Acórdão nº 02S781 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução25 de Junho de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório: A, intentou, em 31 de Maio de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra a B, pedindo: (i) a declaração de nulidade do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado; (ii) a anulação da sanção disciplinar de suspensão por 21 dias, com perda de retribuição, que lhe foi aplicada; e (iii) a condenação da ré a (1) restituir-lhe a quantia de 230790 escudos indevidamente descontada, acrescida de juros legais desde a data da respectiva retenção até integral pagamento, (2) pagar-lhe uma indemnização de 2307900 escudos, face ao carácter abusivo da sanção aplicada, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, e (3) pagar-lhe uma indemnização de 500000 escudos a título de danos não patrimoniais, também acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento. Aduziu, em suma, que: (i) a ré remeteu a nota de culpa para morada que sabia já não ser a da residência do autor, tendo o aviso de recepção sido assinado por terceira pessoa, pelo que o autor, apesar de ter apresentado a sua defesa no prazo legal contado desde o efectivo conhecimento da nota de culpa, viu essa defesa ser rejeitada por pretensa extemporaneidade e aplicada a sanção impugnada com o prazo para dedução de defesa a decorrer, o que constitui nulidade insuprível do processo disciplinar, ao que acresce que a nota de culpa não manifestava claramente a intenção de despedimento e a Comissão de Trabalhadores não foi notificada da instauração do processo e da respectiva nota de culpa; (ii) mesmo a considerar-se válido o processo disciplinar, o autor não praticou qualquer infracção disciplinar, pois apesar de a ordem para efectuar um ensaio à hora de interrupção para almoço ser ilegítima, o autor acatou-a e não faltou ao respeito nem deixou de colaborar com a sua colega de ensaio; (iii) a sanção aplicada é abusiva, face ao disposto no artigo 20.º, n.º 1, 2.ª parte, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969 (doravante designado por LCT); (iv) o autor, que é considerado uma pessoa dedicada, trabalhadora e de reconhecidos méritos profissionais pelos restantes bailarinos e restante pessoal da Companhia Nacional de Bailado e que pauta a sua conduta pela extrema educação, ficou, com a sanção ilegítima e injusta que lhe foi aplicada, profundamente abalado, desgostoso e triste, tendo sido exposto a intenso vexame perante os colegas da B e, tendo tido de recorrer a outro espaço frequentado por outros bailarinos para manter a sua forma física durante o período de execução da sanção, viu alastrar-se o conhecimento do sucedido, com agravamento do vexame

A ré contestou (fls. 36 a 47), sustentando ter remetido a nota de culpa para a única morada conhecida do autor, ter este praticado os factos, com relevância disciplinar, pelos quais foi sancionado, pelo que a sanção não pode considerar-se abusiva nem fundamentar arbitramento de indemnização por danos não patrimoniais, para além de que o pedido de condenação na quantia de 2307900 escudos é inadmissível por ser genérico e carecer de causa de pedir

Após resposta do autor (fls. 55 a 59) a esta última alegação da ré, foi proferido despacho saneador (fls. 59 e 60), que julgou improcedente a pretensa nulidade do referido pedido, e foram elaborados especificação e questionário (fls. 60 a 64), contra os quais o autor (fls. 68 a 70) e a ré (fls. 72 e 73) reclamaram, com parcial sucesso (despacho de fls. 80 a 82)

Realizada audiência de julgamento, no decurso da qual foram aditados dois novos quesitos (fls. 119 e 120), foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 122 a 124, contra algumas das quais reclamou o autor, sem sucesso (fls. 125 e 126)

Em 21 de Dezembro de 2000 foi proferida a sentença de fls. 127 a 151, que julgou a acção improcedente e absolveu a ré dos pedidos contra ela formulados pelo autor. Nessa decisão entendeu-se, sucessivamente: (i) quanto à nulidade do processo disciplinar, que a mesma improcedia por a nota de culpa ter sido remetida para a residência constante da ficha de identificação do processo individual do autor e que este não tivera o cuidado de fazer actualizar, que a omissão da menção do propósito de proceder ao despedimento só relevaria se a final tiver sido esta a pena aplicada e que a falta de comunicação à comissão de trabalhadores da nota de culpa não integra qualquer das situações que a lei taxativamente prevê como integrando nulidade do processo disciplinar; (ii) quanto à ocorrência da infracção, que os factos apurados comprovam que o autor, ao alegar falsamente não se lembrar da coreografia a ensaiar, como reacção para o facto de o ensaio ter sido marcado para uma hora em que, segundo o seu entendimento, tinha direito a pausa para almoço, violou efectivamente os deveres de obediência, zelo, diligência na realização do seu trabalho e respeito pelo seu superior hierárquico e pela colega de trabalho que com ele ia ensaiar, mostrando-se adequada a sanção aplicada; (iii) quanto ao carácter abusivo da sanção, ficou ele afastado pelo reconhecimento da licitude desta, para além de que o autor não foi punido por se recusar a cumprir ordens a que não devesse obediência ou por exercer direitos e garantias que lhe assistem; e (iv) quanto à indemnização por danos não patrimoniais, embora admitindo o seu arbitramento mesmo no âmbito da responsabilidade contratual, à mesma não tinha o autor direito por falta do pressuposto da ilicitude da conduta da ré

Contra esta sentença interpôs o autor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, arguindo a sua nulidade por omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão, propugnando a alteração da decisão da matéria de facto e sustentando a nulidade do processo disciplinar, a consequente ilicitude da sanção aplicada (com anulação da mesma e restituição da quantia indevidamente descontada), com direito a indemnização por danos não patrimoniais ou, se assim se não entendesse, a graduação daquela sanção em medida inferior (alegações de fls. 156 a 166)

Por acórdão de 12 de Dezembro de 2001 (fls. 205 a 220), com um voto de vencido, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, confirmando a sentença apelada. Para tanto: (i) após referir não ser de conhecer das nulidades da sentença por não arguidas no requerimento de interposição do recurso, acrescentou que, mesmo que fossem de conhecer, não se verificariam; (ii) sustentou não haver nulidade do processo disciplinar por falta de audiência do arguido, uma vez que a nota de culpa foi remetida para a morada do autor constante do seu processo individual, não podendo este invocar alteração de residência que devia ter comunicado e não o fez; (iii) considerou que a sanção aplicada é lícita e adequada, não se justificando a redução da sua duração, redução essa a que, aliás, o tribunal nunca podia proceder, pois não lhe compete substituir-se à entidade patronal, única titular do poder disciplinar, apenas sendo consentido ao juiz anular a pena aplicada se a julgar ilícita; (iv) julgou improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais por não verificação do requisitos da responsabilidade civil: comportamento ilícito da ré causador de um dano não patrimonial de relevo, culpa e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano. Na declaração de voto de vencido aposta a esse acórdão por um dos Desembargadores Adjuntos, considerou-se que, nos termos do artigo 28.º, n.º 2, da LCT, a sanção disciplinar de suspensão de trabalho não pode exceder 12 dias por cada infracção, limite este que, nos termos do n.º 1 do subsequente artigo 29.º, pode ser elevado até ao dobro, por portaria de...

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