Acórdão nº 02S2773 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Fevereiro de 2003

Magistrado ResponsávelVITOR MESQUITA
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório A (casado, residente na Praceta Frei Francisco do Rosário, n.º .... , 2830-263 Barreiro), intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, acção declarativa condenatória, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra B (com sede na Rua Newton, n.º..., ..., 1170 Lisboa), pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento, promovido por esta, ou, se tal não for entendido, que a sanção disciplinar aplicada seja considerada abusiva e, em consequência, a condenação da Ré a pagar-lhe os salários vincendos desde os trinta dias anteriores à propositura da acção até à sentença, incluindo férias e subsídio de férias e de Natal, a reintegrá-lo, caso por tal venha a optar, ou a pagar-lhe a indemnização por despedimento, ou por sanção disciplinar abusiva, liquidada no mínimo de 1.781.000$00, a pagar-lhe a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de 4.200.000$00, bem como juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos até integral pagamento. Alegou, para o efeito, e em síntese, ter sido admitido ao serviço da Ré em 01 de Julho de 1988, para trabalhar sob a sua autoridade e direcção, por tempo indeterminado, com a categoria profissional de fotocompositor. Na sequência de um processo disciplinar que lhe instaurou, a Ré aplicou-lhe a sanção disciplinar de despedimento. Embora a conduta que lhe é imputada constitua infracção disciplinar, não impossibilita, de forma definitiva, a relação de trabalho: a aplicação de tal sanção constituiu o culminar de uma série de comportamentos da Ré humilhantes para com o Autor, incluindo os de não atendimento das reclamações por este apresentadas para que lhe fossem dadas melhores condições de trabalho. Tais comportamentos da Ré causaram ao Autor danos não patrimoniais, que discrimina. Em razão de tais factos, são-lhe devidas as importâncias supra referidas.Tendo-se procedido à audiência de partes, não se logrou obter o acordo destas, pelo que de imediato foi a Ré notificada para contestar a acção, e designada data para julgamento. Contestou a Ré, pugnando pela existência de justa causa de despedimento e negando ter praticado actos ilícitos e danosos para com o Autor. Pede, por consequência, que a acção seja julgada improcedente. Os autos prosseguiram os seus termos, tendo-se procedido a julgamento, e em 03-10-2001 proferido sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 3.000.000$00, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, até integral pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado pelo Autor. Inconformados, Autor e Ré recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por douto acórdão de 20 de Março de 2002 negou provimento quer à apelação do Autor, quer à apelação da Ré, confirmando a douta sentença recorrida. Novamente inconformados, Autor e Ré recorreram de revista. Nas alegações apresentadas, o Autor formula as seguintes conclusões: 1- Da não impossibilidade a) Tendo o A. sugerido a PERMISSÃO de trabalhar noutro computador existente no local b) A sua negativa reconheceu o PODER DECISÓRIO da entidade patronal, o que releva como dando à sua negativa um carácter não absoluto e, de resto, esporádica porque circunstancial (só existiu pelas circunstâncias que se mostram não renováveis). c) Assim a relação laboral não está, OBJECTIVAMENTE, impossibilitada. 2 - Da culpa atenuada: a) Por outro lado, na culpa do A. é detectável a influência da acção ilícita da Ré b) Daí a atenuação (além de o A. ter sugerido permissão) c) Em que o princípio da proporcional idade converte em desajustada a pena máxima do despedimento. 3 - Da não exauriência do processo causal pelo Autor: a) A acção do A., pela reconhecida acção ilícita da Ré, não esgota a relação causal com o grau de perturbação que a relação jurídico-laboral sofreu b) Já que todo o circunstancialismo se reflectiu no processo causal. 4 - Foi violado o princípio da proporcionalidade e os art.ºs 27 do C.I.T. e 9 do R.J.C.C.T. B) O A. foi o único que sofreu. E sofreu bem. O tempo em que perdurou a acção ilícita da Ré não é o único factor relevante, sendo o sofrimento do A., conjugado com aquela, que justifica o pedido inicial nos danos morais nos termos dos art.ºs 483, n.º 1, 496, n.