Acórdão nº 03S1547 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Setembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDINIS ROLDÃO
Data da Resolução24 de Setembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Ultrapassada que foi a fase conciliatória destes autos de acidente de trabalho, sem que tenha sido possível obter o acordo das partes interessadas, passou o processo à sua fase contenciosa, com a apresentação no Tribunal do Trabalho de Coimbra pela Autora A, viúva de B, de um articulado inicial contra as Rés "Banco C, S.A.", e "Companhia de Seguros D, S.A.", no qual pediu: 1) Que se reconheça que a morte do Dr. B ocorrida em onze de Janeiro de 1999, em resultado de enfarte de miocárdio, foi consequência única e exclusiva de um verdadeiro e próprio acidente de trabalho ou, quando assim se não entenda, de doença profissional, nos termos e para os efeitos legais; 2) Que, em consequência do pedido formulado no número anterior, se condenem as entidades Rés, "Banco C, S.A." e "Companhia de Seguros D, S.A.", a pagarem à Autora, mulher do falecido Dr. B, a pensão mensal vitalícia de 582.575$00 (quinhentos e oitenta e dois mil quinhentos e setenta e cinco escudos) correspondente a 30% da retribuição-base auferida pelo falecido até perfazer a idade da reforma, com efeito a partir do dia onze de Janeiro de 1999 e que a referida pensão mensal vitalícia a atribuir à Autora seja fixada em 776.566$00 (setecentos e setenta e seis mil quinhentos e sessenta e seis escudos) a partir daquela idade, equivalente a 40% da referida retribuição-base. Para tanto, a Autora alegou, em resumo, que contraiu casamento com B em 27 de Julho de 1969 e que o seu marido faleceu cerca das onze horas do dia 11 de Janeiro de 1999, quando se preparava para sair de casa, a fim de se dirigir ao Tribunal Judicial Cível de Coimbra, onde ia depor como testemunha, ao serviço do "Banco C, S.A.", no qual exercia funções desde 1 de Junho de 1973. Tendo o falecido funções de relevo na instituição que servia e sendo um profissional probo, dedicado, competente e realizador, há largos meses que era vítima de desconsiderações e de aviltamentos, que lhe eram infligidos por superiores hierárquicos. Em 22 de Abril de 1998 foi-lhe retirado o seu gabinete de director e transferido para um pequeno compartimento no "Banco E", que era compartilhado com um solicitador, sem apoio técnico e humano. Foram-lhe causados vexames e humilhações constantes e intensos, pelo que andava em profunda tensão interior, o que o levou a demandar judicialmente o Banco. Ia depor num processo que desconhecia totalmente, em estado de depressão. Foram as humilhações, vexames e pressões pessoais e profissionais de toda a ordem o factor causal do enfarte de miocárdio em consequência do qual veio a falecer, pelo que se tratou dum acidente de trabalho. Até aí gozava de excelente saúde cardíaca, como o atestam electrocardiogramas realizados pouco tempo antes da falecer. Auferia como retribuição-base uma quantia mensal líquida de 1.941.417$00, decomposta em várias parcelas, que foram indicadas uma a uma. 2. Feita a citação da Ré seguradora, contestou esta a acção, alegando, em breve síntese, aceitar ter sido pela co-Ré transferida para si a responsabilidade por acidentes de trabalho do falecido, mas somente pelas retribuições já por si aceites na tentativa de conciliação. Porém, o falecido marido da Autora não foi vítima de acidente de trabalho. Antes morreu de enfarte de miocárdio, como resulta do relatório da autópsia. Solicitou a sua absolvição do pedido. 3. Por sua vez o "Banco C, S.A.", também contestou acção, alegando, em resumo, que o falecido se encontrava em Vila Nova de Anços não ao seu serviço, mas sim a passar o fim de semana, estando o julgamento, em que ia depor como testemunha, marcado para as 14 horas. Residindo o casal no Porto, nada justificava, do ponto de vista laboral, que tivesse pernoitado em Vila Nova de Anços. Era um fumador inveterado e tomava 5 cafés por dia. A sua morte deveu-se a enfarte do miocárdio com edema pulmonar, o que não constituiu um acidente e muito menos de trabalho. Em 1999 o falecido auferia 1.576.992$00. É verdade que o Banco o afastara da área comercial, mas tal ficou a dever-se a diversas situações desagradáveis que criara. Negando terem existido as perseguições ao falecido invocadas pela Autora, concluiu pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido. 4. O Centro Nacional de Pensões, que também havia sido citado, veio ao processo deduzir um pedido de reembolso duma quantia de 12.474.440$00, relativa a pensões de sobrevivência pagas à viúva, referentes ao período de Fevereiro de 1999 a Janeiro de 2001, e de todas as pensões que forem sendo pagas, assim como os respectivos juros de mora desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento. 5. Após os articulados foi proferido despacho saneador, com especificação e questionário, não tendo estas duas últimas peças processuais sofrido reclamações. Realizada a audiência de discussão e julgamento, em várias sessões, foi antes do seu termo interposto pelo Banco Réu recurso de