Acórdão nº 02S2322 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelEMÉRICO SOARES
Data da Resolução30 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça. Tendo, em 3 de Maio de 1999, a A , com sede na cidade do Porto, participado ao Sr. Procurador Adjunto junto do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira um acidente de trabalho ocorrido em 21/04/99 que vitimou mortalmente B quando trabalhava para C, correu ali o respectivo processo. Tendo-se gorado a conciliação tentada, propôs D , nos autos melhor identificada, viúva do sinistrado, por si e na qualidade de legal representante da sua filha menor, E , Acção com Processo Especial emergente de Acidente de Trabalho, contra: 1º - A e 2º - C , construtor civil, e mulher F, residentes em Lagoinha, freguesia do Brunheiro, concelho de Murtosa. Pedindo seja a acção julgada procedente e em consequência: I - se condene a 1ª Ré a pagar à A

a) a quantia de 208.667$00 (duzentos e oito mil seiscentos e sessenta e sete escudos) a titulo de reparação de despesas de funeral; b) o montante de 4.000$00 ( quatro mil escudos) a titulo de despesas de deslocação o a este Tribunal; c) por si, a pensão anual e vitalícia, actualizável, de 394.536$00 (trezentos e noventa e quatro mil quinhentos e trinta e seis escudos), com inicio em 22 de Abril de 1999, calculada com base em 30% da remuneração base do marido e que mais tarde, quando perfizer a A . a idade da reforma por velhice, será calculada com base em 40% da mesma remuneração

d) Uma prestação de valor igual ao montante do duodécimo da pensão anual a que a A. tiver direito, a ser paga em Dezembro de cada ano; e) em representação da sua filha menor, E, a pensão anual e temporária de 263.024$00 (duzentos e sessenta e três mil e vinte e quatro escudos), com inicio em 22 de Abril de 1999, calculada com base em 20% da remuneração base do falecido, B até aquela perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou ensino equiparado ou o ensino superior; f) Uma prestação de valor igual ao montante do duodécimo da pensão anual a que a filha da A, E tiver direito, a ser paga em Dezembro de cada ano

Sem prescindir: II - A entender-se que o acidente se ficou a dever à violação das normas de segurança no local de trabalho, pelo 2ºRéu: a) deve ser este condenado como principal obrigado a pagar à; A. as pensões e demais quantias supra peticionadas, quantias essas que serão agravadas nos termos do n.º 2 da Base XVII da Lei 2127, de 03 de Agosto de 1965; b) devendo assim a 1ª Ré ser condenada, em termos subsidiários, a pagar à A. as pensões e demais quantias peticionadas em I, als. a) a f)

III - Se outro for o entendimento deve o 2º Réu ser condenado a pagar à A . as pensões e demais quantias peticionadas em I. als. a) a f)

Em qualquer das circunstâncias acima assinaladas: IV - condenar-se os RR. no pagamento de juros de mora, à taxa legal, des-de 22 de Abril de 1999 até à data do efectivo pagamento, bem como custas e procuradoria

Para tanto alegou que o, respectivamente, seu marido e pai, trabalhando sob as ordens e instruções do 2º R., como pedreiro, no dia 21 de Abril de 1999 foi vítima de acidente por electrocussão, vindo a falecer como consequência directa e necessária das lesões que sofreu; que ao tempo do acidente, vigorava entre os RR. um contrato de seguro de acidentes de trabalho, pelo qual o 2º R. transferira para a 1ª R. a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho, tratando-se de um contrato de seguro de construção civil por área, sendo, em relação ao falecido, pelo valor de 4000 escudos por dia útil; que o corpo do sinistrado foi trasladado de Ovar para Brunheiro tendo com isso e com o funeral a A. gasto 208.666$00 e despendeu 4.000$00 com a deslocação ao Tribunal; que o 1º R. declinou qualquer responsabilidade por considerar que o acidente ficou a dever-se ao desrespeito das normas de segurança, enquanto o 2º R. discordando, defende que cumpriu todas as regras de segurança

