Acórdão nº 02B3947 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução09 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" instaurou, no Tribunal Judicial de Cascais, acção declarativa com processo ordinário contra "B - Empreendimentos Imobiliários, L.da", pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 8.546.800$00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação. Alegou, para tanto, e em síntese, que: - celebrou com a ré, em 8 de Agosto de 1996, um contrato promessa pelo qual esta lhe prometeu vender, pelo preço de 11.000.000$00, a fracção autónoma correspondente à loja nº ..., na 1ª cave do prédio sito na Av. da República, nº .... a ...., na Parede, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais na ficha nº 1930 e omisso na matriz; - a título de sinal e início de pagamento a autora pagou à ré a quantia de 4.250.000$00; - a ré incumpriu o contrato, pelo que lhe deve pagar a quantia de 8.500.000$00, acrescida de 46.800$00 relativos a despesas efectuadas na CGD com vista à obtenção de um empréstimo para aquisição da loja.. Contestou a ré pedindo a improcedência da acção, fundamentalmente porque entende não lhe poder ser imputado o atraso na celebração do contrato definitivo, ocorrendo, assim, mera impossibilidade temporária de cumprir. A autora ampliou o pedido, pedindo que a ré fosse condenada a ver resolvido o contrato-promessa e a pagar-lhe, em alternativa, 8.500.000$00 referente ao sinal em dobro, ou 8.496.800$00, respeitante à devolução do sinal, despesas que efectuou na CGD e lucros cessantes, com juros à taxa legal, o que foi admitido. Exarado despacho saneador e organizados os factos assentes e a base instrutória, procedeu-se a julgamento, no decurso do qual requereu a ré (fls. 135) que fossem ouvidas duas testemunhas, alegando que estas tinham conhecimento de factos importantes para a decisão da causa, invocando o disposto no art. 645º do C.Proc.Civil, o que veio a ser indeferido (fls. 142). Inconformada com essa decisão agravou a ré, pugnando pela sua revogação. Após decisão acerca da matéria de facto controvertida, foi proferida sentença que condenou a ré a pagar à autora a quantia de 8.500.000$00, acrescida de juros de mora às taxas legais sucessivamente vigentes, desde 25/09/97 até pagamento, absolvendo-a do demais peticionado. Insatisfeita, apelou a ré, sem êxito embora, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 22 de Janeiro de 2002, negou provimento aos recursos, confirmando as decisões recorridas. Interpôs, agora, aquela ré recurso de revista, pretendendo a revogação do acórdão em crise, com a absolvição da recorrente do pedido ou, caso assim se não entenda, seja ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos dos arts. 729º e 730º do C.Proc.Civil a fim de ser alterada a matéria de facto ou julgada novamente a causa. Não foram apresentadas contra-alegações. O tribunal recorrido, pronunciando-se sobre as nulidades imputadas ao acórdão nas alegações de recurso, concluiu não ocorrer qualquer nulidade. Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Nas alegações formulou a recorrente as seguintes longas e fastidiosas (mais argumentativas do que conclusivas) conclusões, por cujo teor, em princípio, se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. Existe uma clara contradição no acórdão recorrido, quando se considera no mesmo como facto provado que "em 10.04.96 autora e ré subscreveram o documento intitulado contrato-promessa de compra e venda junto a fls. 4 e segs." e se considera assente que o mesmo documento "foi assinado pela ré, promitente vendedora, em 10.04.96, tendo a assinatura da autora, promitente compradora, sido nele aposta em 02.01.97, conforme informação constante do reconhecimento da assinatura". 2. Correcto sim seria e é considerar provado, face à matéria alegada, que um contrato-promessa de compra e venda relativo ao imóvel identificado nos autos, consubstanciado no documento junto a fls. 4 e segs., subscrito pela ré em 10.06.96 e subscrito pela autora em 02.01.97, foi (não obstante) celebrado naquela mesma data, porque a autora procedeu ao pagamento do sinal (ao abrigo do artigo 234º do Código Civil). 3. Assim, ao considerar como facto assente que "em 10.04.96 autora e ré subscreveram o documento intitulado contrato-promessa de compra e venda junto a fls. 4 e segs." o acórdão do Tribunal da Relação, por fixar um facto - a data das assinaturas - em ofensa de disposição expressa da lei que exige certa espécie de prova para a existência ou fixe a força de determinado meio de prova- cfr. arts. 364º, 375º e 376º do Código Civil e 655º, nº 2, do Código de Processo Civil - deve ser revogado, com todas as consequências legais, nos termos dos arts. 712º, 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil. 4. Por outro lado, ao admitir-se no mesmo acórdão como assentes duas datas de subscrição do mesmo documento pela autora, deve o acórdão do Tribunal da Relação ser revogado, com todas as consequências legais, nos termos dos arts. 729º, nº 2 e 730º do Código de Processo Civil. 