agravo dum despacho do Mmo. Juiz, proferido no decurso dessa audiência, no qual foi indeferido um requerimento, por aquele Banco formulado, para que a Autora informasse qual o número do telemóvel do falecido e qual o número do telefone fixo da residência de Vila Nova de Anços e para que fosse efectuada a notificação posterior das operadoras de telecomunicações para juntarem aos autos uma listagens de todos os telefonemas feitos no dia 10 de Janeiro de 1999. Esse recurso foi admitido no regime de subida diferida. Dadas as respostas aos quesitos, na última sessão da audiência, foi depois lavrada sentença em que a acção foi julgada improcedente e as Rés absolvidas de todos os pedidos (incluindo o do Centro Nacional de Pensões). Inconformada com essa decisão, dela interpôs a Autora recurso para a Relação de Coimbra, a qual, por acórdão de 5 de Dezembro de 2002, negou provimento à apelação e confirmou a sentença da 1ª instância, não conhecendo do recurso de agravo. 6. A Autora, inconformada também com esse acórdão, dele recorre de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo apresentado alegações em que formula as seguintes conclusões: 1.ª - Ao não conhecer do recurso no que concerne à matéria de facto, o Tribunal da Relação de Coimbra abdicou da sua competência de cognição da matéria de facto, como resulta do artigo 84º, nº. 1 do CPT 1981. 2.ª - O Dr. B faleceu, entre as dez e onze horas da manhã, quando se preparava para sair de casa a fim de se dirigir a uma reunião agendada para as onze horas com o Sr. L e, subsequentemente, ao Tribunal Cível de Coimbra onde iria, às catorze horas, depor como testemunha arrolada e ao serviço do "Banco C, S.A.". 3.ª - Nos termos do nº. 2 da Base V da Lei 2127, o concreto local e hora do falecimento do Dr. B tem-se por integrante do conceito de "local" e "horário" para efeitos de acidente de trabalho. O falecimento ocorreu durante o normal horário ou período de trabalho e a razão do local onde o Dr. B se encontrava decorre da execução de serviços determinados pela entidade patronal. 4.ª - O Dr. B, à hora a que faleceu, estava no "tempo" de trabalho e fora do local de trabalho "na execução de serviços determinados pela entidade patronal ou por esta consentidos" - cfr. alínea a) do nº. 2 da Base V da Lei 2127 - pelo que a factualidade ocorrida deve considerar-se também acidente de trabalho. 5.ª - Ao decidir como decidiu, confirmando a sentença recorrida, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra violou o disposto na alínea a) do nº. 2 da Base V da Lei 2127. 6.ª - Existe uma presunção legal em benefício da recorrente, à qual incumbe somente alegar e provar o facto que serve de base à presunção, ou seja, que a lesão do Dr. B foi observada no local e no tempo de trabalho. 7.ª - Da aplicação do nº. 2 da Base V da Lei 2127 aos factos provados, resulta que foi feita a prova do facto que serve de base à presunção referida na conclusão que antecede. 8.ª - O Conselho Técnico do Instituto de Medicina Legal de Coimbra procedeu à interpretação, cientificamente fundada, do relatório de autópsia do Dr. B. 9.ª - Dessa interpretação resulta que o Conselho Técnico do Instituto de Medicina Legal de Coimbra aceita que uma situação de intensa e prolongada pressão psicológica possa constituir também um factor de risco para a doença isquémica coronária e, consequentemente, para a possibilidade de ocorrência de enfartes agudos do miocárdio, referindo ainda não existirem elementos autópticos que permitam afirmar tal hipótese, não existindo, também, por outro lado, nenhum elemento que a exclua. 10.ª - Da análise científica feita pelo Conselho Técnico do Instituto de Medicina Legal de Coimbra ao relatório de autópsia do Dr. B resulta, assim, que não está excluído que a sua morte por "doença natural" tenha sido o resultado de uma situação de intensa e prolongada pressão psicológica que, reconhecida como factor de risco para a doença isquémica coronária, pode ter dado origem ao enfarte agudo do miocárdio do Dr. B. 11.ª - Ficou provado que o Dr. B se sentia triste e vexado com a situação profissional que estava a viver e que se encontrava num quadro clínico de depressão. 12.ª - Foi também dado como provado que o Dr. B nunca antes fora dado a este tipo de quadro clínico depressivo, tal como nunca tivera de recorrer a tratamentos psicológicos ou psiquiátricos, devendo, assim, ter-se por afastada uma existência prévia de uma doença ou predisposição a doença do foro psíquico ou psiquiátrico que poderia ser invocada para uma qualquer descaracterização do acidente como de trabalho. 13.ª - Foi igualmente provado que o Dr. B não possuía complicações ou doenças cardíacas anteriormente ao seu falecimento, encontrando-se afastada a possibilidade do seu falecimento derivar de uma doença cardíaca pré-existente. 14.ª - Mesmo considerando-se que o relatório de autópsia constituiria a "prova do contrário", atento que a lesão observada no local e no tempo de trabalho se presume, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho, a verdade e que sempre...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT