Acórdão nº 02A3269 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Novembro de 2002

Magistrado ResponsávelAZEVEDO RAMOS
Data da Resolução19 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : "A" e mulher B instauraram a presente acção ordinária contra o réu Banco C, S.A., pedindo que o réu fosse condenado a devolver-lhes a quantia total de 3.870.000$00, acrescida de juros de mora, bem como uma indemnização a favor da autora por danos não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença . Para tanto, alega que a autora era titular de um cartão "eurocheque" que lhe foi entregue pelo réu, para acesso às caixas automáticas e aos terminais automáticos de pagamento. Em 22-2-97, esse cartão foi-lhe furtado do interior de um veículo, onde se encontrava guardado dentro de uma carteira, e com ele foram feitos diversos levantamentos e compras, debitados na conta bancária dos autores, tudo no peticionado valor de 3.870.000$00, sem que o Banco tomasse qualquer medida para o impedir . Em virtude de toda essa situação, a autora sofreu perturbações nervosas, com exames e tratamentos médicos, de que ainda não está curada e de cujos danos não patrimoniais pretende ser ressarcida . Na contestação, o réu alega que os referidos movimentos foram efectuados antes de ter recebido a comunicação do extravio do cartão, pelo que nada podia fazer para os impedir . Por outro lado, os autores foram pouco cautelosos, ao deixarem o cartão dentro da sua viatura, juntamente com outros documentos, só se apercebendo do furto passadas várias horas . Na réplica, os autores invocaram a nulidade das cláusulas constantes do contrato de utilização, celebrado como o autor marido, que transferem para o titular do cartão os riscos da sua utilização, mesmo que se prove a sua falta de culpa. Após o despacho saneador, a selecção dos factos assentes e a organização da base instrutória, o processo prosseguiu seus termos . Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que decidiu: - condenar o réu a devolver aos autores a quantia que exceder o valor de 150 ECUs, segundo o câmbio à data de 24-2-97, até ao limite de 3.870.000$00, com juros de mora à taxa legal; - absolvê-lo da restante parte do pedido dos danos patrimoniais e ainda dos danos não patrimoniais . E isto por se ter considerado que a autora, titular do cartão, só responde pelos prejuízos resultantes da utilização fraudulenta do cartão, antes da comunicação do seu extravio ou furto, até ao limite de 150 ECUs, por aplicação das recomendações da Comissão Europeia . Apelaram o réu e subordinadamente os autores, estes apenas quanto à matéria dos danos não patrimoniais. A Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 19-2-2002, julgou: 1 - Procedente a apelação do réu, revogando a sentença recorrida e absolvendo-o da totalidade do pedido ; 2 - Improcedente o recurso subordinado dos autores, confirmando, nesta parte, a decisão impugnada . Os autores recorreram de revista, cujas extensas conclusões se podem resumir nos termos seguintes : 1 - Dos factos dados como provados verifica-se que todas as quantias levantadas da conta dos autores, através da utilização do cartão eurocheque nº 3003088, só o foram porque o réu o permitiu e nada fez para o impedir . 2 - O funcionamento do dito cartão só foi possível com o conhecimento do PIN pelo respectivo utilizador, que o terá obtido por intermédio de alguém dentro do Banco réu, ou com quem o mesmo Banco contratou para a emissão do cartão, ou por deficiência do equipamento utilizado para a sua emissão ou segurança . 3 - O que, em qualquer caso, constitui violação, por parte do réu, das suas obrigações para com os autores, designadamente do dever da custódia da conta bancária de que estes, à data, eram titulares no mesmo Banco réu. 4 - O réu, como responsável pela emissão do cartão, devia ter-se rodeado e utilizado de todas as cautelas que conduzissem a que o cartão e respectivo PIN fossem, na realidade, totalmente seguros . 5 - Como tal não ocorreu, o réu constituiu-se responsável perante os autores pelos prejuízos por estes sofridos, nos termos dos arts 798 do C.C. 6 - A emissão de um cartão de débito ( como é o caso do cartão dos autos), está sempre ligado à existência de uma conta de depósito bancário e só terá lugar depois de solicitado pelo interessado, através da subscrição de um documento pré-elaborado (típico contrato de adesão), donde constam as diversas condições gerais de utilização. 7 - O réu, pelo menos depois da publicação do dec-lei 166/95, de 15 de Julho, estava obrigado a elaborar as condições gerais de utilização do cartões de acordo com a lei, as cláusulas contratuais gerais, os Avisos do Banco de Portugal e as recomendações da União Europeia. 8 - O réu não procedeu desse modo, designadamente quanto às cláusulas 9ª e 10ª da proposta de adesão ao cartão eurocheque /multibanco, que constam de fls 93 e 94. 9 - Essas cláusulas, na medida em que alteram as regras respeitantes à distribuição do risco e modificam os critérios da repartição do ónus da prova, são cláusulas absolutamente nulas, por violarem o disposto no art. 21, al. f) e g), do dec-lei 446/85, na redacção do dec-lei 220/95, de 31 de Agosto, devendo ser tidas como não constantes do contrato . 10 - Assim, o contrato de adesão ao cartão nada prevê quanto à sua utilização fraudulenta por terceiros, nem quanto à responsabilidade do titular do mesmo . 11 - Existe uma lacuna, que terá de ser integrada com recurso às normas que, ao tempo, eram reguladoras deste tipo de situações, ou seja de acordo com o dec-lei 166/95, as cláusulas contratuais gerais, os Avisos do Banco de Portugal e as recomendações da União Europeia. 12 - A aplicação das recomendações da União Europeia, na ordem interna, decorre directamente da lei, ou seja , do dec-lei 166/95, de 15 de Julho. 13 - Por isso, considerando que o contrato celebrado entre as partes nada estabelece a este respeito, deve concluir-se, por...

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