Acórdão nº 02P2812 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLOURENÇO MARTINS
Data da Resolução20 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No P.º comum n.º 142/00.2GBBAO, do Tribunal Judicial de Baião, mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento pelo Colectivo: A, viúvo, carpinteiro, nascido a 03.10.1957, filho de B e de C, natural de Viariz, e residente no lugar de Furacassas, Gestaçô, Baião, e actualmente preso no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira. sob imputação da prática de um crime de homicídio qualificado, pp. pelos artigos 131° e 132°, n.ºs 1 e 2 als. d), g) e i) do C.Penal e um crime de detenção ilegal de arma de defesa, pp. pelo art. 6° da Lei n.º 22/97, de 27 de Janeiro. O arguido requereu a sua sujeição a exame médico-psiquiátrico. A final, por acórdão de 16 de Maio de 2002, o Colectivo deliberou condenar o arguido: - como autor de um crime de homicídio, pp. pelo artigo 131° e 132°, n.º 2, alínea i) do CPenal, na pena de 15 anos de prisão; por um crime de detenção ilegal de arma de defesa, pp. pelo artigo 6º da Lei n.º 22/97, de 27 de Janeiro, na pena de 1 ano de prisão. Em cúmulo jurídico, condenou-o na pena única de 15 (quinze) anos de prisão. Mais deferiu parcialmente o pedido de indemnização civil formulado pelo Ministério Público, em representação dos menores demandantes, posteriormente ampliado, e condenou-o a pagar a título de indemnização: - A todos os demandantes a quantia de 39.903,83 (trinta e nove mil, novecentos e três euros e oitenta e três cêntimos), equivalente de 8.000.000$00 (perda do direito à vida da mãe e alimentos); - A cada um dos demandantes D e E a quantia de 9.975,96 (nove mil novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos ), equivalente a 2.000.000$00 (danos não patrimoniais por cada um sofridos); - À demandante F a quantia de 20.450,71 (vinte mil quatrocentos e cinquenta euros e setenta e um cêntimos), equivalente a 4.100.000$00 (danos não patrimoniais sofridos e despesa com sepultura). Tudo perfazendo a quantia total de 80.306,45 (oitenta mil, trezentos e seis euros e quarenta e cinco cêntimos), equivalente a 16.100.000$00, com juros à taxa legal anual de 7% desde a data da notificação do pedido de indemnização civil. 2. Inconformado, recorre o arguido para este STJ, concluindo a sua motivação pelo modo seguinte: "1. Da matéria de facto dada como provada não se pode concluir que o arguido persistiu na intenção de agir com mais de 24 horas de antecedência sobre os factos, nem que agiu com frieza de ânimo, uma vez que actuou movido pelo ciúme doentio que alimentava pela suspeita infundada de que a sua mulher (vítima) o traía; 2. pelo que, o arguido não deveria ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pela al. i) do n.º 2 do Art.º 132.º e pelo Art.º 131.º do C. P. , mas sim pela prática de um crime de homicídio privilegiado p. e p. pelo Art.º 133.º do C. P. 3. Sendo que, ao condená-Io pela prática de um crime de homicídio qualificado, o Tribunal a quo fê-Io com insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem como com contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; 4. O que constitui fundamento de recurso nos termos das als. a) e b) do n.º2 do Art.º 410º do C.P.P.." Respondeu o Dig.mo Procurador da República no Círculo de Penafiel a defender a manutenção do acórdão recorrido, dizendo em síntese: "1- A matéria de facto dada como provada é suficiente para conduzir à condenação do arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º n.º 1 e 2 al. i) do C. P. e não há contradição entre a decisão e a fundamentação. 2- Na verdade, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, e lançando mão das regras da experiência, tendo por base o art.º 127.º do C. P. P., o Tribunal Colectivo fez uma correcta interpretação dos factos e uma correcta aplicação da lei aos mesmos. 3- Não violou, por isso, aquela decisão o artigo 410.º n.º 2 do C. P. P. Pelo que não merecendo qualquer reparo ou censura, deve a mesma ser mantida... " Por seu turno, a recorrida F, pugnado pelo improvimento do recurso, diz em jeito de súmula (transcrição): "A) De toda a factualidade dada como provada e da ponderação global das circunstancias internas e externas presentes no caso concreto resulta que a morte da vitima foi causada em circunstâncias que revelam uma especial perversidade e especial censurabilidade. E nessa medida, não pode o douto acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo, ser objecto de qualquer censura, pois que, mais não fez do que aplicar a técnica legislativa dos exemplos padrão . B) Com a realização do tipo fundamental do artigo 131º e de uma das circunstâncias previstas no n° 2 do artigo 132°, desencadeia-se o chamado efeito padrão que fornece o indício da existência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente em que se baseia a aplicação da moldura penal do artigo 132°. Assim, pode dizer-se que o efeito dos exemplos padrão fundamenta como que uma presunção ilidível. C) As circunstâncias