Acórdão nº 03A3045 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2003 (caso NULL)
Magistrado Responsável | MOREIRA CAMILO |
Data da Resolução | 04 de Novembro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Nas Varas Mistas da Comarca de Vila Nova de Gaia, A, B e C, em acção com processo ordinário para efectivação da responsabilidade civil, emergente de acidente de viação, intentada contra a "Companhia de Seguros D, S.A.", pediram que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar aos Autores a indemnização de 5.000.000$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência de um acidente de viação ocorrido em 4 de Junho de 1997 na freguesia de Grijó, da comarca de Vila Nova de Gaia, o qual consistiu no atropelamento mortal por parte do veículo automóvel ligeiro de matrícula CL, conduzido pelo seu proprietário, E, e segurado na Ré, de F, mãe dos Autores. Contestou a Ré, pugnando pela improcedência da acção, com o fundamento de que a culpa do acidente coube exclusivamente à vítima. A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente provada e procedente e, consequentemente, se decidiu condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia global de 19.313,56 euros (dezanove mil trezentos e treze euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 7%, ou outra que entretanto venha a vigorar, desde a citação até integral pagamento. Após recursos da Ré e dos Autores - independente, o primeiro, e subordinado, o segundo -, foi proferido acórdão no Tribunal da Relação do Porto, a julgar improcedente o recurso principal e a dar provimento ao recurso subordinado e, consequentemente, revogando parcialmente a sentença recorrida, a decidir condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de 5.000.000$00 (€ 24.939,89), acrescida de juros conforme o decidido. Inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido. A recorrente apresentou as suas alegações e respectivas conclusões, que podemos sintetizar no seguinte: 1ª - A decisão recorrida inverte o ónus da prova, o que a torna claramente inconsistente nos seus fundamentos, no que toca ao apuramento das causas do acidente. 2ª - Se todas as pessoas - vítima incluída - tinham que passar por aquele espaço livre de 4 metros, forçoso é concluir que todas as pessoas tinham a obrigação especial de entrar com cuidado na via, único espaço destinado à circulação, em regra proibido aos peões. 3ª - Se a via se destina, por regra, aos automóveis e não, por regra, aos peões, é a estes que cabe a obrigação especial de nela entrar com cuidado. 4ª - Se a vítima saiu à via, por entre dois veículos e ainda por cima pela frente de uma carrinha de caixa alta e fechada, é evidente que não usou da cautela que as circunstâncias impunham, o que, com 83 anos, nem admira, mas isso não é, embora pareça, problema da Ré Seguradora. 5ª - O condutor E nenhuma obrigação tinha de saber. Qualquer pessoa, como a vítima, quer na sua deslocação para a feira, quer em sentido inverso, tinha de andar pelo referido espaço livre da estrada? 6ª - Segundo as tabelas de cálculo, um veículo circulando a uma velocidade tal imobiliza-se em 16 metros, sendo que os 8 primeiros metros são o espaço que o veículo percorre antes do início da travagem. 7ª - A velocidade a que o automóvel circulava era claramente inferior à legalmente permitida. 8ª - A distância a que a vítima surgiu ao condutor nenhuma hipótese deu de reacção antes do próprio embate. 9ª - O pedido formulado pelos recorridos não é um pedido genérico. É um pedido concreto/objectivo. É um pedido concretamente dirigido ao ressarcimento de danos diferentes e com causas, características, objecto, fins e titulares diversos uns dos outros. 10ª - A decisão ora recorrida fala em que os valores indemnizatórios se reportam a data diferente da data da prolação da sentença. 11ª - A decisão recorrida violou o disposto nos artºs. 661º e 659º do C.P.C., artºs. 3º, 24º e 25º do C. Estrada e 483º, 494º, 495º e 563º do C.Civil. Pede, assim, que, com o provimento do recurso, se revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a acção improcedente, por não provada. Contra-alegaram os recorridos, defendendo a confirmação do acórdão impugnado. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II - Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos: 1. Através de escritura outorgada a 29.09.1998 no Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, os Autores foram habilitados como únicos e universais herdeiros de F, falecida no estado de viúva em 4 de Junho de 1997, de quem são filhos. 2. Através de contrato de seguro de responsabilidade civil perante terceiros, foi transferida para a Ré "Companhia de Seguros D, S.A.", a responsabilidade emergente da circulação do veículo automóvel ligeiro de matrícula CL. 3. Na ocasião do acidente dos autos, tal veículo era conduzido por E, seu proprietário, e circulava no sentido poente-nascente, do Largo de Santo António (Grijó) para o Mosteiro. 4. O acidente ocorreu a 4 de Junho de 1997, cerca das 12.45 horas. 5. O acidente ocorreu na estrada municipal denominada do Mosteiro (Grijó), que é uma recta com bom piso, com pelo menos 500 metros de comprimento, e liga o Largo de Santo António (centro de Grijó) à zona de entrada para o Mosteiro. 6. O tempo estava límpido e seco e a estrada, em paralelepípedo, encontrava-se igualmente seca. 7. A Avenida do Mosteiro tem pelo menos 6 metros de largura e passeios laterais que, à data do acidente, eram em terra batida. 8. Quem vai do Largo de Santo António para o Mosteiro encontra do lado direito um edifício de fábrica têxtil, onde laboram diariamente centenas de trabalhadores. 9. Por isso, e por haver casas de habitação nas zonas de Santo António e do Mosteiro, o local é povoado e tem grande movimentação de pessoas. 10. Todos os dias comparecem nas imediações da dita fábrica vários vendedores. 11. No dia do acidente, a "feira" formada pelos referidos vendedores estendia-se para cada lado da entrada da citada fábrica. 12. Os vendedores, com os seus carros, cestos e caixas, ocupavam os passeios, encontrando-se também ali estacionada, entre outros veículos, uma carrinha que ocupava parte da estrada, restando um espaço livre e utilizável da via na ordem...
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