Acórdão nº 02S2677 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDINIS ROLDÃO
Data da Resolução18 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Ultrapassada que foi a fase conciliatória destes autos emergentes de acidente de trabalho, sem que tenha sido possível obter o acordo das partes interessadas, passou o processo à sua fase contenciosa, com a apresentação pelo Autor A no Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis de um articulado inicial contra as Rés "B- Companhia de Seguros, S.A.", e "Construções C, Lda.", no qual pediu que estas sejam condenadas a pagar-lhe: a) A pensão anual e vitalícia de Esc. 616.457S00, com início a 10/7/98, calculada com base no salário anual de Esc. 1.011.934$00 e no coeficiente de IPATH, com IPP residual de 88,97%, a pagar em duodécimos e no seu domicílio, acrescida em Dezembro de cada ano de um duodécimo suplementar a título de subsídio de Natal; b) A quantia de Esc. 363.210$00, referente a indemnização pelas despesas de fraldas de que necessita diária e permanentemente; c) A quantia de Esc. 37.454S00, referente a despesas de transporte para o tribunal e para exames e consultas médicas; d) A quantia de Esc. 1.600$00, referente a despesas em consultas médicas; e) A importância de Esc. 27.479S00, que já gastou em medicamentos; f) Juros de mora, à taxa legal, sobre todas as prestações já vencidas, desde o vencimento de cada uma delas até integral pagamento, conforme dispõe o artº. 138º do CPT; Mais pediu ainda que as Rés sejam condenadas a prestar-lhe todas as prestações em espécie referidas na al. a) da Base IX da Lei n.º 2127, de 318/65, necessárias ao restabelecimento do seu estado de saúde e à sua recuperação para a vida activa. Para tanto, e em síntese, alegou ter sido vítima de um acidente, quando regressava do trabalho, já que prestava então serviço sob ordens, direcção e fiscalização da 2ª Ré, acidente esse que consistiu no embate do velocípede a motor que conduzia com um veículo ligeiro de mercadorias, no percurso normalmente por si utilizado do local de trabalho para a sua residência, após ter ido lanchar a um café próximo da obra onde trabalhava. E, cerca de 15 minutos depois, montou-se no seu velocípede com motor, e iniciou nele o regresso à sua residência, como habitualmente fazia. Como consequência de tal acidente sofreu ferimentos que lhe determinaram um período de ITA e incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com IPP de 88,97%. 2. Citada a Ré "Construções C, Lda.", veio esta contestar acção, arguindo a sua ilegitimidade e dizendo aceitar alguns dos factos constantes da petição, os quais indicou pelos seus números. Disse ainda desconhecer outros factos constantes do mesmo articulado, também por indicação numérica. Pediu a sua absolvição do pedido. 3. Na sua contestação, a Ré "B-Companhia de Seguros, S.A.", alegou, em resumo, que o acidente foi apenas um mero acidente de viação, com violação de regras de segurança da circulação automóvel e que, a ser de trabalho, sempre estaria descaracterizado por ter havido culpa grave e indesculpável da vítima na sua ocorrência. Disse ainda ser o tribunal do trabalho incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção. Concluiu, solicitando a improcedência da acção e a sua consequente absolvição dos pedidos. 4. A Ré "B-Companhia de Seguros, S.A.", respondeu à contestação da co-Ré. Após os articulados foi organizado despacho saneador, no qual o Tribunal se declarou materialmente incompetente e absolveu as Rés da instância. O Autor agravou dessa decisão para a Relação do Porto, a qual, por acórdão de 29 de Maio de 2000, declarou a competência, em razão da matéria, do Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis e revogou o despacho recorrido, ordenando o prosseguimento da acção com a emissão de um outro despacho saneador, com especificação e questionário. Elaborado esse despacho, reclamou a "Companhia de Seguros D, S.A." (sucessora da "B-Companhia de Seguros, S.A.", por incorporação) da especificação e questionário, no que foi atendida. Realizada a audiência de discussão e julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foi lavrada sentença cujo final decisório tem o seguinte teor: "Pelo exposto, considerando os elementos constantes da sua relação laboral, a sua incapacidade e o disposto na Base XVI nº 1 b) da Lei 2127, de 03-08-65, e arts. 50º nº 2, 51º, 52º, 57º e 58º do Dec. 360/71, de 21-08, decido considerar o A. curado em 09-07-98, com I.P. absoluta para o trabalho habitual e I.P.P. residual de 88,97 % e condenar a R. seguradora a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia de 537.676$00 e a R. entidade patronal