º1 e 3, 562 e 563, do C. Civil. Estes normativos implicitam o montante pedido. Por sua vez, nas alegações apresentadas, a Ré formula as seguintes conclusões: a) A decisão constante do douto acórdão recorrido de condenação da recorrente no pagamento da indemnização por danos morais arbitrada, baseia-se em juízos conclusivos, não tendo sido provados factos susceptíveis de suportarem aquelas conclusões. Com efeito, b) Concluiu-se aí que o ar que saía dos respiradouros, onde se situava o posto de trabalho do recorrido, era suficiente para causar ao A. muito frio, sem que estivesse provado que se verificava no seu local de trabalho uma situação real, efectiva e objectiva de frio não tolerável e, c) Sendo certo que essa sensação de frio não era partilhada por mais nenhum dos colegas do A. que trabalhavam na sala onde se situava o seu posto de trabalho e contíguos ao seu e, d) Sendo ainda certo que se encontra provado que todos os respiradouros existentes no tecto da sala onde se situava o local de trabalho do A., desde sempre, se encontravam tapados com uma cobertura com orifícios. e) Conclui-se que a recorrente não se deu ao trabalho de mudar a localização do posto de trabalho do recorrido sem que estivesse provado nos autos que qualquer outra arrumação naquele espaço físico se mostrava como possível, sem que tão pouco qualquer reclamação nesse sentido tivesse sido efectivamente apresentada f) Conclui-se por que a recorrida se mostrou indiferente às queixas do recorrido sem que tivessem sido provados factos susceptíveis de temporalizar e concretizar este juízo conclusivo, quando é certo que g) a recorrente foi diligente na criação das adequadas condições de trabalho no seu estabelecimento, tendo requerido prontamente o licenciamento desse seu estabelecimento acolhido todas as recomendações que efectivamente lhe foram feitas pelas entidades oficiais competentes que h) prontamente adoptou as medidas propostas para evitar a verificação de uma corrente de ar que se criava entre a clarabóia do 1.º andar e a porta da rua do estabelecimento, quando a porta da sala onde estava situado o local de trabalho do A. se abria, única reclamação que lhe foi presente como estando relacionada com a verificação ou ocorrência de situação de frio i) O invocado sentimento de revolta sentido pelo A., ora recorrido que alegadamente estará na origem duma doença depressiva, não decorre dos autos que tenha nexo legitimo de causalidade em conduta, activa ou passiva, da recorrente j) De nenhum dos atestados médicos juntos aos autos se pode extrair a conclusão que a situação de depressão do A. terá tido origem e causa em conduta omissiva da R. quanto a reclamações suas e designadamente quanto a qualquer concreta reclamação relacionada com a existência de eventual frio, no inverno, com origem na circulação de ar através dos respiradouros, situação esta que apenas foi suscitada na acção. k) Não existe assim qualquer conduta voluntária ou meramente culposa da recorrente que justifique a sua condenação em qualquer indemnização por danos morais. l) Independentemente do antes referido, e mesmo que assim não fosse o que se admite para efeitos de mera discussão mas sem transigir, afigura-se que, em qualquer caso a indemnização por danos morais se mostra como absurdamente excessiva. m) O acórdão recorrido ao condenar a recorrente numa indemnização por danos morais violou o disposto no art.º 483 do Código Civil, devendo por isso mesmo ser revogado. n) Ainda que se admitisse a existência de fundamento para a fixação de uma indemnização por danos morais, o que se admite para efeitos de mera discussão mas sem transigir, certo é que a indemnização fixada, atenta a matéria que no acórdão recorrido se deu como provada, o foi, em clara contradição com o sentido unânime da muita jurisprudência produzida, e assim fixada em violação dos critérios de razoabilidade e ponderação que decorrem dos art.ºs 496 e 562 do C.C., razão por que deve a sentença recorrida, em qualquer caso ser substituída por outra que fixe um valor indemnizatório substancialmente mais reduzido. Autor e Ré apresentaram as respectivas contra-alegações nas quais pugnaram que seja negado provimento ao recurso da parte contrária. Por o Autor ser patrocinado pelo Ministério Público, a Ex.a Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal não se pronunciou sobre o objecto do recurso de revista interposto pela Ré. II. Enquadramento fáctico É a seguinte a matéria fáctica dada por assente nas instâncias, que este STJ aceita, por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração: 1...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT