Acórdão nº 02P1097 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução16 de Maio de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: Arguido/recorrente: A 1. OS FACTOS Em Mar00, o arguido e B acordaram verbalmente na venda àquele de um prédio deste, sendo o preço a pagar, no final do ano, aquando da realização da escritura. Entre o arguido e o outro ocorreram algumas trocas de palavras menos amigáveis em situações em que ambos se mostravam alcoolizados. Após tais trocas de palavras entre o arguido e o outro, este, por mais do que uma vez, disse a sua mulher, ao chegar a casa, que o arguido lhe tinha dito que "lhe fazia o mesmo que tinha feito ao outro" e que "se algum dia eu aparecer morto, quem me matou foi o Pirata", alcunha pela qual o arguido é conhecido. No dia 22Ago00, à noite, no interior do estabelecimento comercial do arguido, denominado "Café ....", sito na Feteira, Horta, juntaram-se várias pessoas que ali estiveram a cantar à desgarrada. Cerca das 00:15, quando no estabelecimento apenas se achavam B e o arguido, este, que se achava embriagado, empunhou um pau com cerca de 70 cm de comprimento e com ele desferiu várias pancadas na cabeça e face do outro, que se achava numa situação de etilismo agudo, fazendo-o sangrar abundantemente. Em consequência de tais pancadas, B desmaiou. Com o objectivo de fazer desaparecer o corpo, o arguido muniu-se das chaves da viatura Renault Clio LQ, propriedade do ofendido, que este tinha no bolso. De seguida arrastou-o pelo chão e colocou-o, inanimado, na bagageira do veículo. Sentou-se ao volante da viatura e conduziu-o até ao local conhecido por Ponta Furada, sito em Laginha, Feteira, Horta, onde a parou fora da estrada. Saiu da viatura e, sempre com B na bagageira , empurrou-o em direcção a um precipício ali existente, só não tendo a viatura caído ao mar por ter ficado presa numa reentrância da rocha existente no local, em posição tal que era impossível alguém sair pela porta da frente do lado do condutor sem cair no precipício. Surgiu então no local uma viatura policial, pelo que o arguido se deitou à frente do carro em posição fetal, fingindo-se desmaiado. A viatura de B encontrava-se na altura destravada, desengatada e com as portas trancadas, com excepção da do lado da frente, do lado do condutor, encontrando-se os vidros também todos fechados. Como consequência directa e necessária das pancadas desferidas pelo arguido com o pau, B sofreu ferida inciso-contusa na região frontal à direita, ferida incisa no punho e equimose e sinais de contusão na região periorbitária esquerda e face esquerda, com amnésia temporal do que se passou o arguido ao arrastar o ofendido pelo chão provocou-lhe edemaciação nas nádegas e no flanco direito. Tais lesões demandaram, para cura completa, um período de trinta dias de doença, com incapacidade para o trabalho, apresentando ainda hoje amnésia quanto àquele momento da sua vida. O arguido, que agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, pretendia tirar a vida a B, objectivo que só não logrou alcançar por razões alheias á sua vontade. Tem a 4.ª classe como habilitações literárias, vive com a mulher e três filhos com as idades de 24, 18 e 12 anos, sendo que só o mais novo estuda. Habitam num pré-fabricado, a mulher trabalha a dias e o arguido aufere um rendimento mensal variável que pode ascender a 600000 escudos. O arguido não tem antecedentes criminais e confessou parcialmente os factos. O arguido, ao empurrar a viatura do demandante no lugar conhecido por Ponte Furada e fazê-la embater numa reentrância ali existente na rocha, raspou os guarda-lamas dianteiro e traseiro e amolgou a chapa. A reparação destes danos, no montante de 40320 escudos, foi suportada pelo demandante. Este, que vivia com a mulher e dois filhos menores, era uma pessoa fisicamente saudável, conhecido e respeitado no meio em que está inserido. Após a agressão perpetrada pelo arguido, B, devido às dores que sentia, não se podia deitar e dormia sentado. À data dos factos o ofendido encontrava-se de férias, findas as quais regressou ao trabalho. O demandante, que era pessoa despreocupada e sem especiais cuidados com a segurança da casa, a partir da data dos factos passou a viver com receio pela sua integridade física e da família, sentimento que se atenuou com a prisão preventiva do arguido. Após os factos, o demandante e seus familiares passaram a verificar se todas as janelas e portas estavam fechadas e insistia frequentemente com a mulher para que verificasse se tudo estava fechado. Até à prisão do arguido, a PSP local efectuou rondas regulares pela casa do demandante durante a noite. Antes dos factos, o demandante saía com frequência para conviver com os amigos, o que deixou de fazer após o dia 22Ago00, permanecendo quase sempre em casa. O demandante possuía uma lavoura com sete cabeças de gado bovino, das quais ele próprio cuidava, que lhe tinham sido deixadas pelo pai e pelas quais possuía grande estima. Para tanto deslocava-se sozinho para os matos e terrenos onde o gado se encontrava a pastar, locais ermos e pouco frequentados. Após os factos, por medo de se deslocar medo, vendeu o gado, o que lhe causou mágoa. 2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, o tribunal colectivo da Horta (1), em 12Jul01, condenou A, como autor de um crime tentado de homicídio qualificado, na pena de 8,5 anos de prisão. 3. O RECURSO PARA A RELAÇÃO 3.1. Inconformado, o arguido recorreu em 27Jul01 à Relação de Lisboa, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua condenação, pela prática de um crime de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º do CP, suspendendo-se a execução da pena: Não se pode condenar o arguido com base em simples presunções, que não são meios de prova, mas simples meios lógicos ou mentais. As presunções de culpa tem de considerar-se banidas em processo penal, face ao disposto no art. 32.2 da CRP. O arguido foi condenado por ter tentado lançar ao mar um conterrâneo amigo seu, inconsciente, na impossibilidade de se defender, pretendendo tirar-lhe a vida, tentando desfazer-se do corpo da vítima, não sabendo se estava viva ou morta. O tribunal concede que o arguido agrediu o ofendido com um pau, causador de lesões, relevando esta confissão para apuramento da verdade dos factos, atenta a fragilidade da prova. A despeito dessa fragilidade, o tribunal colectivo condenou o arguido. Imputa-lhe, ainda, especial censurabilidade na sua conduta porque se quis desfazer do corpo da vítima, independentemente de saber se o ofendido estava vivo ou morto. Admitindo o tribunal que o ofendido estava inconsciente não releva uma eventual morte aparente da vítima nem o sentido de uma eventual intenção de desaparecimento do corpo nestas condições. O tribunal não curou de saber quais as circunstâncias que despoletaram a agressão e se com esta conduta o arguido pretendeu tirar a vida ao ofendido. Os dois antagonistas estavam alcoolizados, questionando-se a sua imputabilidade. O ofendido não questiona nas suas declarações uma eventual contenda com agressões mútuas, só eles sabendo quem agrediu quem e em primeiro lugar. O ofendido, com o seu depoimento, é a melhor prova de que não houve qualquer intenção de matar, pois que se dava bem com o arguido com quem teve duas brigas, mas nada de significativo. E tal depoimento não é compaginável com a relevância que o tribunal dá às declarações da esposa do ofendido segundo o qual o arguido ameaçara o ofendido, dizendo àquela o ofendido que "se algum dia eu aparecer morto, quem me matou foi o Pirata". O tribunal concede que o pau usado na agressão traduz um acréscimo de perigo à vítima sem traduzir especial perversidade ou censurabilidade. Só que em circunstâncias de agressões mútuas (cadeira contra pau), a perigosidade só pode ser neutralizada a este nível, indiferentemente do que aconteceria em desproporção de meios. No calor da disputa bate-se no sítio do corpo que possa neutralizar o antagonista sem o querer matar, sendo que os dois antagonistas eram dois amigos desavindos, eles próprios em excesso de álcool. O tribunal não fundamentou em qualquer razão alicerçada em prova inequívoca que contrarie a não intenção de matar, até porque ninguém assistiu às agressões mútuas. No que respeita à intenção de se querer desfazer do corpo não está provado que alguém tenha visto o arguido fugir à frente do carro e simular um estado de inconsciência, relevando facto de o arguido estar sob a influência do álcool e como tal com a capacidade de discernimento diminuída. E mesmo que tal não sucedesse, o arguido teria a intenção de se desfazer de um cadáver e não de pessoa viva. O tribunal não conseguir tipificar especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente, nos termos do n.º 2 do art. 132.º do CP. O arguido suscita desde já a inconstitucionalidade material do art. 132.2 do CP, se o tribunal de recurso sufragar este entendimento por se verificar em tal caso violação do princípio "nullum crimen sine lege" O tribunal inobservou o espírito da norma do art. 127.º, do CPP, uma vez que para fundamentar a condenação do recorrente só pode lançar mão de uma prova indirecta, que não conduz à condenação do arguido. Em caso de dúvida deve lançar-se mão do princípio " in dubio pro reo", sendo que o texto da decisão recorrida enferma dos vícios previstos nas al.s a) e c), do n.º 2, do art. 410.º do CPP. É nula a sentença que não contenha a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal - art. 379.º, a), do CPP -, requisito ao qual o tribunal não atendeu quando sustenta que o arguido tinha plena consciência de que agiu no sentido de se desfazer do corpo da vítima, independentemente de saber se estava morta ou viva. 3.2. A Relação de Lisboa (2), em 5Dez01, manteve a qualificação jurídico-criminal dos factos provados mas reduziu a pena a sete anos de prisão: A falta de fundamentação do acórdão recorrido. O arguido aponta ao acórdão recorrido a nulidade por falta de fundamentação, porque não indica os meio de prova que levaram o...

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