Contestaram os RR. C e mulher, enjeitando que o sinistro tivesse ficado a dever-se a violação por parte do R. marido, de regras de segurança, e sustentando que, por isso, não são responsáveis pelo acidente de trabalho dos autos, em sede principal ou subsidiária, cabendo essa responsabilidade por inteiro à R. Companhia de Seguros, para quem a mesma estava transferida através de contrato de seguro válido à data do acidente. Concluem pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos

Pelo seu lado, a Ré Seguradora imputou a morte do trabalhador ao facto de o R., sua entidade patronal, não ter tomado providências adequadas para que o acidente não ocorresse, bem sabendo que os cabos da grua, cujo manuseamento ordenou ao sinistrado, pelo seu cumprimento, características e localização, poderiam entrar em contacto com o condutor eléctrico que o vitimou, pelo que o sinistro deveu-se única e exclusivamente à inobservância pelo 2º R. das disposições legais sobre a segurança no local de trabalho em vários aspectos; que assim, a responsabilidade do acidente cabe, em primeiro lugar ao 2º Réu; que, se se entender que o acidente não se deu por violação das regras de segurança por parte do 2º R., então o acidente terá ocorrido por falta grave e indesculpável do próprio sinistrado.; que, para o caso de a Ré vir a ser condenada no pagamento de quaisquer quantias a título de despesas de funeral o montante legalmente devido é deduzido do que as AA. tenham eventualmente recebido da Segurança Social; que, a ter a Ré de pagar quaisquer quantias aos AA., a remuneração do sinistrado a ter em conta será de 4.000$00 x 313 + 4.000$00 x 52.; que, relativamente ao direito à pensão anual e vitalícia, as AA. não alegam, em termos explícitos, que o sinistrado contribuísse com carácter de regularidade para a sua alimentação

Conclui que a acção deve ser julgada em conformidade com a prova que vier a ser produzida, sendo a Ré contestante absolvida ou limitada a sua responsabilidade, a título subsidiário, à eventual condenação desta no pagamento das prestações a que haveria lugar sem os agravamentos estipulados sempre se tomando por base o salário declarado e após excussão de todos os bens do 2º Réu, com todas as consequências legais

Responderam as AA. e os RR. C e mulher à contestação da Ré Seguradora e respondeu a R. Seguradora à resposta dos 2ºs RR., após o que fixaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamação das partes

Realizado o julgamento com gravação da prova, e proferida decisão sobre a matéria de facto, foi prolatada a sentença de fls. 141 a 144, na qual, considerando-se ter ficado provado que o acidente ocorreu por culpa grave, exclusiva e indesculpável da própria vítima, decidiu-se não haver lugar à reparação, por descaracterização do acidente de trabalho, absolvendo-se os Réus do pedido

Inconformadas, levaram as AA. recurso ao Tribunal da Relação do Porto que, pelo acórdão de fls. 214 a 221, tirado com um voto de vencido, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. Novamente inconformadas, trazem as AA. recurso dessa decisão a este Supremo Tribunal, apresentando a sua alegação que finalizam com as seguintes conclusões: I - Ainda que insindicável, nesta sede, a matéria de facto dada como provada arts.721º, n.º2, 722º, n.º2 e 729, n.º 2 do CPC), uma cuidadosa análise da mesma permite-nos concluir, salvo melhor opinião, que a descaracterização do acidente de que foi vítima B consubstancia uma clara violação da lei substantiva

II - Nos termos do n.º 1, da Base VI, da Lei 2127, o acidente não dá direito a reparação quando: - « provier do acto ou omissão da vítima se esta tiver violado sem causa justificativa as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal» (al. a)), - «provier exclusivamente de falta grave e indesculpável da vítima» (al. b))

São assim pressupostos tónicos á aplicação desta norma: o estabelecimento de condições de segurança por parte da entidade patronal (al. a)); a gravidade e indesculpabilidade da conduta do trabalhador bem...

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