a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia de 78.781$00. Início do vencimento desta obrigação: 10-07-1998. Os duodécimos vencidos pagam juros à taxa legal (10 % até 16-04-1999 e, a partir desta data, à taxa de 7 %). Em Dezembro de cada ano, as RR. pagarão, ainda, um duodécimo suplementar a título de subsídio de Natal." Condeno, ainda, a seguradora a pagar ao A. 363.210$00, pelas despesas com as fraldas, 18.824$00 pelas despesas com transportes e 600$00 pelas despesas com taxas moderadoras, com juros, à taxa de 7%, a contar de 14.04.99 (auto de não conciliação). Absolver as RR. dos restantes pedidos, sem prejuízo do que venha a ser necessário ao restabelecimento ou recuperação para a vida activa do A.. Custas pelas RR. na proporção do decaimento." (sic) Inconformada, somente a "Companhia de Seguros D, S.A.", interpôs recurso dessa sentença para a Relação do Porto. Conhecendo da apelação, a 2ª instância, por acórdão de 20/03/2002, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida. 5. A mesma Ré, inconformada também com esse acórdão, dele recorre de revista para este Supremo, tendo apresentado alegações em que formula as seguintes conclusões: 1. - Quanto ao momento em que cessa a protecção legal no percurso, deu-se como provado, (respostas aos quesitos 3º. e 4º.) que o sinistrado terminou o seu serviço às 17,30 horas, após o que foi lanchar a um café próximo da obra em que trabalhava, e cerca de quinze minutos depois montou-se no seu velocípede com motor, de matrícula 1-ARC... e iniciou nele o regresso à sua residência. 2. - É entendimento jurisprudencial pacífico o de que se o trabalhador se tem de deslocar a uma farmácia para adquirir um medicamento para si ou para um dos seus familiares, se tem de prestar assistência a alguém da família, inclusive se tem de cumprir deveres cívicos, os desvios do seu percurso que faça para tais efeitos, não representam alteração do percurso normal, sempre e só pelo período de tempo necessário à satisfação de tais imperiosos deveres ou necessidades pessoais. 3. - A lei protege o trabalhador enquanto o mesmo regressa, de facto, a casa após o trabalho, por considerar que este percurso é ainda uma extensão do mesmo trabalho; contudo, tal protecção cessa quando esse percurso é interrompido por iniciativa pessoal do trabalhador que, por assim dizer, «põe a fim à protecção legal», nomeadamente para gozar momentos de ócio com amigos no café. 4. - O período de tempo é perfeitamente indiferente para a aplicação da Lei, já que, a paragem - desde que não justificada pelas mencionadas necessidades imperiosas do trabalhador - faz cessar o halo de protecção em que o trabalhador vinha envolvido pela lei, do trabalho até casa. 5. - Interrompido aquele percurso normal por livre e espontânea vontade do trabalhador passou este a agir, ou, se se quiser, a circular por sua conta e risco, uma vez que as deslocações feitas a partir daquele momento, para casa ou para qualquer outro local, derivam do gosto, do interesse, da vontade do trabalhador, não tendo todavia conexão alguma com o desempenho da sua actividade profissional. Ac. Rel. Évora, de 15.10.87 CJ, Ano XII, T. 4, pág. 324, o que igualmente decorre do Acórdão deste Venerando Tribunal de 05.02.90, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3f... 6. - Se, após o período laboral, antes de iniciar o percurso de regresso, o trabalhador praticar actos determinados por interesses próprios, tais como lanchar, passear, ir ao cinema, ficar a conversar com os amigos ou conhecidos, visitar familiares, voluntariamente abandona o vínculo de autoridade, desprende-se da relação laboral para iniciar a prática de actos que só à sua vida particular respeitam. 7. - Tanto a letra, como o espírito da lei - Base V nº. 2 al. b) da Lei nº. 2127 e artº. 11 do Dec. 360/71, de 21.08 - não comportam uma interpretação extensiva que abranja um percurso de regresso realizado a qualquer hora, pois o sentido das apontadas normas é o de conferir protecção ao trabalhador, única e exclusivamente, no período directamente relacionado com a sua actividade laboral: ida, trabalho, regresso. 8. - A este entendimento óbvio, abre a lei uma excepção (artº. 11º Dec. 360/71 nº. 2): que o percurso tenha sofrido interrupções... determinadas pela satisfação de necessidades imperiosas do trabalhador...», expressão legal que significa algo de excepcional, absolutamente indispensável, inevitável, inelutável, muito próximo da catástrofe, ao lado do estado de necessidade desculpabilizante do direito penal. 9. - No acórdão em crise, esta questão apenas foi analisada e interpretada na perspectiva das circunstâncias que...

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