5. Por fim, também parece evidente que o acórdão do Tribunal da Relação, face à fixação ilegal de factos assentes e face à contradição com as datas em que se envolveu, será nulo, nos termos das als c) e d) do art. 668º do Código de Processo Civil, com todas as consequências legais. 6. Em suma, a autora não assinou o contrato-promessa na data da sua celebração. Ora, face ao disposto no artigo 410º, nº 2, do Código Civil e conforme se refere no próprio acórdão recorrido "a assinatura do promitente comprador é uma formalidade ad substantiam, implicando a sua inobservância a nulidade do contrato. E a nulidade, nos termos do artigo 286º do Código Civil, pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal". 7. Não parece aceitável a tripla argumentação plasmada no acórdão da Relação para sustentar a validade do contrato-promessa, onde, não obstante se reconhecer a data em que a autora de facto e verdadeiramente assinou o documento, se refere: a) "impunha-se que a ré tivesse invocado na contestação a nulidade que invocou nas alegações"; b) "tendo o contrato promessa em causa sido feito em duplicado, conforme dele consta, pode bem ter sucedido que no exemplar entregue à ré a autora tivesse aposto a sua assinatura com reconhecimento presencial" c) "o facto de a autora ter assinado o contrato em 2.1.97 eliminaria qualquer invalidade que porventura pudesse existir". 8. Antes de mais, importa precisar que a ré não invocou nunca nas suas alegações sobre matéria de direito qualquer facto novo, tendo-se limitado a aplicar e a interpretar normas jurídicas a factos assentes e às provas que constam do processo; pelo que, e uma vez que a nulidade ou não de um negócio jurídico é uma questão de direito, o artigo 489º do Código de Processo Civil, com o devido respeito, é inaplicável à situação em apreço. 9. Contudo, se dúvidas existissem, e não cremos que possam existir, nos termos do art. 286º do Código Civil estabelece-se que a nulidade pode ser invocada a qualquer altura e pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. Ora, a parte final do nº 2 do art. 489º do Código de Processo Civil ressalva expressamente a possibilidade de poderem ser deduzidas posteriormente à contestação as excepções que o tribunal deva conhecer oficiosamente e, salvo melhor opinião, a declaração da nulidade dos negócios jurídicos é uma delas; por outro lado, a lei, expressamente, permite a invocação da nulidade a qualquer altura, pelo que parece ser expressamente permitida a sua invocação em qualquer altura do processo (embora se admitam e reconheçam dúvidas quanto a este último argumento literal). 10. No tocante ao segundo argumento invocado no acórdão da Relação para salvar a validade do contrato-promessa celebrado entre autora e ré, ou seja, a eventualidade de existir um duplicado assinado pela autora, a verdade é que não consta do processo qualquer duplicado assinado pela autora nem esta alegou nunca a sua existência, pelo que não pode o tribunal conhecer de questões não invocadas, sob pena de excesso de pronúncia e nulidade da sentença, o que parece ser o caso, nos termos da al d) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil. 11. Por fim, e reportando-nos ao terceiro argumento, o facto de o documento se encontrar - agora - assinado por ambas as partes, não nos parece que confira validade ao contrato-promessa, porquanto a nulidade nunca é sanável. Com efeito, o negócio nulo - tal como uma compra e venda de um imóvel por documento particular - pode ser renovado ou reiterado - pela posterior celebração da respectiva escritura pública - mas não pode nunca ser confirmado. Nestes termos, o contrato-promessa consubstanciado no documento junto a fls. 4 e segs., celebrado no mês de Abril de 1996, nulo por falta da assinatura da autora, não é passível de ser sanado pela assinatura da autora nove meses depois e alguns dias antes de demandar judicialmente a ré para pedir a resolução do contrato. 12. Concluindo, no caso objecto dos presentes autos, o contrato-promessa bilateral de compra e venda foi apenas assinado pela ora apelante, B, não tendo sido assinado aquando da sua celebração nem num momento razoavelmente posterior pela autora. Assim sendo, o contrato é nulo, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 220º, 286º, 289º, 290º, 294º e 410º, nº 2, todos do Cód. Civil. 13. Sendo nulo o negócio, a nulidade não é sanável, pelo que a assinatura do mesmo contrato pela autora quase...

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