Acórdão nº 02S1405 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2002

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução12 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório "A", juiz de direito, interpôs recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 19 de Fevereiro de 2002, que confirmou a deliberação do Conselho Permanente desse órgão, de 9 de Julho de 2001, que lhe aplicara a pena disciplinar de aposentação compulsiva. Imputou ao acto impugnado vício de violação de lei, por infracção dos artigos 1.º, 2.º, 13.º, 53.º, 266.º e 267.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa

A entidade recorrida respondeu (fls. 26 a 29), sustentando a legalidade do acto impugnado

O recorrente apresentou alegações (fls. 31 a 34), no termo das quais deu por reproduzidas as conclusões da petição do recurso (fls. 4 a 21), do seguinte teor: "I - A deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura é recorrível em termos doutrinais e jurisprudenciais

II - A interpretação e aplicação da lei e a interpretação e qualificação dos factos na lei que os prevê é um dos aspectos vinculados do poder disciplinar sujeito à sindicabilidade do Supremo Tribunal de Justiça

III - O arguido não foi o primeiro Magistrado a ocupar o lugar de Juiz do 1.° Juízo de Gondomar

IV - O Juízo do arguido foi sobrecarregado com as acções ordinárias (147) e outras provindas do Tribunal de Círculo quando este foi extinto em Setembro de 1999

V - O arguido perdia as terças e quintas-feiras, até à extinção do Tribunal de Círculo, nas funções de vogal deste Tribunal

VI - O arguido, entre Outubro de 1996 e Março de 1997, teve a seu cargo exclusivo o 3.° Juízo Cível de Gondomar durante a licença de parto da M.ma Juiz titular

VII - O arguido findou e despachou 2108 processos, no 1.° Juízo, entre Outubro de 1996 e Maio de 2000 ..

VIII - ... e mais cerca de 100 processos no 3.º Juízo

IX - No 1.° Juízo não havia Juízes estagiários e em regime de pré-afectação como havia nos outros dois Juízos da Comarca

X - Na inspecção feita ao arguido no 3.° Juízo Cível do Porto reconhece-se-lhe "cultura geral e jurídica razoável"

XI - O arguido trabalhava num gabinete sem janela nem o necessário arejamento, prejudicando a sua saúde e eficiência

XII - Todos estes factores foram passados por alto e ignorados no relatório da inspecção e subsequentes arestos

XIII - Os processos a cargo do arguido excederam largamente os contingentes reconhecidos como adequados nos estudos sobre a matéria (v. g. o estudo da Associação Sindical do Norte dos Magistrados Judiciais)

XIV - O estado de saúde do arguido limitava fortemente a sua capacidade de trabalho

XV - Ignorou-se este importante facto e, sem a mínima humanidade, entendeu-se que ele não tinha qualquer efeito no desempenho do arguido, que deveria movimentar e decidir mais processos! (artigo 46.° da acusação)

XVI - O arguido estava e está doente, desmaiou várias vezes e estava separado da família, o que o afectava muito

XVII - Tudo o acima descrito não foi levado em conta

XVIII - Face ao quadro supra não deve assacar-se culpa ao arguido, sendo todos aqueles factores insusceptíveis de controle por sua parte

XIX - O arguido não é responsável pelo desprestígio da máquina judicial

XX - Foi por brio profissional que tentou sobreviver em tais hostis condições, aceitando todo o trabalho que lhe distribuíram para além do próprio do 1.° Juízo

XXI - E nunca recorreu à baixa médica

XXII - A situação do 1.° Juízo da Comarca de Gondomar é semelhante à de muitos outros Juízos existentes no País

XXIII - Nada prova a inaptidão do arguido para as funções referidos no artigo 34.º, n.°s 2, 3 e 4, do Estatuto Disciplinar dos Magistrados Judiciais

XXIV - A irreversibilidade do alegado mau desempenho do arguido é uma afirmação que carece de fundamento, mormente se esse desempenho tiver origem na saúde do arguido

XXV - Tal conclusão, sem facto que a justifique, viola o princípio in dubio pro reo e ..

XXVI - ... os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade consignados no artigo 266.° da Constituição

XXVII - Daí que a decisão recorrida enferme do vício de violação de lei, tendo sido infringidos os artigos 266.° e 267.º, n.º 2, da Constituição da República, bem como os artigos 1.°, 2.° e 13.º do mesmo diploma e ainda o artigo 53.°, na medida em que o Juiz é também um agente da função pública." A entidade recorrida apresentou alegações (fls. 36 e 37), nas quais reitera o aduzida na precedente reposta

O representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu o parecer de fls. 39 a 41, no sentido do improvimento do recurso

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir

  1. Matéria de facto Dos elementos constantes dos presentes autos e do processo disciplinar apenso resultam provados os seguintes factos, com interesse para a decisão do recurso: A) Por deliberação de 26 de Maio de 2000 do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (fls. 50 a 59 do processo apenso), foi confirmada a deliberação do Conselho Permanente do mesmo órgão, de 29 de Junho de 1999 (fls. 33 a 44 do mesmo processo), que, na sequência de inspecção ordinária aos serviços do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, que abrangeu o período de 4 de Janeiro de 1996 a 25 de Junho de 1998, atribuiu ao recorrente a classificação de "Medíocre", com a consequente suspensão do exercício de funções, bem como a instauração de inquérito por inaptidão para esse exercício; B) Concluído esse inquérito, o respectivo Instrutor elaborou, em 5 de Julho de 2000, o relatório constante de fls. 332 a 369 do mesmo processo, concluindo que o magistrado inquirido "revela inaptidão profissional para o exercício das funções de Juiz de Direito, o que o torna incurso na situação prevista nos artigos 85.º, n.º 1, alínea f), 90.º, n.º 1, e 95.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais)", pelo que propôs a conversão do inquérito em processo disciplinar; C) Por deliberação do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, de 26 de Setembro de 2000 (fls. 371 do mesmo processo), foi determinada a conversão do inquérito em processo disciplinar; D) Concluído o processo disciplinar, o respectivo Instrutor elaborou, em 14 de Fevereiro de 2001, o relatório constante de fls. 565 a 603 do citado processo, concluindo pela formulação da proposta de aplicação ao arguido, nos termos dos artigos 96.º, 95.º, n.º 1, alínea c), 85.º, n.º 1, alínea f), e 90.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, da pena de aposentação compulsiva; E) Por deliberação de 9 de Julho de 2001 (fls. 608 a 645 do processo apenso), o Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura decidiu sancionar o arguido com a pena de aposentação compulsiva; F) O arguido reclamou dessa decisão para o Plenário desse órgão, que, por deliberação de 19 de Fevereiro de 2002 (fls. 666 a 698 do processo apenso), inferiu a reclamação e conformou a decisão impugnada; G) Nessa deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura foram dados por apurados os seguintes factos: 1)...

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