Acórdão nº 02S4178 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2003
Magistrado Responsável | VÍTOR MESQUITA |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório "A", por si e em representação do seu filho menor B, C e D, intentaram, no Tribunal do Trabalho de Aveiro, acção especial emergente de acidente de trabalho contra Estaleiros E e Companhia de Seguros F, pedindo a condenação das rés a pagarem, a 1.ª em termos agravados e a 2.ª subsidiariamente: a) à viúva e aos dois filhos, B e C, as pensões anuais calculadas com base na percentagem de 40% sobre a retribuição base da vítima, bem como à primeira a quantia de 2.000$00 a título de despesas de transporte; b) a todos os autores a indemnização de 13.500.000$00 por danos morais, tudo acrescido de juros de mora legais. Mais requereram a fixação de uma pensão provisória, calculada nos termos do art. 124.º do CPT, a favor dos três primeiros autores. Alegaram, para o efeito, e em síntese, que são, respectivamente, viúva e filhos de G, assistindo-lhes nos autos a qualidade de legais beneficiários do sinistrado. Este, no dia 12 de Janeiro de 1999, trabalhava no navio "Marola", sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade patronal, ora ré Estaleiros E, S.A., proprietária do navio, quando deflagrou um incêndio no mesmo, que provocou a libertação de fumos e gases tóxicos. Como consequência directa e necessária da inalação desses fumos e gases, o G sofreu lesões que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida nesse mesmo dia. O acidente ficou a dever-se a culpa da entidade patronal, uma vez que o incêndio resultou de um trabalho de soldadura que estava a ser efectuado no casco do navio, que provocou a inflamação da anti-corrosiva e do poliuretano que havia aplicado há pouco tempo no navio. O malogrado G auferia o salário-base mensal de 97.800$00 x 14 meses/ano, acrescido de subsídio de alimentação no valor de 500$00/dia e de subsídio de transporte no valor de 119$00/dia. A ré entidade patronal havia transferido a responsabilidade infortunística laboral para a ré seguradora. Acrescentam, finalmente, que com a morte súbita do marido e pai, com quem mantinham uma forte ligação afectiva, sofreram uma enorme dor e um profundo desgosto, tendo também o G, pessoa robusta e saudável, sofrido com o acidente e nos momentos que precederam a sua morte, uma extrema angústia e uma grande dor quer física quer psíquica. Contestou a ré entidade patronal, por excepção, invocando a incompetência em razão da matéria do Tribunal do Trabalho quanto ao pedido de danos não patrimoniais, e por impugnação, sustentando não ter tido qualquer culpa na produção do acidente, uma vez que decorreram quatro dias entre a aplicação do poliuretano e o dia do acidente, tendo nesse período de tempo o navio estado constantemente sob ventilação, com as portas e vigias abertas, além de que foi utilizado um retardador de chama que permite que o poliuretano suporte temperaturas superiores às resultantes do eléctrodo usado na soldadura. Conclui, por isso, pela procedência da excepção dilatória e pela improcedência da acção em relação a si. Por sua vez, em contestação, a ré seguradora afirma desconhecer que o sinistrado auferisse os subsídios de alimentação e transporte reclamados, por não constarem das folhas de férias, não sendo, por isso, responsável quanto à parte da pensão calculada com base nos mesmos; acrescenta que tendo sido violadas as regras de segurança, a responsabilidade principal pelo acidente cabe à ré entidade patronal. Os autores responderam à contestação da ré entidade patronal, pugnando pela improcedência da excepção deduzida, bem como cada uma das rés respondeu à contestação da outra, reafirmando, em síntese, a posição anteriormente assumida. Foi fixada uma pensão provisória a favor dos três primeiros autores, proferido despacho saneador - no qual se julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria deduzida pela ré entidade patronal -, e definidos os factos assentes e elaborada a base instrutória, os quais foram objecto de reclamação dos autores e da ré entidade patronal, com êxito parcial. Seguidamente, procedeu-se a julgamento, e em 24 de Setembro de 2001 foi proferida sentença que julgou a acção procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor: "1- Condeno a R. "E" a pagar: a)- à A. -A: 1- Com início de vencimento em 13 de Janeiro de 1999, dia imediato ao da morte, a pensão anual e vitalícia agravada de 681.160$00, sujeita a actualizações legais futuras, pagamento esse a efectuar em duodécimos e no domicílio da A.; 2- Um duodécimo suplementar, em Dezembro de cada ano, a título de subsídio de Natal. 3- O montante de 2.000$00, de despesas de transportes; b)- aos A.A. - B e C: 1- Também com início de vencimento em 13 de Janeiro de 1999, a pensão anual e temporária agravada de 681.160$00, sujeita a actualizações legais futuras, até perfazerem 18 ou 22 e 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade, no caso de virem a ser afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho, pagamento esse a efectuar em duodécimos e no domicílio desses A.A.; 2- Um duodécimo suplementar, em Dezembro de cada ano, a título de subsídio de Natal. c)- aos A.A.- A, B e C e D a quantia de 10.000.000$00, a título de danos não patrimoniais, nos termos e conforme discriminação já definidos supra nesta sentença; 2- Condeno a R. -"Companhia de Seguros F" a pagar, subsidiariamente, nos termos da Base XLIII, n.º 4, da Lei n.º 2127: a)- à A. -A: 1- Com início de vencimento em 13 de Janeiro de 1999, dia imediato ao da morte, a pensão anual e vitalícia de 544.928$00, sujeita a actualizações legais futuras, pagamento esse a efectuar em duodécimos e no domicílio da A.; 2- Um duodécimo suplementar, em Dezembro de cada ano, a título de subsídio de Natal. 3 - O montante de 2.000$00, de despesas de transportes; b)- aos A.A. - B e C 1 - Também com início de vencimento em 13 de Janeiro de 1999, a pensão anual e temporária de 544.928$00, sujeita a actualizações legais futuras, até perfazerem 18 ou 22 e 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade, no caso de virem a ser afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho, pagamento esse a efectuar em duodécimos e no domicílio desses A.A.; 2- Um duodécimo suplementar, em Dezembro de cada ano, a título de subsídio de Natal". Inconformada com tal decisão, a ré entidade patronal, Estaleiros de E, S.A., dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por acórdão de 22 de Junho de 2002 negou provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida. De novo inconformada, a ré entidade patronal recorre de revista, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões: I. Da matéria de facto provada conclui-se que não houve violação das normas de higiene e segurança no trabalho. A actividade de soldadura que provocou o incêndio, foi iniciada quatro dias depois da aplicação do poliuretano. Podemos contudo, levantar a questão de saber se esta aplicação poderia ter sido feita naquele prazo. Porém tratam-se de dúvidas que devem ser resolvidas com recurso às diligências suplementares, que deverão ser ordenadas por este Tribunal; II. Os recorrentes não violaram as normas de higiene e segurança no trabalho, tendo dado cumprimento ao estabelecido no DL 441/91, de 14 de Novembro, que foi regulamentado pelo DL 26/94, de 1 de Janeiro. III. O acidente ocorreu de forma imprevista e imprevisível, na observância das referidas normas e no quadro do risco normal que toda e qualquer actividade industrial comporta. IV. Ainda que, por absurdo, se admita que se verificou um desrespeito destas normas, então não ficou provado o nexo de causalidade entre o acidente e essa violação. V. Não tendo sido feita esta prova verificou-se, salvo melhor opinião, um manifesto desrespeito pela norma do art. 54.º do DL 360/71, de 21 de Agosto. VI. Verificou-se uma violação do estipulado no normativo legal, pois o acidente decorreu do risco normal da actividade. VII. Afastada a hipótese de se ter verificado uma violação das normas segurança, há lugar a indemnização pelo risco. VIII. A responsabilidade pela reparação dos sinistrados por acidentes de trabalho foi transferida regularmente através da celebração de um contrato de seguro com a R. seguradora. IX. A R. seguradora é nestes termos...
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