Acórdão nº 02P3327 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Novembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução07 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Arguido/recorrente: A (1) 1. OS FACTOS (2) O arguido e B são amigos de infância por terem nascido na mesma localidade, mantendo no ano de 1999 contactos assíduos. Em Maio de 1999, o arguido e B encontravam-se amiúde na Asseiceira, em Rio Maior, numa garagem que aquele arguido ali mantinha, não aberta ao público e, na qual procedia à reparação de automóveis usados. Na sequência deste seu relacionamento, B começou a aperceber-se de que o arguido, possuindo aparentemente, como única fonte de rendimentos a reparação e comercialização de veículos, conduzia em regra viaturas automóveis de diversas marcas em bom estado e de valor elevado, era possuidor de um iate, habitava num apartamento localizado em Lisboa e deslocava-se com frequência ao estrangeiro, sobretudo a Espanha, frequentando hotéis, bares e discotecas, locais onde efectuava despesas de montante que ascendia a várias dezenas de milhares de escudos. No dia 5 de Maio de 1999, o arguido incumbiu B de uma tarefa, que este aceitou desempenhar. Consistia tal tarefa em deslocar-se ao parque de estacionamento do Hospital Distrital de Torres Vedras a fim de transaccionar heroína, na quantidade aproximada de 1 kg. Assim, no dia 5 de Maio de 1999, no desempenho do solicitado pelo arguido, B saiu de Rio Maior e, conduzindo a viatura automóvel Seat Ibiza, com a matricula CU, sua propriedade, dirigiu-se ao arruamento frontal do serviço de urgências do HDTV. Ali chegado, cerca das 21 horas, estacionou e aguardou que o contactassem, seguindo as instruções que havia recebido do arguido. Transportava consigo, na mala do automóvel, um embrulho com 1 045 gramas de heroína, que lhe havia sido entregue pelo arguido, que o retirara na sua presença do interior do automóvel que na altura utilizava diariamente, de marca Mercedes, com a matrícula VU. O arguido dissera-lhe que deveria dirigir-se ao parqueamento do HDTV e aí aguardar que um terceiro o abordasse, o qual o identificaria pelo veículo em que se fazia deslocar. Mais o instruiu para, em troca do embrulho contendo a heroína, receber das mãos deste terceiro a quantia em dinheiro que por ele lhe fosse entregue. E se tudo corresse conforme o previsto deveria B manter contacto telefónico com o arguido, fazendo alusão ao jantar o que mais não era do que um código para discretamente o informar de que a transacção tinha sido concluída com êxito. Assim acordados, ficou o arguido na sua garagem em Rio Maior, aguardando noticias da transacção através do aludido contacto telefónico. B, também portador de telemóvel, seguiu as instruções que recebera do arguido, o qual pretendia manter-se afastado do produto e da transacção, que sabia perigosa. O arguido veio a efectuar diversas chamadas telefónicas para o telemóvel de B, pelas 22:05, 22:13, 22:14, 22:29, 22:30, 22:53 e 23:21, aludindo em cada um desses contactos ao jantar, conforme haviam convencionado. Enquanto aguardava pelo contacto defronte do serviço de urgência do HDTV B veio a ser interceptado e detido por agentes da PSP de Torres Vedras, tendo na sua posse o pacote contendo os tais 1045 g de heroína. O arguido destinava o produto apreendido á transacção por grosso a terceiros, com a finalidade de obter uma vantagem patrimonial. Conhecia as características estupefacientes do produto que entregara a B e encontrava-se ciente da proibição legal da sua detenção e transacção. A viatura em poder do arguido e que ele à época utilizava diariamente era um veículo da marca Mercedes, modelo 300 D, de 5 portas, de cor cinzenta, e ostentava a matricula VU, um n.º de chassis WDB 1241901F041252 e, aparafusada à carroçaria, uma chapa de produção com o n.º 26114277. Após remoção da tinta que cobria a zona circundante ao local onde se encontrava gravado o n.º de chassis foi detectada a existência de uma linha de soldadura, revelando que o chassis original havia sido removido pelo método de corte e implantação de chapa. Aquele n.