Acórdão nº 02S1906 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2002 (caso NULL)

Data30 Outubro 2002
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório Na tentativa de conciliação efectuada nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho, não sendo questionados nem a qualificação do acidente como de trabalho, nem o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas pelo sinistrado A, nem as sequelas desse acidente, nem a retribuição auferida pelo sinistrado, verificou-se desacordo quanto à entidade responsável: (i) a entidade patronal B não aceitou qualquer responsabilidade, em virtude de ter transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a C, através da apólice n.º 310178/AT, na modalidade de seguro por área, e para a D, através da apólice n.º 5 129 887, na modalidade de folhas de férias; (ii) a C, não assumiu qualquer responsabilidade pelas consequências do sinistro, atendendo a que a mesma é da responsabilidade da seguradora D; e (iii) a D, não assumiu qualquer responsabilidade por o acidente ter ocorrido em obra garantida pela aludida apólice da C (cfr. auto de fls. 58 e 59)

O sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, intentou acção contra a entidade patronal e as duas seguradoras pedindo a condenação das rés no pagamento: (i) da quantia de 168 356$00 que despendeu em medicamentos, fraldas, sondas e peças para a cadeira de rodas; (ii) da pensão anual e vitalícia de 1 047 448$00, com início em 22 de Maio de 1998, acrescida de 10% a favor de sua filha menor E; (iii) de uma prestação suplementar de 261 872$00 anuais, por necessitar da assistência permanente de outra pessoa; e ainda (iv) de juros de mora, à taxa legal, desde 22 de Maio de 1998 (petição de fls. 61 a 63)

Citadas as rés, contestou a F (fls. 71 a 75), que incorporara, por fusão, a C, aduzindo, em suma, que o contrato de seguro por si celebrado com a entidade patronal do sinistrado não cobria o acidente em causa e que, ainda que o cobrisse, o mesmo seria nulo por força de o mesmo risco estar coberto com o seguro celebrado anteriormente com a D. Esta, por seu turno, também contestou (fls. 96 a 101), afirmando que o sinistro estava coberto pelo contrato de seguro celebrado com a C (a que sucedeu a F) e que não era abrangido pelo contrato de seguro por folhas de férias com ela (D) celebrado. Por seu turno, a entidade patronal, na sua contestação (fls. 106 a 108), sustentou a validade da transferência da sua responsabilidade para a D e, à cautela, aduziu que se aquela transferência viesse a ser julgada ineficaz, a responsabilidade estaria transferida para a C (agora F)

Após respostas das seguradoras (fls. 112-113 e 114-117), foi fixada ao sinistrado a pensão provisória de 1 047 488$00, acrescida da prestação suplementar de 261 862$00, a suportar, em partes iguais, pelas duas seguradoras (despacho de fls. 147-148, rectificado a fls. 165), proferido despacho saneador (fls. 148) e elencados os factos assentes e a base instrutória (fls. 148-150), contra os quais a F reclamou (fls. 159-160), sem sucesso (despacho de fls. 171)

Realizada audiência de julgamento, foram dadas à base instrutória as respostas constantes de fls. 190, que não sofreram reclamações, após o que foi proferida a sentença de 2 de Novembro de 2000 (fls. 193 a 200), que absolveu a F, e a entidade patronal do pedido e condenou a D, a pagar ao autor: (i) com início de vencimento em 22 de Maio de 1998, dia imediato ao da alta, a pensão anual e vitalícia de 1 047 448$00, acrescida da prestação de 104 745$00, por o sinistrado ter um familiar - filha - na situação descrita na alínea a) do n.° 1 da Base XVI da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, pagamento esse a efectuar em duodécimos e no domicílio do autor; (ii) o montante de 261 862$00, a título da prestação suplementar a que se refere a Base XVIII da mesma Lei; (iii) um duodécimo suplementar, em Dezembro de cada ano, a título de subsídio de Natal; e (iv) a importância de 168 356$00, que o autor despendeu em medicamentos, fraldas, sondas e peças para a cadeira de rodas - sendo as prestações já vencidas pagas de uma só vez, com a primeira vincenda, acrescidas dos juros de mora à taxa legal, de acordo com o disposto nos artigos 138.° do Código de Processo do Trabalho e 559.° do Código Civil, e sendo ainda a D condenada, ao abrigo do artigo 69.° do Código de Processo do Trabalho, a proporcionar e fornecer ao sinistrado a cadeira de rodas, sondas, fraldas e medicação que se mostre adequada, conforme prescrito no auto de exame médico de fls. 53

Nessa sentença, apreciaram-se e decidiram-se, sucessivamente, três questões: (i) a validade e eficácia do seguro celebrado com a C (agora F); (ii) a validade e eficácia do seguro celebrado com a D; (iii) afirmada a validade e eficácia iniciais de ambos os seguros, quais as consequência da dupla cobertura do mesmo risco

Na verdade, nessa sentença começou por registar-se que: "Pelas posições assumidas pelas partes, verifica-se que está em discussão uma única questão: a responsabilidade pelas consequências do acidente

Nos termos pressupostos pelas Bases II e XLIII da Lei n.° 2127, de 3 de Agosto de 1965, e pelos artigos 4.° e 70.° do Decreto n.° 360/71, de 21 de Agosto, a responsabilidade pelas consequências de acidente de trabalho cabe, em princípio, à entidade patronal

O n.° 1 daquela Base XLIII impõe, contudo, a obrigação de transferência dessa responsabilidade patronal para entidades legalmente autorizadas a realizar o seguro

Ora, no caso presente, a ré patronal transferiu essa responsabilidade para as rés seguradoras, através de contrato com cada um delas: o de fls. 7 a 17 e 133 a 136, na modalidade de seguro «por área», com a Portugal Previdente, incorporada na ré F, e o de fls. 84 a 87, na modalidade de prémio variável por folhas de férias, com a ré D

Como tal, e em princípio, tinha a ré patronal a sua responsabilidade infortunística transferida. A questão que se põe, e que as seguradoras levantam, é qual o contrato de seguro que abrange o acidente dos autos. É que cada uma delas entende que é o celebrado com a outra." Quanto à validade e eficácia do seguro com a C (agora F), ponderou e decidiu a sentença o seguinte: "O contrato de seguro é um contrato formal, como decorre do disposto no artigo 426.° do Código Comercial, que exige a sua redução a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro

Como negócio jurídico bilateral que é, o contrato de seguro materializa duas ou mais declarações de vontade convergentes, com vista à produção de um efeito jurídico unitário

Para a delimitação do objecto do contrato de seguro há que interpretar então as condições, gerais e especiais, da apólice do contrato. Essas condições têm natureza contratual e não uma natureza normativa

A sua interpretação tem de ser feita, consequentemente, em conformidade com as regras de interpretação dos negócios jurídicos

Assim, e em conformidade com o disposto no artigo 236.°, n.° l, do Código Civil, o sentido a atribuir às referidas condições deve ser aquele que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante

O n.° 1 da cláusula 1.ª da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho - Riscos Traumatológicos, aprovada pela Portaria n.° 633/71, de 19 de Novembro, que foi publicada com esta Portaria, dispõe o seguinte: «O seguro transfere para a seguradora e esta assume, de acordo com a legislação em vigor e nos termos da apólice, a responsabilidade pelos encargos provenientes de acidentes de trabalho em relação aos trabalhadores ao serviço daquele, abrangidos pelo contrato.» Nos termos do n.° 2 da mesma cláusula, o contrato só não abrangerá os acidentes ocorridos na prestação de serviços que não sejam expressamente declarados nas condições particulares da apólice

Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra, de 19 de Maio de 1987, Colectânea de Jurisprudência, 1987, tomo II, pág. 67, aceite a proposta pela seguradora, as cláusulas da apólice a considerar são as que resultam das declarações do proponente segurado, valendo as mesmas com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição da declaratária seguradora, pudesse ter deduzido do comportamento do declarante

Sem esquecer que, nos negócios formais como o contrato de seguro, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto da proposta e subsequente apólice de seguro, ainda que imperfeitamente expresso, como prescreve o artigo 236.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil

No caso concreto, e analisando a proposta do seguro efectuado com a ré F, temos que o sentido do texto dessa proposta que coincide com o sentido dedutível por um declaratário normal, na posição da declaratária seguradora, é o de que a ré patronal pretendeu segurar um pedreiro e um ajudante na obra referida na alínea D) dos factos assentes, onde ocorreu o acidente - cfr. proposta de fls. 133 a 136. Com efeito, e mais concretamente a fls. 134, re-fere-se um edifício com 3 pisos, com 90 m2 de área por cada um

Já que mais não fosse por exclusão de partes, dado que a outra obra que a ré patronal levava a cabo na altura era, como a própria ré F alegou e se veio a provar - ponto 2.° da resposta à base instrutória - de uma área de 592 m2, pouco vulgar para uma moradia, e que corresponderia, segundo as palavras dessa ré, a uma estação de serviço - cfr. ponto 14.° da sua contestação

De qualquer modo, e uma vez que se provou que a queda do sinistrado ocorreu numa moradia geminada, em Vagos, não parecem restar dúvidas de que foi essa moradia que esteve na base da celebração do contrato de seguro entre a ré patronal e a ré F

E a ré F não alegou nem provou ter conhecimento de que a vontade real do declarante era diferente daquele sentido (artigo 236.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil). Antes pelo contrário, pelo teor da sua contestação - designadamente os pontos 5.° a 14.° - mostrou ter perfeito conhecimento da vontade real da ré patronal

Por isso, a pequena discrepância entre a área constante da proposta de seguro e a que efectivamente...

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