presunção também beneficiaria os 1ºs RR. devedores - artº 1252º, nº 2, do C. C.; 5. Deste modo, considerando-se não provada a posse pelos 2ºs RR. ou, pelo menos, não resultando dos autos provados factos de que a mesma posse fosse exercida apenas pelos 2ºs, que não pelos 1ºs, afastada fica automaticamente a argumentação invocada pelo Tribunal recorrido; 6. Para além disso, e ainda atinente à pretensa posse dos 2ºs RR., ficou ainda provado que "Nunca ninguém pôs em causa ou sequer em dúvida que os 2ºs RR. sempre foram os donos do prédio referido" - quesito 22º - em contradição inequívoca com a resposta dada ao quesito 2º - sempre manteve o Banco a convicção da existência do prédio em questão na titularidade dos 1ºs RR"; 7. Ou seja, pelo menos o Autor, terceiro interessado, estava convicto de que eram os 1ºs e não os 2ºs RR. os proprietários; 8. Deste modo, se os actos de posse praticados pelos 2ºs RR. tivessem sido demonstrados, tal posse não tinha qualquer valor, porque dos factos provados não resulta a publicidade, o que constitui elemento essencial para que à posse se atribua qualquer relevo jurídico - arts. 1262º e 1297º do C.C.; 9. A assim não se entender, o douto acórdão recorrido inutilizaria e esvaziaria o conteúdo da norma do artº 243º do C.C. que, no seu nº 1, estabelece que "a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiros de boa-fé"; 10. Com efeito, é manifesto que o simulador que aliena sempre se mantém na posse efectiva do prédio alienado, ainda que a detenção seja feita pelo pseudo adquirente, que detém precariamente em nome daquele que, por conseguinte, continua a possuir; 11. No entanto, como a simulação nunca é oponível ao terceiro de boa-fé, tem o Autor direito a que também se tenha como assente que a posse foi efectivamente transmitida aos 1ºs RR., por força do disposto no nº 1 do artº 1263º do C.C.; 12. Decorrendo que, com a escritura mencionada na resposta ao quesito 18º - os 2ºs RR. transferiram não só a propriedade, como também a posse daquele prédio, até porque in casu, também os 1ºs RR. se mantiveram no imóvel após a aquisição; 13. Verificados estão, pois, nos presentes autos, todos os requisitos previstos nos arts. 610º e segs. do C. C. para a procedência da impugnação pauliana, declarando-se a ineficácia do acto impugnado com relação à Autora; 14. Por último, caso se entendesse, por força da decisão do Ilustre Tribunal da Relação, como não escrita a resposta ao quesito 4º - "Todos os RR. sabiam, à data da escritura referida em E), que sonegavam o direito dos credores dos 1ºs RR. ao ressarcimento dos seus créditos" - e se considerar ser esta essencial à procedência da impugnação pauliana, sempre se teria de concluir que a venda dos 1ºs RR. aos 2ºs é nula, na medida em que sempre seria uma venda "a non domino", nulidade esta do conhecimento oficioso e assim a ser declarada pelo Tribunal; 15. O douto acórdão recorrido fez menos correcta interpretação e aplicação da lei, violou, entre outras, as normas previstas nos arts. 659º, nº 3, e 645º, nº 4, do CPC, e arts. 243º, 1252º, nº 2, 1262º, 1263º, 1297º e 610º do C.C. Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, por forma a ser revogado o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto e substituído por outro que julgue a acção totalmente procedente. Contra-alegando (fls 271 a 273), os Recorridos pugnam pela manutenção do julgado. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. IIFoi a seguinte a matéria de facto dada como provada em 1ª instância: - O Banco Autor é portador de uma livrança, subscrita a seu favor por "F", no montante de 5.222.664$00, datada de 3/12/93 e com vencimento em 30/4/96 - (A). - A referida livrança encontrava-se avalizada por B e mulher C (B), aval esse prestado juntamente com G - (C). - Apresentada a pagamento na data do seu vencimento, não foi a livrança em causa paga por qualquer dos seus obrigados cambiários, encontrando-se nessa situação até ao presente - (D). - Por escritura pública de 17/5/94, outorgada no 1º Cartório Notarial de Braga, os 1ºs RR. declararam vender aos 2ºs RR. um prédio urbano, composto de uma morada de casas para habitação, de rés-do-chão e um andar, com uma dependência anexa...

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