Acórdão nº 03S2048 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Data07 Outubro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou acção declarativa com processo comum contra a "B, S.A.", peticionando o pagamento de 13.835.245$00, acrescidos de juros vencidos e vincendos. Posteriormente ampliou o seu pedido de forma a totalizar a quantia de 45.883.000$00, acrescida de 21.409.896$00 de juros vencidos até à liquidação.

Fundamentando a sua pretensão o autor diz o seguinte: É jornalista e foi contratado pela Ré para exercer as funções de repórter fotográfico, na sua delegação de Coimbra. A Ré teima em chamar à relação estabelecida entre ambos de prestação de serviços, recusando-se aos pagamentos para os quais a interpelou. A verdade é que se trata de um contrato de trabalho que veio a ser rescindido pelo autor por falta de pagamento pontual das retribuições. Na verdade, ao Autor cabia realizar as reportagens fotográficas ordenadas pelos seus superiores hierárquicos, nomeadamente por quem as coordenava. As suas funções não eram diversas das cometidas aos demais fotógrafos com vínculo laboral. Exercia as suas funções sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, detendo as chaves da delegação e possuindo autorização para utilizar o equipamento daquela. Estava disponível vinte e quatro horas por dia, chegando a ser-lhe ordenado trabalho nocturno ou não agendado. Marcava férias, reconhecendo-lhe a Ré direito a elas e à remuneração correspondente. A partir de 1993 os pagamentos passaram a ser feitos em prestações mensais sucessivas, embora estas estivessem muito abaixo da tabela salarial em vigor, atento o CCT que deve reger a relação laboral em causa. Quantifica o que lhe é devido a título de retribuição base, subsídio de refeição, isenção de horário de trabalho, subsídio de utilização de equipamento fotográfico próprio e diuturnidades.

Realizou-se a audiência das partes, mas não foi possível obter o acordo.

A Ré ofereceu a sua contestação, aduzindo essencialmente o seguinte.

A relação que vinculou as partes traduziu-se numa prestação de serviços, cabendo ao autor cobrir acontecimentos fotográficos sempre que para tal tivesse disponibilidade. Não tinha este superiores hierárquicos, nem lhe eram dadas ordens. Trabalhava as horas que entendesse, salvo tratando-se de um acontecimento a ocorrer a horas certas, utilizando o equipamento por si escolhido, e as técnicas que tinha por adequadas, o que não sucedia com os fotógrafos contratados. O autor não estava obrigado a comparecer a cursos de reciclagem. O Autor tinha a chave da delegação, por lhe ser vantajoso, e a utilização dos equipamentos tinha a ver com a gestão dos custos. Embora o Autor se apresentasse disponível para fazer os trabalhos, era essa disponibilidade que justificava o pagamento regular, que começou por ser à peça, não tendo em qualquer caso ocorrido alteração funcional alguma. Ao Autor não era exigida exclusividade, precisando a Ré apenas de saber quando o mesmo estava disponível. O pagamento de 13 meses para onze meses de trabalho foi uma decisão tomada pela Ré relativamente aos colaboradores com uma relação mais próxima.

Prosseguindo o processo seus regulares termos, veio afinal a ser proferida decisão que, considerando a acção improcedente, por não se ter provado a existência de um contrato de trabalho, absolveu a Ré de todo o peticionado.

Inconformado interpôs o Autor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que o julgou improcedente.

Irresignado ainda, traz o Autor o presente recurso de revista.

E em devido tempo apresentou as respectivas alegações, que concluiu assim: "Resultou provado nos autos que: 1- entre autor e ré foi celebrado um contrato de natureza onerosa através do qual o autor se obrigou a prestar a sua actividade intelectual para a ré, em regime de exclusividade fotográfica a 1 de Outubro de 1989, sendo que desde essa data até 5 de Novembro de 1999, o autor foi o único fotógrafo ao serviço da ré a realizar tais funções na área da delegação de Coimbra e aí recebia as retribuições correspondentes sendo que nessa não estavam incluídas as despesas efectuadas no desempenho da sua actividade profissional (e para as quais o autor necessitava de preencher documento igual aos demais trabalhadores da ré), tudo nos termos da resposta aos quesitos nºs. 1º, 2º, 3º, al. H) e I) dos factos assentes, e que indicia a existência de um contrato de trabalho.

2- Para além do que vai supra dito e no sentido de caracterizar o contrato celebrado entre as partes como de trabalho, resultou provado que o autor tinha chave das instalações da ré e autorização para utilizar todo o equipamento, material e telefones (quesito 13ª), e quanto aos rolos fotográficos utilizar tanto os da ré como os por si adquiridos (quesito 14º), e ainda o facto de ser portador de um cartão identificativo da ré.

3- Para além do que resultou provado, existem outros indícios de que o contrato estabelecido entre as partes é de trabalho, pois que: a) O termo "solicitação" utilizado na resposta aos quesitos 3º, 5º e 6º deve ser entendido como sinónimo de "ordenar", pois era desta forma que a ré se dirigia a todos os trabalhadores; b) A décima terceira prestação paga ao autor desde 1995 (quesito 17º), constituía o seu subsídio de férias, porque sempre paga antes do gozo de férias; c) que nesse contrato o autor estava subordinado juridicamente à ré, (quesitos 11º, 15º, 23º e 25º), pois que: - a disponibilidade para prestar trabalho não sempre foi exigida pela ré, com a especificidade do próprio exercício profissional ser medido pelos acontecimentos a cobrir, razão pela qual a ré pagava aos demais trabalhadores isenção de horário de trabalho (al. F) dos factos assentes); - ainda quanto à disponibilidade ser exigida não é alheia, por uma lado a forma e marcação do serviço que ao autor cumpria realizar e horas a que tal ocorria, conforme resposta dada ao quesito nº. 4º, 5º, 6º, 7º, 8º: ordens dadas pelo superior hierárquico do autor após a reunião diária de edição para realização do trabalho no dia seguinte, e tratamento igual (no que diz respeito ao agendamento) para todos os fotógrafos, conforme quesito 9º; - e por outro lado o facto de ter resultado provado que o autor tinha de cobrir acontecimentos a realizar a horas certas e acontecimentos inesperados (quesito 5º, 15º e 16º), fazendo parte da cadeia produtiva da ré, cadeia em que o autor estava compreendido e comprometido, por ser o único ao serviço da ré a realizar tais funções na área da delegação de Coimbra (correspondente, sem contornos rígidos, à zona centro do país) e por isso também lhe competia proceder ao envio das fotografias que realizava, - pelo que a resposta ao quesito 11º não pode constituir um indicio de que o contrato existente é de prestação de serviços, precisamente em que o autor estava compreendido e comprometido sendo desta forma que a ré fiscalizava o trabalho do autor. Se assim não fosse não faria sentido que o autor utilizasse todo o equipamento da ré, conforme matéria provada nos autos.

- É também nesse sentido (de que a disponibilidade era exigida) que deve ser entendida a disponibilidade referida nos quesitos 23º e 25º, e interpretados os quesitos 6º e 10º.

- Tudo visto à luz da actividade desenvolvida pelo autor: fotógrafo de profissão, actividade onde por excelência predomina a liberdade de criação artística, que assim introduz um conjunto de limitações (de natureza legal - o Estatuto dos Jornalistas) ao poder de direcção e fiscalização da entidade patronal, que tem de ser entendido com bastante "(...) latitude e flexibilidade, de modo a abranger as variadíssimas graduações de que é susceptível, variável em função das aptidões profissionais do trabalhador e da tecnicidade das próprias tarefas (...)" Parecer da Procuradoria...

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