Acórdão nº 570/10.5TBMGR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução02 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra A...e mulher B..., já identificados nos autos, requereram a sua declaração de insolvência, com o fundamento em se encontrarem numa situação de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento, revelam a impossibilidade de satisfazerem pontualmente as suas obrigações.

Designadamente, de acordo com o que alegam, a requerente mulher foi operada a um joelho, o que motivou que estivesse de baixa médica durante algum tempo e em que já auferia subsídio de desemprego, pelo que mais nada lhe foi pago, após o que só conseguiu empregos temporários, o que diminuiu os rendimentos do casal requerente.

De tal forma que, foram contraindo sucessivos créditos pessoais e de consumo, perante vários bancos e entidades, para além do crédito à habitação que já haviam contraído, que acarretam uma prestação mensal de 2.200,93 €, que corresponde a um total de créditos assumidos no valor de 97.775,62 €, sendo que o requerente marido aufere um ordenado mensal ilíquido, no montante de 579,00 € e a requerente mulher o de 550,00 €, também ilíquido.

Quanto a tal convém especificar que, de acordo com a própria alegação dos requerentes (cf. artigo 10.º do requerimento inicial), a prestação mensal referente ao crédito para habitação ascende ao montante de 186,97 €, correspondente ao valor do empréstimo de 54.786,20 €, pelo que toda a demais quantia que pagam mensalmente (no valor de 2.200,93 € - cf. artigo 15.º do mesmo articulado) se refere a créditos pessoais e de consumo e do uso de cartão de crédito.

Concluem que face a tais rendimentos não têm qualquer hipótese de pagarem os créditos assumidos, a que acrescem as despesas normais do agregado familiar, agravadas pelo facto de terem um filho menor.

Mais alegam que entraram em incumprimento generalizado das suas obrigações desde Setembro de 2009, sendo que o seu pedido de declaração de insolvência deu entrada em juízo em Abril do corrente ano (foi distribuído em 07 de Abril).

Mais alegam não ter quaisquer outros bens para além dos indicados, de que sobressai uma fracção de um prédio urbano, sito na Marinha Grande, que se encontra hipotecado ao BPI e um veículo automóvel, que foi avaliado em 350,00 €.

Concomitantemente, com o pedido de declaração de insolvência, deduziram o pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto no artigo 235.º e seg.s do CIRE por, segundo alegam, preencherem todos os requisitos nos mesmos exigidos, em função do que se predispõem a ceder o rendimento disponível no montante que viesse a ser fixado.

No decurso da assembleia de credores, o M.mo Juiz, na decorrência da formulação de tal pedido, deu a palavra ao Sr. Administrador da Insolvência e aos credores, para se pronunciarem quanto ao mesmo, tendo este informado nada ter a opor a tal pedido, tendo-se-lhe oposto os credores presentes.

Em seguida, o M.mo Juiz proferiu o despacho que se passa a transcrever (para melhor compreensão da questão a decidir), no qual inferiu liminarmente o referido pedido de exoneração do pedido: “Fixa o art. 235.º que, sendo devedor uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.

Resulta do Preâmbulo do Decreto Lei n.º 53/2004 de 18 de Março que se está na presença do “princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a possibilidade de os devedores singulares se libertarem de algumas das suas dívidas e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”, denominado como de fresh start, concedendo-lhe a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não foram integralmente pagos no processo ou nos 5 anos posteriores ao encerramento deste, restando-lhe uma nova oportunidade de vida.

Portanto, trata-se de um benefício concedido aos insolventes constituindo uma medida de protecção do devedor, que se pode traduzir tanto num perdão de poucas como de elevadas quantias e montantes, exonerando-os dos seus débitos e que, por parte dos credores, se traduz numa perda correspondente. O passivo restante pode constituir, mesmo assim, somas avultadas.

Por outro lado, nunca se pode deixar de ter presente que o processo de insolvência tem, no seu todo, como objectivo precípuo o de obter a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores – já referido no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 – e que o presente benefício se reflecte apenas na esfera patrimonial do devedor.

Mas, para se ter acesso a tal benefício e ser deferido o pedido, a lei impõe certos requisitos e procedimentos, fixados nos artigos 236.º, 237.º e 238.º.

Desde logo, a concessão efectiva da exoneração pressupõe a não existência, para um indeferimento liminar, da verificação das condições do n.º 1 do art. 238.º e, entre elas e que ao caso em presença interessa, a da al. d), que dispõe que deve ser indeferido o pedido se “O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não o estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos 6 meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.

Da análise de todos os motivos que se impõem ao tribunal para averiguação e para deferir ou indeferir liminarmente o pedido – alíneas do n.º 1 do art. 238.º - resulta que a função do Juiz será a de verificar se o insolvente merece ou não que lhe seja dada uma nova oportunidade, ainda que apenas com concretização a prazo de 5 anos, submetendo-o a um período experimental, denominado “período de cessão” (n.º 2 do art. 239.º), findo o qual poderá terminar em sucesso ou não do mesmo pedido.

Carvalho Fernandes e João Labareda, (in C.I.R.E, Anotado, vol. II, pág. 190), acentua que as alíneas do art. 238.º, n.º 1, embora pela negativa, enumeram os requisitos a que deve sujeitar-se a verificação das condições de exoneração e inclui a al. d) dentro do quadro daquelas que respeitam à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram.

De todos os pressupostos negativos previstos no art. 238.º, n.º 1 do CIRE apenas será de apreciar o previsto na já citada alínea d), já que dos elementos constantes dos autos não resulta o preenchimento de qualquer outra.

De acordo com o art. 3º, n.º 1, do CIRE “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Dos elementos constantes dos autos resulta que os débitos dos insolventes se venceram em Setembro de 2009 (cfr. Artigo 19 e relação de credores de fls. 15), tendo-se apresentado à insolvência apenas em Abril de 2010, ou seja mais de 6 meses após o vencimento de tais créditos, estando portanto desde Setembro em situação de Insolvência.

Ora, estando em causa dívidas já vencidas que acarretam, o imediato vencimento de juros (de mora), o atraso do devedor em apresentar-se à insolvência causa, necessária e directamente, prejuízo aos credores, em virtude do avolumar do passivo daí decorrente, independentemente do valor desses juros ser mais ou menor elevado, já que o aludido preceito (artigo 238º nº1...

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