Acórdão nº 03P2134 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2003 (caso NULL)

Data16 Dezembro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

44 Processo n.º 2134/03 - 5 Conselheiro Rodrigues da Costa Escutas telefónicas Fundamentação da decisão no que diz respeito às escutas Falta de promoção do processo pelo M.º P.º Apensação de processos Competência dos órgãos de polícia criminal Fundamentação da decisão da Relação no que diz respeito à matéria de facto Tráfico de droga Medida da pena 1 - Tendo os factos, apesar de autonomizados num processo, sido desencadeados por força de diligências encetadas noutro e tendo uma íntima conexão com os deste último, dado tratar-se do mesmo tipo de crime e até dos mesmos agentes, ao menos em parte, o uso das escutas telefónicas, por transcrição certificada, levadas a cabo no processo primeiramente existente, está legitimado no segundo.

2 - O facto de os processos não terem sido apensados não significa que a conexão não exista, como, além disso, a apensação não é forçosa, como resulta, desde logo, do art. 30.º do CPP.

3 - Neste contexto, os conhecimentos adquiridos por via das escutas são conhecimentos da investigação e não conhecimentos fortuitos, pois se reportam ao crime cuja investigação legitimou a sua autorização.

4 - Sendo conhecimentos da investigação, os resultados obtidos estendem-se ao último processo (incluindo os comparticipantes nos crimes), desde que ocorram todos os pressupostos legais da validade das intercepções e gravações telefónicas, de acordo com as exigências dos artigos 187º e 188º do CPP, nomeadamente: as mesmas terem sido autorizadas pelo respectivo juiz de instrução em despacho fundamentado; os crimes em investigação serem de catálogo; terem sido devidamente enunciadas as razões tendentes a demonstrar que as escutas se impunham como meio necessário, idóneo e até insubstituível para a descoberta da verdade (portanto, obedecendo ao princípio da subsidariedade), e terem sido fundadas na existência de suspeita qualificada.

5 - O conhecimento pelo arguido das concretas diligências policiais que estiveram na base do despacho que autorizou as escutas não se afigura relevante para o controle da legalidade destas, constando no respectivo despacho, notificado posteriormente aos recorrentes, os resultados indiciários das diligências policiais que contribuíram para a decisão de autorização.

6 - Tendo a actividade da PJ sido desenvolvida a coberta de autorização judicial no que diz respeito às escutas telefónicas e decorrido no âmbito do processo já existente, em relação ao qual o processo em causa está em situação de conexão, se essas diligências, levadas a cabo na sequência daquelas escutas, conduzirem à descoberta de novos crimes, cuja consumação esteja iminente, toda a actividade da PJ, desde a intercepção das escutas telefónicas, até à detenção dos autores dos crimes, comunicada no dia imediato ao M.º P.º, inscreve-se no âmbito de disposições legais que enquadram a competência própria dos órgãos de polícia criminal, nos termos dos artigos 55.º, n.º 2 e 248.º a 256.º, todos do CPP.

7 - Não é pelo facto de tais diligências não terem sido incorporadas no processo já existente que essa actividade da PJ deve considerar-se como tendo sido realizada à revelia do M.º P.º 8 - A uma razão de acerto jurídico, que faz substantivamente improceder os recursos em tais pontos (nulidade das escutas telefónicas e falta de promoção do processo pelo M:º P:º), acresceria uma outra razão, esta de ordem formal, e que levaria necessariamente ao mesmo resultado. É que as referidas questões, como questões prévias que são, terão sido já decididas definitivamente pelo Tribunal da Relação, da decisão não havendo recurso para este Supremo. Na verdade, prescreve o art. 399.° do CPP, como princípio geral, que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei. E o seguinte art. 400.° do CPP dispõe sobre as decisões que não admitem recurso, entre as quais inclui os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa [n.° l, c)].

9 - O Tribunal da Relação não tem que reproduzir os meios de prova que serviram para alicerçar a convicção do tribunal de 1ª instância relativamente aos factos dados como provados, bastando que remeta para a motivação da convicção do tribunal de 1ª instância, assim lhe dando cobertura sem mais considerações, julgadas certamente desnecessárias.

10 - Tendo o Tribunal da Relação fundamentado a improcedência da impugnação da matéria de facto na falta de indicação de qualquer prova pelo recorrente que impusesse outra decisão, assacando ao recorrente ter feito tábua rasa dos princípios coadjuvantes da livre apreciação da prova, quis-se com isto dizer que, tendo o tribunal de 1ª instância baseado a sua convicção em determinado meio de prova (no caso, testemunhal), a discordância que o recorrente manifestou (por exemplo, interpretando e valorando essa prova de outra maneira), sem indicação de outras provas, não é suficiente para alterar a decisão da matéria de facto, prevalecendo a livre convicção do tribunal, coadjuvada por outros princípios, tais como os da imediação e oralidade, expressamente referidos nas considerações que precedem a abordagem concreta dos pontos impugnados pelo recorrente.

