Acórdão nº 02S1583 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução16 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório: A, intentou, em 17 de Março de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B, pedindo que: A) se declare: (i) a existência e vigência de um contrato de trabalho entre as partes, cujo início de vigência remonta a 1986; (ii) que a suspensão do contrato de trabalho, a violação do dever de ocupação efectiva, a ausência de retribuição e os demais fundamentos invocados conferem ao autor o direito de se despedir com justa causa; e (iii) que o despedimento do autor ocorreu em 4 de Novembro de 1998; e, consequentemente, B) seja a ré condenada no pagamento de: (iv) 226000 florins (20340000$00), pelo incumprimento do artigo 58, n. 1, do CCT para os jornalistas da imprensa diária (que confere o direito a perceber 1/30 da remuneração por cada dia completo de trabalho externo); (v) 56000 florins (5040000$00), pelo incumprimento do artigo 7, n. 2, do Decreto-Lei n. 421/83, de 2 de Dezembro (acréscimo de 100% da retribuição normal por prestação de trabalho suplementar em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em dia feriado); (vi) 91000 florins (8190000$00), a título de indemnização por despedimento; (vii) 17500 florins (1575 000$00), a título de férias e subsídios de férias e de Natal relativos às proporções da actividade prestada em 1998; (viii) 310435$00, a título de despesas efectuadas no interesse e por conta da ré, pagas pelo autor; (ix) 5000000$00, a título de danos não patrimoniais; e (x) juros sobre todas as quantias peticionadas, calculados à taxa legal, desde a citação da ré

Para tanto, aduziu, em síntese, que: (i) desde 1972 exerce a sua actividade profissional de jornalista para o jornal A Bola, de que a ré é proprietária, o que fez, inicialmente, como colaborador, no âmbito de uma mera prestação de serviços, que permitia ao autor aceitar e executar as solicitações da redacção de A Bola, como permitia rejeitar, sendo remunerado à peça, e acumulando, nessa altura, a actividade de jornalista desportivo com a profissão de agente de viagens; (ii) em Março de 1984, foi viver para a Holanda, e em 1986 ingressou nos quadros de A Bola, tendo as negociações com vista à celebração do contrato de trabalho sido entabuladas pelo jornalista C, em Paris, tendo-se mantido a laborar para A Bola até Setembro de 1987, altura em que suspendeu a sua actividade laboral, com a anuência da ré; (iii) em 1989, regressou à actividade de jornalista de A Bola, em regime de exclusividade, por imposição da ré, tendo, por obrigação contratual, deixado de colaborar com rádios, televisão e outros jornais, e, assim, deixado de auferir as respectivas remunerações; (iv) o autor detinha na ré a categoria de "correspondente internacional", exercendo a sua actividade em execução das ordens e sob a direcção da ré, emanando tais ordens da Redacção ou da Direcção do jornal e concretizadas na Agenda do jornal, mediante uma prestação fixa mensal, que, ultimamente, tinha o valor de 7000 florins mensais, e à qual acrescia o subsídio de férias e o subsídio de Natal; (v) ao autor competia "cobrir" jornalisticamente os maiores eventos desportivos, sendo-lhe cometida a cobertura jornalística de outros acontecimentos organizados pela UEFA e pela FIFA, onde, na prática, representava A Bola e, como jornalista de A Bola, estava em todos os eventos desportivos, tendo representado sempre este jornal nas reuniões da ESM (European Sports Magazine), sendo A Bola membro desta associação; (vi) foi por ideia do autor que a ré passou a organizar a "Gala Internacional de A Bola", tendo sido encarregado pela Direcção do jornal de promover, dirigir e organizar tal "Gala", sendo da sua responsabilidade o convite dos mais altos representantes do futebol europeu e mundial; (vii) em meados de 1996, tendo sido convidado pela Direcção do Sport Lisboa e Benfica para a assessorar, comunicou tal convite à ré, que aceitou a suspensão do contrato de trabalho, com garantia da retoma da actividade laboral logo que cessasse a suspensão, o que ocorreu em Outubro de 1997, data em que retomou a sua actividade; (viii) desde Outubro de 1997 até Junho de 1998, manteve a sua actividade laboral, tendo, nesse mês, sido incumbido de "cobrir" o Campeonato do Mundo de Futebol, que se disputou em França, tendo-lhe sido atribuída a missão de coordenar a "equipa" de jornalistas de A Bola que se instalou em Paris; (ix) no dia 13 de Junho de 1998, depois do jogo Holanda-Bélgica, furtaram o telemóvel do autor, que deu conhecimento imediato do sucedido à ré, uma vez que tal telemóvel era pertença da ré, tendo esta informado que não lhe seria entregue outro; (x) em 30 de Junho de 1998, inexplicavelmente, foi-lhe comunicada a suspensão da sua actividade, através de missiva dirigida a uma empresa que o autor fundara quando exerceu a sua actividade para o Sport Lisboa e Benfica, o que a ré fez de forma a criar a ilusão de que entre ela e o autor vigorava um contrato de prestação de serviços; (xi) o autor, através do seu mandatário judicial, procurou obter esclarecimentos, tendo, em retaliação, a ré endereçado à referida empresa uma missiva, datada de 27 de Julho de 1998, onde lhe comunicava a existência de divergências de interpretação e no enquadramento do acordo e dava por concluído um alegado contrato de prestação de serviços; (xi) conclui que, por tudo o exposto, entre autor e ré não vigorava um contrato de prestação de serviços, só que a ré, por virtude de o autor residir na Holanda, entendia que não lhe devia pagar algumas prestações complementares que atribuía aos jornalistas residentes em Portugal sempre que deslocados para o estrangeiro; (xii) a ré não lhe pagou a retribuição complementar a que alude o artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, nem as despesas que teve de efectuar com a cobertura do Mundial de Futebol, em França, no interesse da ré, totalizando estas 310435$00; (xiii) a ré, em 2 de Julho de 1998, pagou-lhe o seu vencimento, tendo-lhe pago anteriormente, em 30 de Abril de 1998, o seu vencimento e as férias, pelo que o autor se manteve na expectativa durante os meses de Agosto e Setembro, até que, face ao insucesso das diligências encetadas, dirigiu à ré, em 26 de Outubro de 1998, uma comunicação, de que junta cópia como documento n.º 36, à qual se seguiu, em 3 de Novembro de 1998, a comunicação rescisória junta como documento n.º 37, onde o autor invocou a justa causa para se despedir, que a ré recebeu, pelo menos, no dia 4 de Novembro de 1998; (xiv) ficou profundamente abalado, perturbado e angustiado com toda esta situação, por se ver, de repente, sem emprego e com encargos familiares para fazer face, o que lhe provocou um estado psíquico de desespero e uma crise familiar, decorrente da perda da imagem que usufruía perante a mulher e filhos

A ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, e reconveio (fls. 48 a 79). Por excepção, invocou a incompetência do Tribunal para decidir o pleito, por considerar que o contrato a que se reportam os autos é um típico contrato de prestação de serviços, do tipo avença, inexistindo os elementos caracterizadores de uma relação jurídica de trabalho. Por impugnação, sustentou que: (i) a relação de prestação de serviços que reconhece foi estabelecida entre a ré e a SPM - Sport Promotion and Marketing, e não com o autor, actuando este apenas como representante daquela sociedade, embora fosse o autor quem, indirectamente, realizava os serviços compreendidos no contrato de prestação de serviços celebrado entre a ré e a referida SPM; (ii) à cautela, independentemente do contrato que venha a ser reconhecido e do outro sujeito da relação jurídica para com a ré, tal contrato só teve início em Outubro de 1997, tendo cessado em 27 de Julho de 1998, com o envio pela ré da carta mencionada pelo autor, através da qual foi revogado pela ré o contrato de prestação de serviços estabelecido com a SPM, na sequência de ameaças e injúrias proferidas pelo autor, sócio e representante daquela sociedade, contra os gerentes da ré Eng.º D e Dra. E; (iii) estas ameaças e injúrias, dada a sua gravidade, constituem justa causa de despedimento, na hipótese de se considerar a existência de um contrato de trabalho, e, mesmo numa perspectiva laboral, não está agora em causa a eventual ilicitude formal do despedimento, por ausência de processo disciplinar, porque o autor não arguiu essa anulabilidade, antes optou por rescindir unilateralmente o contrato; (iv) ainda assim, à data do envio da carta pelo autor, já se verificara a caducidade do pretenso direito de rescisão unilateral do contrato, uma vez que os factos invocados pelo autor ocorreram há mais de 15 dias (artigo 34.º, n.º 2, do "Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo", aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro - doravante designado por LCCT), além de que foi o comportamento do autor, ao ameaçar de agressão e insultar gerentes da ré, quem deu causa à cessação do contrato, pelo que o mesmo se colocou numa situação de venire contra factum proprium; e (v) de qualquer forma, o autor não tem direito à totalidade das quantias reclamadas na petição, em virtude de: (1) o subsídio de deslocação não ter aplicação ao contrato de prestação de serviços e, mesmo no caso de se considerar a existência de um contrato de trabalho, a retribuição do autor e a natureza deslocalizada do contrato excluíam o pagamento daquele subsídio; (2) o autor não ter prestado qualquer trabalho suplementar, pelo qual devesse ser remunerado; (3) não há lugar à pretendida indemnização por antiguidade e, mesmo que houvesse, o seu valor teria de ser inferior ao reclamado pelo autor, dada a data do início do contrato; (4) não há lugar ao pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal; e (5) não tem justificação a pretendida indemnização por danos não...

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