Acórdão nº 02P4219 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução30 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Supremo Tribunal de Justiça I 1.1. Factos provados 1. Por sentença proferida no dia 3 de Fevereiro de 2000, no processo comum n.º 130/98, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, transitada em julgado no dia 22 de Fevereiro de 2000, MCBFC foi condenada a pagar a MORS, casada com o arguido JCFM desde 7 de Julho de 1970, a título de indemnização civil, por danos não patrimoniais, a importância de 150.000$00 2. Refere-se, nomeadamente, nesta sentença de 3 de Fevereiro de 2000, que em dia incerto, mas entre 23 e 31 de Outubro de 1997, no Teixoso, Concelho da Covilhã, a MCBFC disse para diversas pessoas e por diversas vezes, que a MORS lhe tinha roubado a quantia de 27.000$00, no que algumas pessoas acreditaram, cortando o relacionamento havido com a MORS, que é pessoa séria, honesta e considerada no Teixoso, sendo que ao praticar tais factos a MCBFC não agiu com o cuidado a que estava obrigada nas relações sociais do meio em que vive, representado como possível as consequências dos factos referidas, não se conformando com essa realização

3. Em virtude da condenação judicial da MCBFC, no processo comum n.º 130/98, em que o crime já estava amnistiado, o assistente AJSC, marido de MCBFC, alguns dias, entre 6 de Fevereiro de 2000 e 26 de Março do mesmo ano, quando se cruzava com o arguido JCFM, e cruzaram-se pelo menos 5 ou 6 dias, ambos a conduzir veículos automóveis, chamava-o de "corno" e "grande corno", 4. O arguido JCFM, também conhecido no Teixoso pelo nome de Justo, enervava-se com tais imputações, que o ofendiam e o magoavam, porque punham em causa a sua honra, como homem casado

5. O arguido JCFM não apresentou queixa crime contra o assistente AJSC por esperar que as palavras ofensivas que este lhe dirigia cessassem e para não agravar ainda mais a situação que a dita condenação judicial da MCBFC tinha originado, apesar do arguido JCFM ter sentido como sua, a ofensa ao bom nome e à honorabilidade de MORS, posto em causa pela MCBFC

6. O arguido JCFM pretendia, todavia, que os insultos terminassem e, por volta de 26 de Fevereiro de 2000, solicitou a sua irmã MCSM que era, e é, colega de trabalho de JC, irmão do assistente AJSC, que falasse com este para ele terminar com o comportamento que vinha tendo, o que a referida MCSM fez

7. O próprio arguido JCFM solicitou ao mesmo Sr. JC, por, pelo menos, duas vezes, uma delas em casa deste para que este falasse com o irmão no sentido de terminar com as provocações, sendo que no dia em que ele foi a casa daquele, o JC disse para o arguido JCFM que o seu irmão era pessoa com a força puxada do tractor c que constava que já tinha tido uns problemas em França por ter usado umas correntes contra alguém, 8. O arguido JCFM, que foi empregado têxtil, comerciante e angariador bancário do Banco Espírito Santo, está desde 1982 reformado, conduzindo já há algum tempo a carrinha da Fundação ....... que, dá apoio a idosos, ("Centro de Dia do Teixoso") no sentido de os ir buscar a casa na parte da manhã e de novo, aí os colocar, no fim do dia, trabalho feito gratuitamente, tomando apenas o almoço e o lanche, habitualmente, na instituição

9. No dia 26 de Março de 2000, domingo e dia de procissão de Passos no Teixoso, pelas 17 horas e 40 minutos, pouco depois do arguido JCFM acabar de colocar os idosos em casa, quando circulava na carrinha da dita Fundação, acompanhado da funcionária desta, SIMG, avistou parado, junto do café "Melo", sito no Teixoso, o veículo automóvel, de cor branca, do assistente AJSC, encontrando-se este no seu interior sentado no lugar do condutor, ao lado deste a MCBFC e, atrás destes, dois menores de idade

10. Nessa ocasião, ao cruzarem-se, ainda que a alguns metros, o assistente AJSC, dirigindo-se ao arguido JCFM, chamou-lhe "corno". 11. De imediato, o arguido JCFM perguntou à referida SIMG, se tinha ouvido o que o assistente AJSC, lhe chamara, tendo esta respondido que não, para que ele se não enervasse com tal facto, mas o arguido JCFM ficou efectivamente nervoso e ansioso, 12. O arguido JCFM, que vinha do lado do campo da bola, continuou a conduzir o veículo do "Centro de Dia do Teixoso", e uma centenas de metros depois mudou de direcção, para a sua esquerda, e entrou na Av. S. Salvador, que é a Rua onde o seu filho e arguido CMSM, possui um estabelecimento de café, que fica numa esquina da avenida com uma das várias ruas perpendiculares a esta

13. Entretanto, o assistente AJSC que pusera o seu veículo automóvel de matrícula AD em andamento, e seguira durante alguns metros pela mesma rua e direcção em que circulava o arguido JCFM, em dado momento mudou de direcção para uma rua situada à sua esquerda, perpendicular à Av. S. Salvador, 14. Quando o arguido JCFM circula na Av. de S. Salvador, surge-lhe do lado esquerdo, na esquina, vindo duma rua perpendicular a esta Avenida o veiculo do assistente AJSC

O assistente AJSC ao ver que ai circulava o arguido JCFM, ao cruzar-se com este; abriu o vidro do veículo automóvel em que seguia, deitou a cabeça de fora, e dirigindo-se ao arguido JCFM, disse-lhe em voz alta "ó meu grande corno"

15. Perante esse chamamento o arguido JCFM enervou-se, inverteu o sentido de marcha e foi atrás do veículo conduzido por AJSC

16. Chegados ao entroncamento da Avenida São Salvador - por onde transitavam - com a EN nº18, que liga o Teixoso ao Canhoso, o assistente AJSC virou para o lado do Canhoso, parando o seu veículo a uma distância de 12 metros do mencionado entroncamento

17. O arguido JCFM imobilizou então a carrinha do "Centro de Dia do Teixoso" no referido entroncamento, enervado e algo descontrolado, saiu de imediato do interior do veículo, munido do revólver descrito e examinado a folhas a folhas 30 dos autos, carregado com 6 munições , e dirigiu-se para o local onde se encontrava parado, no interior do veículo, nomeadamente, o assistente AJSC

18. Quando se encontrava a cerca de 5 ou 6 metros do veículo do assistente AJSC, no meio da EN.º 18, o arguido JCFM, com o dito revólver que empunhava, fez um disparo em direcção a este veículo automóvel, cuja bala veio a atingir o vidro da porta esquerda da viatura, estilhaçado-o

19. Acto contínuo, os mencionados AJSC, e mulher, MCBFC saíram do veículo onde se encontravam e dirigiram-se ao arguido JCFM, que mantinha o revólver empunhado, dizendo o arguido JCFM e o assistente AJSC, um ao outro, "anda cá"

20. Enquanto assim se desafiavam, o arguido JCFM ia recuando desde o meio da EN.º 18 e o assistente AJSC e a MCBFC iam avançando em direcção ao mesmo arguido

21. Quando o assistente AJSC e a MCBFC se encontravam a menos de 3 metros de distância do arguido JCFM, este, num clima de grande tensão emocional, começou a disparar na direcção do assistente AJSC e da MCBFC, os cinco projecteis que tinha ainda no revólver, mas estes continuaram a avançar, sendo que um dos projecteis atingiu a MCBFC, na zona do peito, quando se encontrava já a menos de um metro do arguido JCFM e junto à porta da frente do lado esquerdo da carrinha em que se transportava o arguido JCFM

22. Em consequência do projéctil que a atingiu, disparado pelo revólver do arguido JCFM, a MCBFC sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia, junto de folhos 34-37, que aqui se dá por reproduzido, nomeadamente, ferida perfurante no tórax (face anterior), pulmão, pericárdio, coração e região para-vertebral esquerda, no espaço D9-D10, que foram causa directa e necessária da sua morte, no dia 26 de Março de 2000. 23. O AJSC foi atingido por 2 desses disparos, no ombro esquerdo, no pulmão direito e na clavícula direita, tendo-lhe tais disparos causado as lesões descritas a folhas 81 a 87, 108, 115, 121, 129 e 144, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido

24. Estas lesões provocaram ao assistente AJSC uma incapacidade total para o trabalho a partir do dia 26 de Março de 2000, sendo que em 13 de Outubro de 2000 não se encontrava o ofendido ainda curado de tais lesões, necessitando de mais 60 dias com incapacidade para o trabalho e aguardava ser submetido a uma intervenção cirúrgica, tudo conforme auto de exame médico de sanidade junto a folhas 144. 25. As lesões referidas devido ao local do corpo atingido, deixaram a MCBFC sem possibilidade física de se movimentar e levaram à morte desta em alguns minutos

26. No dia 26 de Março de 2000, cerca das 17 horas e 45 minutos quando arguido CMSM estava no seu estabelecimento de café a atender clientes, entrou no mesmo a já referida SIMG, que dirigindo-se àquele disse "CMSM anda depressa, que o teu pai anda ali à porrada". 27. O arguido CMSM saiu de imediato a correr do estabelecimento de café, que dista cerca de cinquenta metros do local onde se encontrava o assistente AJSC e aí chegado, apesar de ver que o AJSC tinha sangue dum lado do pescoço, mas não sabendo que este estava ferido por tiros de bala de revólver, deu-lhe um forte empurrão com a mão, deitando-o ao chão

28. Logo que caiu ao chão, o arguido CMSM deu-lhe 3 ou 4 pontapés nas pernas

29. O arguido JCFM, quis causar lesões mortais à MCBFC, bem sabendo que a sua conduta era adequada a causar a morte desta

30. O arguido JCFM quis causar lesões mortais ao assistente AJSC, só não tendo conseguido causar a morte a este por circunstâncias alheias à sua vontade 31. O arguido CMSM quis provocar lesões físicas e dores ao assistente AJSC, sabendo o arguido CMSM, desde data anterior a 26-3-2000, pelo arguido JCFM, que o assistente AJSC se andava a dirigir àquele chamando-o de "corno"

32. Os arguidos JCFM e CMSM agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são censuradas e proibidas por lei penal. 33. O arguido JCFM é portador de um quadro depressivo crónica - distimia, num fundo de traços de personalidade que consubstanciam um transtorno de personalidade paranóide e, segunda o relatório de perícia psiquiátrica do IML de Coimbra, cujo teor de folhas 655 a 660 aqui se dá por reproduzido, para os factos descritos nos autos justifica-se a invocação da figura da imputabilidade...

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