Acórdão nº 02S3502 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução20 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório. "A", com os sinais dos autos, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra a Empresa Industrial B, Lda., com sede em Guimarães, invocando, com base em diversos vícios que poderão ter inquinado o processo disciplinar, a ilicitude da sanção de despedimento que lhe foi aplicada, pedindo a condenação da Ré na reintegração na sua categoria, bem como no pagamento das retribuições vencidas desde a data do despedimento. Em apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa, negando provimento ao recurso interposto pelo Autor, manteve a decisão de primeira instância que havia julgado a acção parcialmente procedente, condenando a ré no pagamento de parte das retribuições reclamadas, mas absolvendo-a quanto à declaração de ilicitude do despedimento. É contra este entendimento que o Autor se insurge, através do presente recurso de revista, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1) A discordância com o douto acórdão de que se recorre, proferido com um voto de vencido, é total, já que o Tribunal "a quo" deu como provado factos demonstrativos de que o recorrente não cometeu as infracções que lhe eram imputadas na nota de culpa e no processo disciplinar que lhe foi instaurado e apesar disso, e ao contrário do que se poderia esperar, surpreendentemente, ter decidido pela existência de justa causa no seu despedimento, e ainda ter decidido que o processo disciplinar movido contra o recorrente não enferma de qualquer nulidade: 2) A questão fundamental que se tem necessariamente de aqui levantar é se o recorrente, tendo em conta toda a matéria de facto assente, teve um comportamento culposo, que pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; 3) A resposta a tal questão só poderá ser negativa, já que o recorrente não cometeu nenhum comportamento culposo, que possa justificar o seu despedimento (obviamente tendo em conta toda a matéria de facto que se encontra assente nos presentes autos; 4) Na verdade dos factos provados resulta claramente que todos os comportamentos do recorrente-mesmo aqueles que se poderão entender por menos correctos - são justificados no quadro e à luz da gestão da empresa e de acordo com o trabalho e as tarefas que lhe eram impostas, sendo certo que, e ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu a final decidir, não se apurou, que em momento algum o recorrente se tenha locupletado indevidamente à custa da sua entidade patronal, com o que quer que fosse; 5) Importa também realçar que são apenas os factos alegados na nota de culpa que podem sustentar a legalidade da decisão de despedir, competindo sempre à entidade patronal, quando impugnado judicialmente o despedimento, fazer a prova da veracidade dos factos que fundamentaram a decisão de despedir; 6) No caso presente a recorrida, em sede judicial, não logrou provar factos suficientes que permitam justificar o despedimento do recorrente com invocação de justa causa; 7) Em síntese, decorre da nota de culpa e da decisão final, que a recorrida imputa ao recorrente duas condutas culposas e ilícitas, passíveis de justificar o seu despedimento com justa causa: Conduta A - Por ter entre 3 de Maio e 9 de Julho de 1999 apresentado, sem a autorização da recorrida (o sublinhado é nosso) comprovativos, para que lhe fosse paga a despesa do pequeno almoço de um local diverso daquele onde a despesa era realizada; Conduta B - Por, pelo menos, durante o período compreendido entre 3 de Maio e 9 de Julho de 1999, ter-se locupletado indevidamente, de uma quantia no valor de Esc. 97.745$00, a qual resultava da diferença entre o valor real dos almoços que realizava em Lisboa (segundo a recorrida a esmagadora maioria das vezes eram realizados na cantina do Hotel Radisson e pelo montante de Esc. 600$00 cada) e os comprovativos que apresentava para ser reembolsado dessa despesa, no período de 3 de Maio a 9 de Julho de 1999; 8) Sucede que da matéria de facto assente resulta que o despedimento promovido pela recorrida tem de ser considerado ilícito, já que, por um lado provaram-se factos que justificam os comportamentos imputados ao recorrente e, por outro lado, a recorrida não logrou provar, como lhe competia, que o arguido tenha cometido, com culpa, as graves imputações que lhe são feitas na nota de culpa, pelo menos sem que haja uma justificação lícita e legítima para o efeito. 9) Há ainda que ter em conta que o recorrente é uma pessoa que desde muito novo trabalha (antes mesmo de ter 14 anos), com habilitações literárias muito baixas, e com uma capacidade de entendimento pequena, sendo os seus comportamentos atitudes sempre iguais e foram sempre repetidos ao longo dos anos, atitudes essas que também são idênticas às praticas dos outros trabalhadores que com ele trabalhavam e que sempre foram bem aceites pela recorrida. 