º e VCN nunca haviam sido atribuídos pelas autoridades alemãs e, a sê-lo, corresponderiam ao modelo 200TD da marca Mercedes e não a um veículo de modelo 300 TD. A viatura correspondente ao VCN 1241901F041252 fora exportada no ano de 1997 para a Costa Rica. A viatura em poder do arguido e que vinha utilizando havia sido por este produzida, tendo resultado de uma adulteração levada a cabo pelo mesmo arguido no veículo a que originariamente havia sido atribuída a matricula VU. Este último veículo fora interveniente num acidente de viação ocorrido em Dezembro de 1997 e, em consequência dos estragos então sofridos, foi então considerado irrecuperável e perda total. A viatura acidentada veio a ser adquirida pelo arguido, conjuntamente com outras viaturas da mesma marca, das quais retirou peças e acessórios. O arguido veio a reconstruir um veículo que aparenta a estrutura de um Mercedes, mas que é o resultado da conjugação de pelo menos dois veículos da referida marca. No veículo reconstruído o arguido apôs a matricula VU, sabendo que não corresponde à viatura assim matriculada na respectiva conservatória, dessa forma ludibriando as autoridades quanto à constituição e identificação do veículo automóvel em causa, tinha o arguido conhecimento de que o veículo automóvel por si detido e utilizado não era susceptível de ser legalizado. Não obstante tais conhecimentos, quis o arguido valendo-se de pelo menos de dois veículos e correspondentes peças, colocar a viatura reconstruída em circulação. Sabia o arguido do carácter proibido da sua descrita conduta, tendo actuado sempre de forma livre, voluntária e consciente. Não tem antecedentes criminais. 2. A CONDENAÇÃO 2.1. Em 04Dez01, o tribunal colectivo do 3.º Juízo de Torres Vedras (3) condenou A (4), como autor de um crime de tráfico comum de droga e de um crime de falsificação de documento, nas penas parcelares de 8,5 anos de prisão e 10 meses de prisão e na pena conjunta de 9 anos de prisão. 2.2. Inconformado, o arguido recorreu em 21Dez01 à Relação, sustentando, por um lado, que «o depoimento do co-arguido é de reduzida credibilidade, podendo servir como indício de prova mas nunca como prova única e suficiente para uma condenação em julgado» e, por outro, que «a medida da pena é excessiva, não devendo ser superior a cinco anos de prisão»: Com o actual sistema de recursos consagrado nos art.s 433° e 410°, nº 2, ambos do CPP, os poderes de cognição do S.T.J. limitam-se a matéria de direito. O Tribunal da Relação só muito limitadamente - art.430°, n.º 1, do CPP - pode reapreciar a matéria de facto. Está vedada ao Supremo Tribunal de Justiça e ao Tribunal da Relação a reapreciação critica da matéria de facto. Não há assim recurso em matéria de facto. Tais normas, consagradas naqueles dois preceitos - art.s 433° e 410° nº 2 e 430° n.º 1 - infringem o duplo grau de jurisdição consagrados no art.23°, nº 1, da C.R.P. Estão feridas de inconstitucionalidade material. Acresce que nenhumas testemunhas com as suas declarações fizeram prova de imputação dos factos relatados a algum dos arguidos, restando apenas o depoimento do co-arguido. A tese mais razoável sobre o valor probatório do depoimento do co-arguido face as proibições de prova e não a de uma prova proibida mas de uma prova admissível. E uma prova utilizável pelo juiz. Porém, não pode deixar de se reconhecer a sua reduzida credibilidade. Poderá servir como indício de prova, mas nunca como prova única e suficiente para uma condenação em julgamento. Trata-se de uma interpretação inconstitucional, a valorização dessa prova como decisiva quando não corroborada nem sujeita a "contraprova". E por isso como insuficiente essa única prova de convencimento do tribunal. Por fim, a medida concreta da pena é excessiva, mesmo na perspectiva factual do acórdão recorrido que aqui se critica e não se aceita, não devendo essa pena, nessa perspectiva, ser superior a cinco anos de prisão. 2.3. Em resultado desse recurso, a Relação de Lisboa (5), em 30Abr02, reduziu a pena correspondente ao crime de tráfico de droga para 7,5 anos de prisão e a pena conjunta para 8 anos de prisão: As conclusões do recorrente delimitam o objecto do recurso art. 403.1 e 412.1 e 2 ambos do Cód. Proc. Penal e questiona-se a matéria de facto dada como provada; sustentou-se que não se respeitou o duplo grau de jurisdição; e questionou-se a pena aplicada que não deve ser superior a cinco anos de prisão. Vejamos. Este Tribunal da Relação conhece de facto e de direito uma vez que a prova produzida em audiência ficou gravada art. 363 e 428.1 ambos do Cód. de Proc. Penal. No entanto, quando se impugna a matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida - art. 412.3 al) a) e h) do Cód. de Proc. Penal. A prova é apreciada de modo global e, em obediência ao principio da livre apreciação...

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