Acórdão nº 04B1554 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelABÍLIO VASCONCELOS
Data da Resolução24 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A, Lda." intentou a presente acção de restituição de posse contra o Município de Viana do Castelo com o fundamento de que, na qualidade de arrendatária, celebrou com o R., na qualidade de senhorio, um contrato de arrendamento referente a uma parcela de terreno, que aquele esbulhou impedindo a Autora de praticar os actos a que o imóvel (assim como as instalações fabris e armazém nele implantados) estava afecto, causando-lhe prejuízos que, por estarem ainda em evolução, não pode quantificar, relegando o cálculo para execução de sentença.

Conclui pedindo a condenação do R. na restituição definitiva do terreno, instalações fabris e armazém, bem como a pagar-lhe a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença.

O R., citado, contestou, alegando, essencialmente, que o terreno em causa é um bem do domínio público, insusceptível de ser objecto de arrendamento, tendo concedido à Autora, a título precário, o uso privativo do imóvel na sequência de um contrato de índole administrativa entre ambos celebrado.

Na 1ª instância foi a acção julgada improcedente, e a respectiva sentença confirmada pelo acórdão da Relação de Guimarães de fls. 824 a 840.

Dele discordando, voltou a Autora a recorrer, agora para este Supremo Tribunal, formulando nas suas alegações, em súmula, as seguintes conclusões: 1- A inclusão da alínea V na especificação apenas foi determinada por decisão proferida na sequência da reclamação deduzida pela R., à qual a Autora se opôs, não cabendo deste despacho reclamação ou recurso directo.

2- A matéria constante do art. 23º da contestação - o terreno em causa "encontrava-se afecto ao uso directo e imediato do público" - nunca poderia considerar-se confessada ou aceite pela recorrente.

3- O conceito de uso directo e imediato pelo público constitui mera conclusão jurídica ou, pelo menos, conclusão de facto, pelo que sempre seria insusceptível de integrar a especificação ou o questionário.

4- A integração do terreno em causa no domínio público municipal e a consequente afectação ao uso directo e imediato do público, só poderia ser provada documentalmente, pois não é possível provar a titularidade de prédios sem recurso a documentos autênticos.

5- A factualidade em causa está em manifesta contradição com a escritura de fls. 20 e segs. dos autos, na parte em que se refere que a C.M.V.C. decidiu arrendar o terreno em causa à Autora, considerando, além do mais, que o local já se encontrava ocupado por outras construções idênticas e de pior qualidade.

6- O acórdão recorrido e o despacho de 1995/06/30 enfermam, assim, de manifestos erros de julgamento, tendo violado o disposto nos arts. 502 n. 1 e 511 n. 1 do C.P.Civil, e 364 n. 1, 3, 4 e 5, do Cód. Civil.

7- A classificação de um bem imóvel como público depende da lei, só sendo públicas as coisas assim qualificadas e submetidas por lei ao domínio de uma pessoa colectiva de direito público, em razão da sua primacial utilidade pública.

8- No caso sub judice não foi provado nem demonstrado o facto constitutivo da integração do imóvel no domínio público pois dos factos considerados provados resulta que: - O imóvel em causa não estava afectado por lei ao domínio público; - O referido prédio não estava afecto de forma directa e imediata a um concreto fim de utilidade pública; - Não houve qualquer declaração que lhe atribuísse esse carácter.

9- A autora e a C.M.V.C. celebraram, em 26/01/1959, um verdadeiro contrato de arrendamento pois verificou-se a concessão de um imóvel, por um certo prazo e mediante o pagamento de uma renda.

10- A C.M.V.C. actuou como um particular, não havendo qualquer distinção entre a sua actuação e a que teria qualquer particular proprietário de um imóvel para arrendar.

11- A cláusula 2ª do contrato de arrendamento, que conferia à C.M.V.C. o poder de despejar a Autora é nula.

12- À data da celebração do contrato em análise, o art. 815º do Cód. Administrativo continha uma enumeração taxativa dos contratos administrativos pelo que se as partes tivessem pretendido celebrar um verdadeiro contrato dessa natureza teriam que ter optado por um dos tipos previstos, o que não aconteceu.

13- A escritura de fls. 83 e segs. e a procuração de fls. 89 e segs. são irrelevantes para impedir a qualificação do contrato celebrado entre a Autora e a C.M.V.C. como arrendamento.

14- Não podia a Câmara despejar a Autora da forma como foi, estando obrigada a restituir-lhe a posse dos bens em causa e a indemnizá-la por todos os prejuízos que culposamente lhe causou.

15- Mesmo a considerar-se a dominialidade pública do imóvel em causa, a C.M.V.C. sempre estaria obrigada a indemnizar a Autora pelos prejuízos causados, pois o despejo levado a efeito violou os princípios da tutela jurisdicional efectiva, integrando-se a actuação da C.M.V.C. na função jurisdicional.

16- Independentemente da ilicitude do despejo, a Autora sempre teria direito a ser indemnizada pelos extensos prejuízos que lhe foram causados pela C.M.V.C. na sua maquinaria, equipamentos, matérias primas e produtos, em consequência da forma como foi realizada a sua remoção, armazenamento e parcial destruição Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, com as legais consequências.

Respondeu o recorrido pugnando pela improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cabe decidir.

A Relação considerou provada a seguinte factualidade: 1- A autora é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada constituída por escritura pública de 19/02/1947, que tem por objecto a indústria e o comércio de refrigerantes (A).

2- Em 1958, a Autora requereu ao R. autorização para construir em terreno municipal um barracão para instalação de uma fábrica de refrigerantes e a cedência de 540m2 de terreno, no Largo Infante D. Henrique para a construção de um barracão destinado a fábrica de refrigerantes tendo a Câmara deliberado deferir, a título precário, o requerido (B).

3- Em 26/01/1959, A. e R. celebraram o contrato cujo teor consta do doc. de fls. 20 a 23, aqui dado por reproduzido (C).

4- Os funcionários e trabalhadores da C.M.V.C. logo afirmaram aos gerentes da A. que usariam da força pois tinham ordem para arrombar a porta da entrada da fábrica para desta expulsarem...

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