Acórdão nº 02A3425 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelGARCIA MARQUES
Data da Resolução17 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I"A" intentou acção de condenação, sob a forma ordinária, contra B e C, pedindo que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe solidariamente a quantia de Esc. 1.953.893$00, acrescida de juros de mora até integral pagamento, à taxa de desconto do Banco de Portugal, na altura de 8,25% ao ano, computando os vencidos até 19-12-96 no montante de Esc. 320.585$00, mais pedindo a condenação da 1ª Ré a entregar-lhe os veículos Hyunday Ponny 1.3 GS, com a matrícula ...-AQ e Lada Samara, com a matrícula ...-AP. Fundamentando as suas pretensões, alegou a A., em síntese, o seguinte: (a) que celebrou com "B" dois contratos de locação financeira, relativos, respectivamente, aos veículos Hyunday Ponny 1.3 GS, com a matrícula ...-AQ e Lada Samara, com a matrícula ...-AP, mediante o pagamento de 12 rendas trimestrais, no valor de Esc. 188.075$00 e de Esc. 159.556$00, respectivamente, acrescidas de IVA, cada uma; (b) nas negociações que precederam a celebração daqueles contratos, a A. fez depender a conclusão dos mesmos da obtenção pela Ré "B" de uma garantia idónea, tendo esta, para tanto, celebrado com a Ré C dois contratos de seguro, através dos quais a 2ª Ré assumiu perante a A. o risco de incumprimento da 1ª Ré, acrescendo que tais garantias seriam satisfeitas à primeira interpelação, sem qualquer formalidade, no prazo de 45 dias; (c) em ambos os contratos de locação financeira, decorreu todo o prazo contratual, que terminou em 01-07-95, não tendo a 1ª R., apesar de, por diversas vezes interpelada para o efeito, pago as rendas vencidas e facturadas de 01-07-94 a 01-07-95, no valor global de Esc. 1.953.893$00, não tendo também devolvido os veículos locados, factos esses de que a A. deu conhecimento à 2ª R.; (d) sendo a 2ª R. solidariamente responsável com a 1ª pelo pagamento das referidas rendas, ao qual não procedeu no prazo de 45 dias, apesar de interpelada para tal. Conclui pela procedência da presente acção. Citada, contestou a Ré "B", alegando, em síntese: (a) que celebrou com a 2ª R. um contrato de seguro caução, o qual garante, designadamente, o pagamento das rendas vencidas e não pagas; (b) que foi acordado entre a A. e ela, "B", que a A. abdicava de resolver os contratos e de solicitar a devolução dos veículos, em caso de incumprimento, comprometendo-se a accionar os seguros-caução; (c) que a A., ao cumular os pedidos de devolução dos veículos e de pagamento das rendas vencidas, pretende obter um enriquecimento ilegítimo, agindo ainda de modo contrário às expectativas por si criadas na 1ª Ré, numa situação de abuso de direito; (d) enfim, sustenta que é a 2ª R. a responsável pelo pagamento das importâncias pedidas, por força dos contratos de seguro que outorgou. Contestando, a 2ª Ré alegou, no essencial, que o contrato de seguro caução foi celebrado no âmbito do Protocolo subscrito em Abril de 1992 entre as duas RR. e que o objecto da garantia expresso na apólice era garantir o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração (ALD) que a "B" celebrava com terceiros e não as obrigações da R. B para com a A., factos de que esta tinha conhecimento. Mais alega a R. Seguradora que, ainda que se considerasse que o objecto da garantia eram as rendas de leasing, nunca poderia ser-lhe pedido o pagamento de qualquer indemnização, uma vez que o mesmo contrato de seguro apenas garante o pagamento das rendas e não qualquer indemnização prevista no contrato de locação financeira. Quanto aos contratos de locação financeira celebrados entre a A. e a 1ª R., a 2ª R. invoca a respectiva nulidade por terem por objecto veículos afectos a uso particular e por, através deles, a A. e a 1ª R. terem actuado por forma a contornarem e defraudarem a lei, permitindo que a A., por meio da 1ª R., que agia como intermediária, celebrasse contratos de locação financeira com os destinatários finais dos veículos. Sustenta ainda a 2ª R. que as cláusulas 15ª e 16ª de tais contratos são nulas, por desproporcionadas aos danos a ressarcir, configurando também abuso de direito. Em reconvenção, a 2ª R. pede a condenação da A. em indemnização a liquidar em execução de sentença, sustentando que esta, como beneficiária, não cumpriu nenhuma das obrigações previstas no artigo 10º das Condições Gerais das apólices. Por falta de alegação de danos concretos, a A. invocou a inadmissibilidade do pedido reconvencional, o qual, todavia, veio a ser admitido - cfr. fls. 204. Na Resposta, a A. negou qualquer intenção de defraudar a lei, dizendo que a 1ª R. utilizava os veículos locados no âmbito da sua actividade, constituindo os mesmos, por isso, bens de equipamento. Quanto à alegada nulidade das cláusulas 15ª e 16ª, diz a A. que, quando pede a devolução dos veículos e o pagamento das rendas vencidas e não pagas, não está a pedir qualquer indemnização, mas tão só aquilo a que qualquer locador, findo o contrato, tem direito. Mais sustenta a A. que a 2ª R., tendo emitido as apólices, recebido os prémios, trocado correspondência com a A. relativamente a tais apólices, ao invocar a nulidade dos contratos de locação financeira, no momento em que lhe é pedido o pagamento após ocorrência do sinistro, age em abuso de direito. Mais alega que a falta de razão da Ré Seguradora é evidenciada pela carta que lhe remeteu em 03-11-92, na qual declara que pagará à A. à primeira interpelação e sem qualquer formalidade, o conjunto das rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas. Quanto à reconvenção, a A. afirma que não violou qualquer obrigação para si decorrente das apólices, uma vez que manteve a 2ª R. sempre informada dos atrasos e incumprimentos da Ré "B" e que não estava obrigada à resolução dos contratos de locação financeira, sendo livre de o fazer ou não, por se tratar de um direito seu. Na tréplica, a 2ª R. defendeu a improcedência das excepções aduzidas pela A. contra o pedido reconvencional. Em face da recuperação do veículo de matrícula ...-AP, veio a A. reduzir o pedido nesta parte - fls. 140. Realizou-se uma audiência preliminar em que se fixaram os factos assentes e se estabeleceu a base instrutória. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta. O Tribunal respondeu à matéria de facto nos termos de fls 231. Com data de 21-12-2000, foi proferida sentença (fls. 235 a 258), tendo a acção sido julgada procedente e improcedente a reconvenção, pelo que, em consequência: (a) foram as RR. condenadas solidariamente a pagarem à A. a importância de Esc. 1.953.893$00, referente a rendas vencidas e não pagas, correspondendo Esc. 1.059.764$00 ao veículo de matrícula ...-AQ e Esc. 894.129$00 ao veículo de matrícula ...-AP, acrescida de juros de mora, até integral e efectivo pagamento, à taxa de desconto do Banco de Portugal, computando-se os vencidos até 19-12-96 no montante de Esc. 320.585$00; (b) foi a Ré "B" condenada a entregar à A. o veículo de marca Hyunday Ponny 1.3 GS, com a matrícula ...-AQ; (c) foi a A. absolvida do pedido reconvencional formulado pela Ré Seguradora. Inconformadas, recorreram ambas as RR., tendo, porém, o Tribunal da Relação de Lisboa...

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