11 - Tal fundamentação, no contexto referido, é quanto basta para se dar como cumprida a exigência legal de fundamentação pelo tribunal de 2ª instância. Isto, independentemente de a matéria de facto ter sido correcta ou incorrectamente fixada, pois ao STJ apenas incumbe o reexame da matéria de direito e, no capítulo que estamos a versar, apenas o controle da legalidade daquela fundamentação.

12 - O crime de tráfico de droga é um crime de perigo abstracto, não sendo necessário que ocorra um dano-violação, como é característico dos crimes de resultado, nem sequer um perigo-violação, como é norma nos crimes de perigo concreto, em que o perigo é elemento do tipo legal de crime. Basta que a acção seja adequada a gerar esse perigo.

13 - A pena a aplicar ao arguido que se vinha dedicando ao tráfico de heroína, adquirindo quantidades, em regra de um ou dois quilos, sendo depois contactado, telefónica ou pessoalmente, directamente ou por interposta pessoa, por indivíduos interessados na sua aquisição, com quem combinava a quantidade a transaccionar, que podia ir de poucas decigramas até às várias dezenas de gramas, bem como o respectivo preço, o tempo e o local de entrega, à de um outro co-arguido que apenas deu colaboração num acto de tráfico, embora nele estivesse em causa uma quantidade apreciável de heroína, devendo a pena ser sensivelmente inferior à daquele.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro 2003 Processo n.º 2134/03 - 5 Artur Rodrigues da Costa (relator) Abranches Martins Oliveira Guimarães Carmona da Mota *** I. Relatório.

1 - No tribunal da comarca de Águeda, no Processo Comum Colectivo n.° 233/2000, foram julgados, entre outros, os arguidos Armando José Monteiro e Francisco José Monteiro e, a final, cada um deles foi condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º n.º 1 do DL 15/93, de 22/1, na pena de 8 anos de prisão.

Esses arguidos viram ainda declarados perdidos a favor do Estado o veiculo TX-38-08 e um telemóvel apreendidos ao Armando e o veículo 45-73-LH, a quantia de 564.500$00, objectos em ouro, prédio urbano inscrito na matriz sob o n.°2.188 e inscrito na Conservatória sob o n.° 03802/020398 e as quantias depositadas, nos montantes de 506.355300, 94.034$00 e 849$00, apreendidos ao Francisco.

Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra o M.º P.º e esses dois arguidos, todos do Acórdão condenatório e o Francisco ainda de decisão interlocutória que subiu com aquele e que desatendeu a arguição de nulidade das intercepções telefónicas aos telemóveis n.ºs 936259616, 933313886, 938305226 e 9365224836, tendo sido negado provimento a todos os recursos e confirmada na íntegra a decisão de 1ª instância.

Do Acórdão da Relação interpuseram recurso para este Supremo o Armando e o Francisco .

  1. - O recorrente Armando concluiu a sua motivação do seguinte modo: 1 - Suscita o recorrente, desde logo e mais uma vez, a questão da nulidade das (transcrições das intercepções telefónicas certificadas, autorizadas no âmbito do processo n.°1227/00 do Tribunal Judicial de Famalicão e no processo n.°306/00 que correu termos nos Serviços do M.P. de Águeda, que se encontram juntas aos presentes autos e que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.

    2 - Em sede de Instrução, um dos co-arguidos do recorrente arguiu a referida nulidade, que foi, contudo, julgada improcedente pelo Tribunal de Instrução Criminal, o que importou a interposição do competente recurso, a subir a final, para o Tribunal da Relação de Coimbra.

    3 - Concordando com a verificada nulidade das transcrições das intercepções telefónicas certificadas e constantes do processo, o ora recorrente acompanhou o recurso apresentado.

    4 - Com os mesmos fundamentos, o co-arguido Domingos Monteiro, na sessão de 27 de Novembro de 2001 da Audiência de Discussão e Julgamento, também arguiu a nulidade das referidas intercepções telefónicas, não tendo sido quanto a esta arguição, em especial, proferida qualquer decisão de mérito.

    5 - O Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão de que ora se recorre, decidiu julgar improcedente a invocada nulidade, não só porque os recorrentes « … não põem em causa a legalidade das escutas no âmbito daqueles processos (no âmbito dos quais as escutas haviam sido autorizadas), nomeadamente do proc. n.°306/00. O que põem em causa e o Francisco expressamente é a legalidade do seu uso nestes autos, o que se nos afigura de infundado.», como também, porque na perspectiva do Tribunal, havia sido respeitado o principio da subsidariedade.

    6 - O recorrente não colocou em causa as intercepções telefónicas no âmbito daqueles outros autos, donde resultam as referidas intercepções, uma vez que para tanto não tinha legitimidade, nos termos do...

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