10) Assim e quanto as supostas falsas declarações sobre o local onde tomava o pequeno almoço, não sobra dúvida alguma, que a recorrida não fez, como lhe competia, qualquer prova de que o recorrente tivesse actuado com culpa, nem tão pouco que no quadro da empresa a sua conduta fosse ilícita, já que a própria empresa inculcou nos seus trabalhadores a ideia que para lhes serem pagas certas despesas, tinham de apresentar documentos de locais diversos daqueles onde as despesas eram realizadas; 11) Pelo que pretender a recorrida despedir o recorrente fundamentando para o efeito que este prestava falsas declarações sobre o local onde tomava o pequeno almoço, no quadro das praticas da empresa, configura uma situação de um verdadeiro venire contra factum proprium . - 12) Quanto ao outro comportamento culposo imputado ao recorrente na nota de culpa: De que apesar de almoçar a maioria e esmagadora das vezes, pelo menos, desde 03 de Maio a 9 de Julho do ano de 1999, na cantina do Hotel Radisson apresentava para comprovar tal despesa, um documento emitido por outro estabelecimento, com um valor superior ao custo desse almoço importa desde logo realçar que no processo disciplinar apenas estão postas em causa as refeições da hora do almoço que o recorrente efectuava (pelo menos em parte) na cantina do Hotel Radisson. 13) Pelo que todas as restantes refeições que eram realizadas pelo recorrente noutros locais, Quando a hora do almoço não coincidia com a descarga de roupa em tal hotel, essas refeições, nomeadamente todas aquelas que eram integralmente realizadas na Cafeteria do Hotel Continental, não foram postas em causa no processo disciplinar. 14) Sucede que a recorrida não logrou sequer provar a principal factualidade que imputava ao recorrente na nota de culpa quanto a esta suposta conduta ilícita. 15) É que após uma leitura atenta e ponderada de toda a factualidade que foi dada como provada, a decisão final deveria ser completamente diversa daquela que o Tribunal a quo entendeu tomar, já que para além da recorrida não ter provado como lhe competia todos os factos que alegava na nota de culpa, por outro lado, provaram-se também outros factos que explicam e justificam a conduta do recorrente, e principalmente não permitem deduzir, como o Tribunal "a quo" erradamente fez, que o recorrente se tenha locupletado com o quer que fosse que lhe não era devido. 16) Sendo certo que quanto às refeições realizadas na cantina do hotel Radisson apenas se provou que o recorrente e o ajudante que o acompanhava nas 18 viagens de ida e volta, "almoçaram desde Junho de 1998 a 07 de Julho de 1999 na Cantina do Hotel Radisson, pelo preço de Esc. 600$00, cada almoço, quando coincidia a hora do almoço com a descarga da roupa em tal Hotel. ou seja, nem se sequer se provou que no período a que se reporta a nota de culpa o recorrente tenha realizado qualquer refeição na cantina do Hotel Radisson. 17) Mas encontram-se provados outros factos que analisados no seu todo explicam e justificam a conduta do recorrente, nomeadamente (e esta. questão é fundamental) provou-se que as refeições (as tomadas na cantina do Hotel Radisson) "eram ligeiras e que eram complementadas com bebida,. sandes e cafés, que nos intervalos de tempo eram comidas e tomadas na cafetaria do Hotel Continental, outro dos Hotéis onde carregavam e descarregavam mercadoria e noutros locais" - resposta ao quesito 47º e que apenas "era entregue ao Autor na cafetaria do Hotel Continental um documento em que constava o valor global das despesas que o Autor e o ajudante de cargas e descargas faziam naquela cafetaria e constavam as despesas pelos mesmos realizadas na cantina do Hotel Radisson, ou noutros locais" - resposta ao quesito 48º. 18) Para além de que se apurou que todos os motoristas ao serviço da recorrida "justificavam as despesas que efectuavam com facturas de locais onde não as realizavam" (resposta ao quesito 200º) e que o recorrente estava convencido que, para que as despesas lhe fossem pagas tinha de apresentar uma factura que fosse aceite como regular pela recorrida, para constar da sua contabilidade (resposta ao quesito 32°, sendo certo que em alguns dos locais onde realizava despesas, estes não lhe entregavam qualquer documento que contabilizasse essa despesa (resposta ao quesito 45°); 19) Assim a questão que aqui se põe é fundamentalmente a de determinar se tendo em conta o trabalho que o recorrente executava e a forma como o realizava, que levava a que a refeição da hora do almoço, por vezes fosse realizada dividida por pequenas tranches. de forma a melhor optimizar o tempo que tinham para o fazer, sendo depois apresentado, para efeitos da contabilidade da recorrida, um documento comprovativo do valor global das despesas efectuadas, se desse...

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