Acórdão nº 03B3520 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUÍS FONSECA
Data da Resolução11 de Dezembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" propôs acção declarativa de condenação contra B e mulher C, pedindo que se declare: - Nula a escritura por violação do Código do Notariado; Sem prescindir, - Anulável a escritura por erro na declaração; Sem prescindir, - A revogação por ingratidão dos donatários; e - Decretar-se o autor dono e legítimo proprietário do imóvel; e, em consequência, - que seja ordenado o cancelamento do registo da aquisição da nua propriedade do prédio identificado no art. 1º. Alega para tanto que: a referida escritura de 7/8/96 é nula porque, ao contrário do que dela consta, a recolha da impressão digital da esposa do autor, D, foi efectuada em sua casa, onde estava acamada, sem ter sido esclarecida do que estava a fazer; era vontade dos doadores (o autor e sua falecida esposa) doarem à ré (sobrinha da esposa do autor) apenas uma parte do prédio, isto é, a parte que fica abaixo da vereda, com reserva de usufruto a seu favor, sob condição dos réus tratarem dos doadores; a parte do prédio situada acima da vereda, permaneceria propriedade dos doadores, tendo sido nessa convicção que o autor assinou a escritura de doação. Acrescenta que, após o falecimento de sua esposa, verificado em 29/10/96, os réus arranjaram um quarto em sua casa e passaram a impedi-lo de usar o quarto de banho, o telefone e deixaram de lhe fazer a comida, de lhe lavar a roupa, acabando por obrigá-lo a alojar-se na chamada «casa da cozinha». Contestaram os réus, alegando que a petição inicial é inepta, que o direito do autor caducou e que este não tem legitimidade no que respeita à parte do imóvel pertencente à falecida esposa. Negam os factos que lhe são imputados na petição inicial. Replicou o autor, pronunciando-se pela improcedência das excepções. Entretanto, em 13/12/98 faleceu o autor, tendo E e F, sido julgados habilitados como seus sucessores. No saneador foram julgadas improcedentes todas as excepções suscitadas pelos réus. Condensado, o processo seguiu seus termos, realizando-se a audiência de julgamento. Foi proferida sentença onde, julgando-se a acção improcedente, se absolveram os réus do pedido. Os sucessores do autor apelaram, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 16 de Janeiro de 2003, concedendo parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, declarado ineficaz a doação constante da escritura em causa, enquanto doação do imóvel, sendo válida, enquanto doação por conta da meação do falecido A. Autores e réus interpuseram recursos de revista para este Tribunal. Os réus concluem, assim, a sua alegação do recurso: 1- Tendo o acórdão recorrido acolhido a matéria de facto, tal como consignou a 1ª instância, sem usar da faculdade prevista no art. 712º, nº. 1 do C.P.C., não podia decidir, como decidiu, que a escritura de doação é falsa e juridicamente inexistente, porque em parte alguma da matéria provada consta que a leitura não haja sido feita na presença de todos os outorgantes e que a doadora D não tenha outorgado em simultâneo com os demais intervenientes, antes pelo contrário, tal encontra-se provado na alínea B) dos factos assentes. 2- Ficou tão só provado que no dia 7 de Novembro de 1996, D estava na situação de acamada, recolhida na sua residência, local onde apôs a sua impressão digital na escritura de doação (resposta à matéria do quesito 1º) e que a escritura foi minutada no Cartório Notarial de Ponta do Sol (resposta parcial à matéria do quesito 2º), sendo que nada mais se provou. 3- E a escritura em causa designa, entre outros, o lugar onde foi lavrada, ou seja, o Cartório Notarial de Ponta do Sol, não sendo o acto notarial nulo porque o exigido na alínea a) do nº. 1 do art. 70º do Código do Notariado encontra-se cumprido. 4- Apesar de constar na escritura o lugar onde o acto foi lavrado, é possível proceder oficiosamente ao averbamento do lugar da sua celebração e assinatura, nos termos da alínea a) do nº. 2 do art. 70º, conjugado com o nº. 7 do art. 132º, ambos do Código do Notariado, uma vez que é possível determinar, pelos elementos existentes, o lugar da sua celebração e assinatura, podendo ser judicialmente revalidado quando tenham sido cumpridas, como o foram, as formalidades devidas, nos termos da alínea b) do art. 73º do Código do Notariado. 