Acórdão nº 03S1400 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelVÍTOR MESQUITA
Data da Resolução17 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório "A", intentou, no Tribunal do Trabalho de Almada, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra B, pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento, promovido por esta e, em consequência, condenada a reintegrá-lo, ou em alternativa a pagar-lhe a indemnização de antiguidade (2.197.300$00), caso venha a optar por ela, bem como retribuições vencidas (791.066$00) e férias e subsídios de férias vencidos (342.436$00) e ainda uma indemnização a título de danos morais (2.000.000$00).

Alegou, para tanto, em síntese, que foi admitido ao serviço da R. em 16 de Junho de 1987 para exercer as funções de operador de posto de portagem, e que esta por decisão de 00.12.28 o despediu com a alegação de justa causa; porém, tal despedimento é ilícito, por não verificação da justa causa invocada.

E, com o referido comportamento, a R. lesou a sua honra e dignidade, provocando-lhe danos morais que devem ser ressarcidos.

Além disso, acrescenta, a R. não lhe pagou retribuições, férias e subsídio de férias, que discrimina.

Realizada a infrutífera audiência de partes, contestou a R., sustentando a existência de justa causa de despedimento do A. e ainda que este não demonstrou a existência de danos não patrimoniais.

Conclui, por isso, pela improcedência da acção.

Os autos prosseguiram os seus termos, com a realização da audiência de discussão e julgamento - no decurso da qual o A. veio a optar, em substituição da reintegração, pela indemnização de antiguidade -, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 23 990, 45, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 7%, desde as datas dos vencimentos de cada um dos diferentes créditos até efectivo pagamento, com excepção dos relativos à importância de € 2 493,99 arbitrada a título de danos não patrimoniais, devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.

Inconformada com a decisão, a R. dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 03.01.15 concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 2 493,99 por danos não patrimoniais, dela absolvendo a R., e mantendo, no mais, a sentença recorrida.

De novo inconformada, a R. recorreu de revista, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:

  1. Resulta da matéria de facto considerada assente que, entre 1 e 10 de Agosto de 2000, ocorreram 25 utilizações de um cartão Multibanco para pagamento de portagens, propriedade dum utente da estrada concessionada, entendidas como abusivas na medida em que os intervalos de tempo entre as diversas utilizações eram muito mais curtos do que os indiciados pelo código da portagem de origem de percurso dos condutores, a quem foram atribuídos e a frequência da utilização de um mesmo cartão era anormalmente elevada, registando-se, para mais, sempre no mesmo sentido de trânsito, porque na mesma via de portagem.

  2. Estas vinte cinco utilizações ocorreram na cabina de portagem de Coina Plena Via, onde e quando o Recorrido desempenhava as suas funções de operador de portagem.

  3. As utilizações do cartão que ocorreram fora daquela cabina, entre a primeira e última das vinte cinco utilizações atrás referidas, não permitem extrair qualquer conclusão de responsabilidade do ora Recorrido.

  4. Assim, como se afirmou inicialmente, a questão resume-se a saber: - se, num critério de normalidade, aquelas vinte cinco utilizações são ou não susceptíveis de colocar em crise a relação de confiança que é essencial à relação juslaboral e - se, conforme se concluiu em sede de procedimento disciplinar, é possível concluir pela existência dum comportamento culposo do trabalhador (a questão do conhecimento e anuência).

  5. Assentando o vínculo laboral numa base de confiança mútua, e considerando as funções que lhe estavam confiadas, o comportamento do operador de portagem correspondente a efectuar na cabina de portagem onde presta serviço, vinte cinco pagamentos com um cartão Multibanco cujo titular apresentou uma reclamação ao banco alegando tê-lo perdido, sendo que os referidos pagamentos se verificam com intervalos de tempo entre as diversas utilizações muito mais curtos do que os indiciados pelo código da portagem de origem de percurso dos condutores, com uma frequência da utilização de um mesmo cartão anormalmente elevada, e registando-se sempre no mesmo sentido de trânsito (porque na mesma via de portagem), não só trai a confiança nele depositada pela entidade empregadora (reflexos do comportamento no desenvolvimento da relação de trabalho), como, sobretudo, põe em causa a própria confiança que os clientes depositam na B, inerente ao bom desempenho das actividades da empresa e, consequentemente, a imagem da empresa (reflexos na confiança e imagem da empresa).

  6. Os operadores de portagem representam, para a B, a sua mais directa e imediata relação com o público, configurando, de alguma forma, a própria imagem da empresa.

  7. Tal como o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu, em Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 1995, o dever geral de lealdade "tem um lado subjectivo que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes, sendo necessário que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de abalar ou destruir essa confiança, criando no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do trabalhador (...) Por outro lado, a diminuição de confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliada a um moderado grau de culpa, pode (...) levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança".

  8. Resultou provada toda a responsabilidade que o operador de portagem tem sobre a cabina de portagem.

  9. Em termos de probabilidade e juízo comum, não pode deixar de se imputar ao trabalhador em causa conhecimento e anuência na situação verificada de uso abusivo de um cartão multibanco de um utente da estrada concessionada.

  10. É, designadamente, inverosímil, que o mesmo cartão fosse utilizado por duas vezes, por diferentes utilizadores ou pelo mesmo utilizador em duas passagens, num espaço de quatro minutos, ou que as vinte cinco utilizações decorram sendo portageiro o trabalhador A, sem que este tenha comparticipado, no mínimo, em tais utilizações.

  11. O conhecimento e anuência são a conclusão normal, num critério básico de probabilidade, ficando irremediavelmente comprometida a relação juslaboral, por quebra absoluta da base de confiança.

  12. Não subsistem dúvidas quanto ao nexo de causalidade entre o comportamento do trabalhador e a impossibilidade de manutenção da relação laboraI.

  13. É certo que ao processo disciplinar não deixa de se aplicar, como a todos os processos de natureza sancionatória, o princípio constitucional do art. 32° n° 2 da Constituição da República Portuguesa, reconhecido para o processo criminal, da presunção de inocência do arguido até ser declarado culpado.

  14. Inclusivamente, tal princípio corolário lógico dos direitos fundamentais à integralidade moral, e ao bom nome e reputação - art.s 25° e 26° da Constituição da República Portuguesa.

  15. Mas, tal como no processo penal, a afirmação de tal princípio não significa que a presunção de inocência impeça a ponderação da prova produzida, impondo, face a qualquer óbice, a conclusão pela inocência, nem é uma norma de interpretação, favorável, por definição, ao réu; Q) O que o princípio da presunção de inocência impõe é a consideração da dúvida razoável, relativamente a factos incertos; não impõe, nem sequer permite a sua extrapolação a outros factos; R) No processo disciplinar laboral está essencialmente em causa a verificação de factos susceptíveis de, num critério de normalidade, colocarem em crise a relação de confiança essencial à relação laboral.

  16. Diversamente do que sucede no processo criminal, não está em causa uma conduta -...

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