capazes de contra provarem o efeito de indício têm que ser extraordinárias. Assim, o simples facto do arguido ter confessado os factos espontaneamente na sua objectividade e de se ter apresentado voluntariamente à GNR após o crime, não é susceptível por si só, de contraprovar o efeito de indício dos exemplos padrão. Tais circunstâncias apenas podem funcionar como atenuantes gerais na aplicação da medida concreta da pena, o que aconteceu no caso em apreço. D) Acresce ainda que, a maioria da doutrina também não reconhece às circunstâncias atenuantes especiais, por si sós, a possibilidade de contraprovarem o efeito de indício. Pois, a revogação desse efeito terá de basear-se numa acentuada diminuição da ilicitude, e para além disso, é necessário que as circunstâncias consigam atribuir ao facto uma imagem global insusceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente. Daí que, só um conjunto raro de circunstâncias especiais possa anular o efeito de indício. Ou seja, é necessário a existência de um motivo de relevante valor social ou moral que diminua sensivelmente a culpa do agente. E) O Tribunal Colectivo levou em consideração os relatórios de perícias médico-psiquiátricas efectuadas e de observação psicológica, bem como o parecer médico legal, e apesar da discrepância existente entre eles, todos os relatórios referem que o ciúme do arguido não lhe retirou a capacidade para avaliar o seu acto (matar a esposa) como ilícito. Ou seja, o arguido teve a noção que estava a cometer um acto ilícito quando matou mulher . F) Perante os factos apurados ficou provado que a morte da vítima foi causada em circunstâncias que revelam uma atitude profundamente distanciada do arguido em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. A conduta do arguido é profundamente rejeitável, porquanto constitui indício de sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Os factos provados consubstanciam sem qualquer sombra de dúvida a previsão típica da al. i) do n° 2 do artigo 132° do C.P. G) O arguido quando matou a mulher não o fez por força de um impulso, fê-lo de uma forma calculada, premeditada e consciente. E apesar do ciúme doentio e injustificado, o arguido estava em situação de poder dominar e dirigir a sua reacção emocional através da sua vontade. H) Perante a prova produzida, não foi revelada qualquer circunstância extraordinária, que pudesse contraprovar o efeito de indício da alínea i) do n° 2 do artigo 132°. E muito menos, se poderá afirmar, que o arguido agiu dominado por compreensível emoção violenta, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral. Quando matou a mulher o arguido, agiu de forma livre deliberada e conscientemente. Preparou o modo como havia de matar a vítima, antecipando o regresso a casa, aí permaneceu e dormiu, e só no dia seguinte, escondeu a arma na roupa, convenceu a mulher a afastar-se para um local, ermo, isolado, e aí chegados apontou e disparou dois tiros na cabeça da vítima, e quando esta já estava caída efectuou um outro disparo nos órgãos genitais daquela. I) Ora, a censura da culpa jurídico-penal tem que assentar em dois pressupostos que representam outras tantas exigências normativas: por um lado, a censura da culpa só pode ser excluída, tratando-se do homem adulto, por circunstâncias extraordinárias; por outro lado, pressupõe-se que todo o homem adulto consegue reunir a força de vontade necessária para combater e vencer a tentação criminosa. São exigências normativas que uma sociedade, que trata os seus cidadãos como homens responsáveis e livres e não como menores e doentes, pode dirigir ao seu Autor" . 3. Já neste STJ, admitido o recurso, fixou-se prazo para alegações escritas. Delas fizeram uso o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto e a demandante F. Esta repetindo, ipsis verbis, o que já dissera na transcrita resposta. Aquele Ex.mo Magistrado, defendendo a improcedência do recurso, diz, em resumo, o seguinte: - Foi uma «infidelidade imaginada» de sua mulher que levou o arguido a decidir matá-la, depois de atrair a vítima a um local ermo, afastado cerca de 500 metros da residência de ambos, com o pretexto de precisar da sua colaboração para um trabalho agrícola, ao que ela acedeu sem desconfiar das intenções do arguido; - Considerou o Tribunal que o arguido persistiu na intenção de matar por mais de 24 horas e que agiu com frieza de ânimo, o que merece alguma reserva, pois ficou abundantemente provado que o arguido agiu motivado pelo ciúme obsessivo que o dominava desde há vários anos e essa situação indicia não frieza de ânimo, mas antes uma atitude fortemente emotiva; - ao atraí-la de forma ardilosa a um local ermo, o arguido agiu com evidente «aleivosia», revelando assim uma atitude especialmente perversa, confirmada pelo disparo contra a zona genital da vítima, infamando-a, pelo que os factos provados integram o artigo 132° do CP, embora sem subsunção específica a alguma das alíneas do n° 2; - se o comportamento...

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