5- As ilações constantes nos fundamentos do acórdão recorrido, na parte em que refere a existência de uma divergência entre a declarada outorga simultânea no acto e a comprovada ausência nesse acto da doadora D só faria sentido, caso os autores tivessem provado toda a matéria dos quesitos 2º e 3º da base instrutória. 6- As conclusões da Relação não se apoiam nos factos provados pois considerou implicitamente provado aquilo que não se encontra provado, isto é, em parte alguma se encontra demonstrado que a leitura da escritura não haja sido feita na presença de todos os intervenientes ou que a D não haja outorgado no acto lavrado na escritura em simultâneo com os demais, tendo o Tribunal "a quo" conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, em manifesta violação dos arts. 668º, nº. 1, al. d), 2ª parte e 712º, nº. 1, ambos do C.P.C. 7- De base instrutória consta provado tão só a matéria do quesito 1º e a 1ª parte do 2º, ou seja, que no dia 7 de Agosto de 1996, D estava na situação de acamada, recolhida na sua residência, local onde apôs a sua impressão digital na escritura de doação, tendo o ajudante do Cartório Notarial de Ponta do Sol, no exercício da sua competência territorial, se deslocado a casa dos outorgantes, nos termos do nº. 3 do art. 4º do Código do Notariado, constando da matéria assente que a mesma foi lida e explicada, em voz alta, a todos os intervenientes e na sua presença simultânea (al. B) dos factos assentes), com pleno respeito por todas as formalidades exigíveis, pelo que o acórdão recorrido, ao decidir contrariamente, violou o nº. 3 do art. , 46º e 51º, todos do Código do Notariado. 8- E os requisitos que a lei exige, sob pena de gerarem nulidade, são os taxativamente indicados, de modo imperativo, nos arts. 70º e segs. do Código do Notariado e não outros, não tendo nenhum deles ocorrido na celebração da escritura em causa. 9- O juiz da 1ª instância, de forma concisa e escrupulosa, disso deu conta na fundamentação da resposta aos quesitos, tendo apreciado livremente a prova e decidido segundo a sua prudente convicção, que a escritura de doação não contém qualquer vício substancial ou formal, tendo o acórdão recorrido violado os arts. 366º, e parte do nº. 2 do art. 370º, ambos do Cód. Civil, e 655º do C.P.C., e os arts. 70º e 71º, ambos do Cód. do Notariado. 10- Como a escritura de doação é um documento autêntico cuja validade em nada foi abalada, continua a produzir todos os efeitos, ao contrário do decidido pelo acórdão recorrido que inverteu as regras do ónus da prova, em manifesta violação, entre outros, do nº. 1 do art. 344º, nº. 1 do 350º, 366º, nº. 1 do 371º e 396º, todos do Cód. Civil, e o 655º do C.P.C. 11- O Tribunal da 1ª instância, ao julgar improcedentes por não provados, todos os pedidos constantes da petição inicial, resolveu todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, no cumprimento da 1ª parte do nº. 2 do art. 660º do C.P.C., tendo ficado prejudicados os pedidos dos autores por falta de prova. 12- O acórdão recorrido, ao decidir pela ineficácia parcial da escritura de doação, violou os princípios da conservação dos negócios jurídicos e da proporcionalidade entre causa e efeito, segundo os quais tais negócios devem ser tratados mais no sentido da sua validade do que no sentido da sua nulidade. 13- O negócio jurídico não pode ser convertido, como erradamente decidiu o acórdão recorrido, nos termos do art. 293º do Cód. Civil, porque nada se provou que demonstre que a escritura de doação se encontre viciada por erro, dolo, coacção ou simulação, pois a matéria dos quesitos 3º ao 20º da base instrutória foi toda considerada não provada. 14- Entendem os recorrentes que a conversão não pode efectuar-se nos termos decididos no acórdão recorrido porque não se provaram os requisitos que o referido art. 293º do Cód. Civil prevê, nomeadamente que a mesma se harmonize com a vontade hipotética das partes intervenientes, nem em parte alguma invocaram os autores tal conversão nos seus articulados, tendo o acórdão recorrido violado os princípios do pedido e do dispositivo, previstos nos arts. 3º, 264º, 272º, 511º, nº. 1, 513º, 2ª parte do nº. 2 do art. 660º, 661º, 664º, 2ª parte das als. d) e e) do nº. 1 do art. 668º, todos do C.P.C. 15- Só por manifesta má fé veio o autor A pôr em causa a validade formal e substancial da escritura de doação cuja concretização só se tornou possível com a sua presença e consciente colaboração pois não se encontra...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT