Acórdão nº 04S1003 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Outubro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução07 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório.

"A" propôs acção emergente de contrato individual de trabalho contra CP - Caminhos de Ferro Portugueses EP, pedindo, com fundamento na rescisão o seu contrato de trabalho por justa causa, que a Ré fosse condenada a pagar-lhe: a) a quantia de 18.809.568$00 a título de indemnização por. cessação do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador; b) a quantia de 1.950.424$00, por créditos salariais não pagos; c) a quantia de 3.000.000$00, por danos morais provocados por ausência de ocupação efectiva entre 1999 e 31 de Outubro de 2000; d) juros vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

A acção foi julgada parcialmente procedente por sentença de primeira instância que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 18.070.368$00 (90.134,60 Euros) a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador, acrescida da quantia de 1.000.000$00 (4.987,98 Euros) por danos morais provocados por ausência de ocupação efectiva, acrescidas ainda dos juros à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento.

No entanto, em recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Évora revogou a sentença na parte respeitante à indemnização por rescisão do contrato de trabalho com justa causa - por considerar, essencialmente, que não ocorreu uma evidente violação do dever de ocupação efectiva que justificasse a rescisão por iniciativa do trabalhador -, mantendo a condenação por danos não patrimoniais.

Não se conformando com essa decisão, recorre de revista o autor, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: 1- O direito ao trabalho enquanto assegura a realização do homem numa dimensão pluridireccional, deve haver-se como algo mais complexo do que uma pura relação económica, na qual o acento tónico seja posto na retribuição auferida pelo trabalhador. Sendo esta uma das componentes essenciais do respectivo direito, outras porém existem que não podem deixar de a ele estar indissoluvelmente associadas. Entre estas deve conter-se o próprio exercício do trabalho ou do emprego, do qual o trabalhador não pode, salvo motivo lícito, ser afastado ou impedido de o actuar.

2- O exercício do trabalho ou do emprego é uma das componentes do direito ao trabalho, constitucionalmente reconhecido no artigo 59°, nº 1, não podendo o trabalhador ser impedido de o concretizar, excepto ocorrendo um motivo lícito.

3- Decorre claramente um dever de ocupação efectiva da norma do artigo 59°, nº1, alínea b), da Constituição, enquanto iluminada pelo disposto nos seus artigos 1 ° e 2°.

  1. A nossa Lei Fundamental assenta na dignidade da pessoa humana, que é o fundamento de todo o ordenamento jurídico base do próprio Estado, a ideia que unifica todos os direitos fundamentais e perpassa também pelos direitos sociais, que incluem o próprio direito ao trabalho.

    5- A Constituição ao determinar que "todos os trabalhadores, sem distinção de idade. sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal, para além de estabelecer uma clara limitação, conformadora do conteúdo negativo da liberdade de organização do empregador, estabelece também por forma mais concretizadora, o direito de o trabalhador realizar o pleno desenvolvimento da sua personalidade pela forma socialmente mais dignificante, que é, indubitavelmente, trabalhando, ou seja, exercendo a prestação pessoal e profissional para que foi contratado.

    6- A suspensão da prestação do trabalho tem de assentar num motivo lícito, sob pena de se ter de concluir pela violação do direito de trabalhar o que fará incorrer o empregador em responsabilidade pela violação, para o que se exigirá a sua imputação a título de culpa.

  2. Na legislação laboral portuguesa está pois consagrado um dever de ocupação efectiva do trabalhador.

  3. Tal dever decorre em primeira linha do disposto nos artigos 58°, n° 1, e 59°, n° 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa.

  4. E concretiza-se em diversos outros preceitos dos quais se destacam os artigos 18°, n° 1, e art. 19°, alíneas a), c) e d) do Decreto n° 49408, de 24/11/1969.

  5. A violação desse dever pela entidade patronal confere ao trabalhador o direito de rescindir imediatamente o contrato de trabalho com justa causa, nos termos do disposto no artigo 34°, n° 1 e 35°, n° 1, alínea b), do Decreto-Lei n° 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

  6. A existência do dito dever de ocupação efectiva, está sempre intrinsecamente relacionada com o princípio geral da boa-fé; 12. Por assim ser. em caso de suspensão da prestação de trabalho, deverá a entidade patronal fazer prova, da fundamentação da decisão de desocupação e, mais, essa fundamentação deverá recair obrigatoriamente dentro da alçada do princípio da boa-fé.

  7. Se a entidade patronal retirar ao trabalhador, sem motivação aceitável e sem a sua aquiescência, a quase totalidade das funções que ele vinha exercendo, esvaziando em medida intolerável as funções correspondentes à categoria profissional que possui, pode o trabalhador rescindir o contrato de trabalho.

  8. O Recorrente, com a categoria de contabilista e com a função de Chefe de Sector Administrativo que, com o conhecimento da sua entidade patronal, se encontra sem pessoal para dirigir, coordenar ou orientar, e sem funções, sem tarefas e sem actividade distribuída durante um período de mais de um ano (entre 1 de Janeiro de 1999 e 31 de Outubro de 2000).

  9. Sem ter para tal recebido qualquer fundamentação por parte da sua entidade patronal para justificar essa desocupação.

  10. Apesar de pelo menos em duas ocasiões ter solicitado por escrito essa mesma fundamentação à sua entidade patronal, sem ter logrado obter resposta.

  11. Pode rescindir o seu contrato de trabalho com Justa causa, por violação do dever de ocupação efectiva, nos termos do disposto nos artigos 34°, 35°, nº 1, alínea b), e 36°, todos do Decreto-Lei n° 64-A/89, de 21 de Fevereiro, 18. Com direito a ser indemnizado nos termos do disposto no artigo 13°, n° 3, do Decreto-Lei n° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, ex vi, art. 36º do mesmo diploma.

  12. O simples facto de ter sido atribuída ao Recorrente uma tarefa em 28 de Janeiro de 2000, após este ter solicitado esclarecimentos sobre a razão de ser da sua inactividade e previsibilidade de duração, tarefa essa que consistia na elaboração de um estudo com a evolução dos custos de manutenção e reparação do material circulante afecto à ZEAT durante a última década, não é suficiente para sanar a violação voluntária e reiterada do dever de ocupação efectiva do trabalhador.

  13. Porquanto essa tarefa, sem prazo definido, se não enquadra no âmbito das funções de chefe de sector administrativo, e, com ela, a recorrida não reintegrou o recorrente na estrutura da produtiva organizativa e produtiva da recorrida.

  14. O facto de o recorrente ter sido convidado pelo menos por três vezes pela recorrida durante esse período de inactividade, para celebrar acordo de revogação do contrato de trabalho por acordo das partes (sem que se conheçam os termos e condições dessas propostas), é demonstrativo de que a Recorrida não contava mais com o (qualquer) trabalho do Recorrente.

  15. Com a atribuição desta única tarefa o Recorrente passou de uma situação de total inactividade para uma situação de quase total inactividade, mantendo gravemente esvaziado o seu espectro funcional.

  16. A recorrida ao agir como agiu, ultrapassou claramente os limites da boa-fé, tornando-se a sua conduta ilícita.

  17. O que também lhe conferia o direito de operar a rescisão do seu contrato de trabalho com Invocação de justa causa por violação do dever de ocupação efectiva, nos termos do disposto nos artigos 34°, 35°, nº1, alínea b), e 36°, todos do Decreto-Lei n° 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

  18. Também neste caso com direito a ser indemnizado nos termos do...

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