Acórdão nº 03B4300 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2004
Magistrado Responsável | ARAÚJO BARROS |
Data da Resolução | 29 de Janeiro de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "Companhia de Seguros A" intentou, no Tribunal Judicial de Guimarães (2ª Vara Mista), acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 6.191.119$00, acrescida dos juros de mora vincendos desde a citação. Alegou, para tanto, em síntese, que: - em virtude de incidente de revisão, por si deduzido na acção emergente de acidente de trabalho em que se obrigara a pagar ao réu, sinistrado naquele acidente, uma pensão anual e vitalícia, a incapacidade daquele foi objecto de redução de 100% para 46%; - sucede, porém, que, não tendo sido notificada da decisão que reduziu aquela pensão, continuou a pagar e actualizar a pensão do réu com base no valor atribuído na conciliação; - por isso, desde 25/06/96 até 30/11/2000 o réu recebeu a mais, sem legitimidade para tal, a quantia de 6.191.119$00, assim se locupletando injustamente à custa da autora. Contestou o réu, deduzindo as excepções dilatórias da incompetência em razão da matéria, da ilegitimidade ad causam e do caso julgado, e impugnando, parcialmente, a factualidade vertida na petição inicial. A autora respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência. No despacho saneador foram julgadas improcedentes todas as excepções invocadas pelo réu. Seleccionou-se a factualidade assente e elaborou-se a base instrutória. Inconformado agravou o réu daquele despacho saneador, tendo o agravo sido recebido, no respeitante à decisão acerca da incompetência do tribunal, com subida imediata e em separado, e no demais (quanto à ilegitimidade e ao caso julgado) a subir diferidamente com o primeiro que, depois dele, vier a ser interposto e haja de subir de imediato. Oportuna e atempadamente o réu apresentou alegações no agravo. O agravo em separado, relativo à incompetência do tribunal, veio a ser decidido por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25 de Setembro de 2002, que transitou em julgado, tendo-lhe sido negado provimento. Procedeu-se, mais tarde, a julgamento (no início da audiência o réu reclamou da selecção da matéria de facto, o que foi indeferido), com decisão acerca da matéria de facto controvertida, vindo, depois, a ser proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou o réu B a pagar à autora "Companhia de Seguros A" a quantia de 6.191.119$00 (correspondente a 30.881,17 Euros) acrescida de juros de mora, à taxa de 7% desde a data da citação até integral pagamento. Inconformado apelou o réu, sem êxito embora, porquanto o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 14 de Maio de 2003, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Interpôs, agora, o réu recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido com a sua consequente absolvição, sem prejuízo de poder o STJ entender usar da faculdade de ordenar a ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 729º, nº 3, do C.Proc.Civil
Não foram deduzidas contra-alegações. Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir. O recorrente findou as respectivas alegações formulando as conclusões que entendeu por bem (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil), as quais, por extremamente confusas, prolixas e pouco objectivas, nos absteremos de enunciar
Equacionaremos, no entanto, as questões que, no meio da amálgama conclusiva, foi possível descortinar como reveladoras de impugnação do acórdão recorrido (1): I. Cabendo à autora a alegação e a demonstração probatória dos factos constitutivos do direito alegado, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita que é a autora e não se resolve contra o réu recorrente, pelo que ao não ordenar que a autora fosse notificada para corrigir a petição inicial errou o M.mo Juiz da 1ª instância, bem como o acórdão ora recorrido que aceitou a fundamentação da primeira instância. É que uma simples operação matemática, tendo em conta a pensão anual e vitalícia do recorrente de 1.435.000$00 à razão de 100% de IPA, fixada desde 21/04/93 a 12/05/98 e recebida pelo sinistrado até 30/11/2000 a qual passou de 100% para 46% por efeito de um pedido de revisão da pensão apresentado em 25/06/96, reformulado com um novo pedido de revisão em 1997 face à incapacidade fixada pelo médico perito ao sinistrado de uma IPP na especialidade de urologia, impugnada pela seguradora, a decisão recorrida deveria condenar o réu recorrente apenas no pagamento de 3.982.616$00: (1.435.008$00/13 - 503.130$00/13) x 53 meses = (113.846$00 - 38.702$30) = 75.143$70 x 53 meses = 3.982.616$00
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Porque o despacho judicial do M.mo Juiz do Tribunal de Trabalho não podia, no despacho que proferiu em 12/05/98, depois do exame por Junta Médica, conferir retroactividade à IPP de 46%, com efeitos a partir de 25/06/96, data em que a recorrida apresentou o requerimento para revisão, sendo assim manifestamente ilegal e inconstitucional, deverá abater-se ao montante de 3.982.616$00 (acima indicado) o montante de 1.978.785$40, pelo que a seguradora só teria pago a mais 2.003.830$60
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A parte excedente que a seguradora deu a mais a partir de 12/05/98 sempre o teria dado como corolário de uma obrigação natural, sem direito a repetir o indevido, como corolário de um dever de justiça
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A responsabilidade pelo pagamento efectuado é toda imputável à seguradora, que assistiu a todos os actos processuais, no decurso da instância do acidente de trabalho, que esteve sempre presente em todos os exames médicos e à falta de diligência devida dos demais representantes da recorrida, que teriam o dever de informar os serviços administrativos da seguradora, em particular, do despacho judicial de 12/05/98 que fixou a IPA de 100% em IPP de 46%, pelo que esta, se tivesse actuado com a devida diligência, podia ter cessado aquele pagamento em data anterior a 19/10/00, razão por que não o tendo feito estava legalmente impedida de usar do expediente do enriquecimento sem causa
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Havendo que ter em conta a protecção jurídica do recorrente, por ser terceiro de boa fé, se encontrar em todo o processado de boa fé, o comportamento e a personalidade individual do agente, as circunstâncias concretas e individuais e todas as circunstâncias relevantes que abonam a favor do recorrente, o comportamento da seguradora e o eventual livre exercício do seu direito foi abusivo, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pela ordem pública, pelos bons costumes, ou pelos fins social e económico da pensão arbitrada ao sinistrado
Sendo certo que tais questões hão-de ser analisadas à luz da seguinte factualidade, tida por assente pelas instâncias: i) - mediante acordo de seguro titulado pela apólice nº 5908965 C transferiu para a autora a responsabilidade pelos danos resultantes de acidentes de trabalho sofridos pelo réu B; ii) - em 21/10/91 C participou à autora a ocorrência de um acidente de trabalho do qual foi vítima o réu; iii) - esse acidente deu origem a um processo judicial que correu termos, sob o nº 198/95, no Tribunal de Trabalho de Guimarães; iv) - na tentativa de conciliação realizada no processo identificado em iii) os ora autora e réu chegaram a acordo, aceitando a primeira pagar ao segundo, com início no dia 21/04/93, a pensão anual de 1.435.008$00, acrescida de 1/12 em Dezembro de cada ano; v) - em 25 de Junho de 1996 a autora requereu no processo identificado em iii) a realização de exame médico de revisão, em virtude de se ter verificado melhoria das lesões de que era portador o réu; vi) - o requerimento referido em v) foi subscrito pela Sra. Dra. D, advogada, constando do carimbo aposto nesse requerimento como endereço da referida advogada a...
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