Acórdão nº 04S3038 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A", B e C, melhor identificados nos autos, propuseram no Tribunal do Trabalho de Lisboa (2.º juízo, 1.ª secção, proc. 295/02) a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra "D", S.A., pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhes as importâncias vencidas e vincendas a partir de 1 de Novembro de 1997 que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de diferenças nas prestações de pré--reforma que lhes eram devidas.

Para tanto, alegaram, em resumo, ter celebrado com a ré um acordo de pré-reforma, nos termos do qual esta se obrigou a pagar-lhes uma prestação mensal, correspondente, respectivamente, a 75%, 85% e 100% da retribuição líquida que por cada um deles era auferida, prestação essa que devia ser anualmente actualizada, de modo a que o seu montante correspondesse às respectivas percentagens da retribuição que cada um deles receberia à data da actualização, caso estivesse no activo; que, aquando da celebração do acordo, faziam parte da sua retribuição determinadas (diuturnidades da companhia (DC) e diuturnidades de função (DF)), diuturnidades essas que entraram no cômputo da prestação inicial; que em 1 de Novembro de 1997, aquelas diuturnidades foram substituídas por um sistema de anuidades, nos termos do Protocolo então celebrado entre a ré e os sindicatos representativos do pessoal de terra, deixando a ré de levar em conta as referidas anuidades nas actualizações das suas prestações de pré-reforma, sendo certo que por eles seriam recebidas caso estivesse no activo.

Frustrada a audiência de partes, a ré contestou por impugnação (alegando, em resumo, que, nos termos do acordo celebrado com cada um dos autores, a prestação de pré-reforma inicialmente estabelecida só era actualizável nos termos da lei, ou seja, nos termos da taxa do aumento geral dos trabalhadores no activo ou da taxa de inflação) e por excepção (arguindo a prescrição dos créditos reclamados pelas autoras C e B).

No despacho saneador, o M.mo Juiz julgou improcedente a excepção da prescrição, tendo a ré interposto recurso dessa decisão, recurso esse que, todavia, não chegou a ser apreciado, por razões que agora não interessam.

Realizado o julgamento, a acção foi julgada procedente e a ré recorreu, mas o Tribunal da Relação de Lisboa (proc. n.º 7443/03, 4.ª secção) confirmou a sentença.

Continuando inconformada, a ré interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1) A questão de estarem os recorridos ou não excluídos expressamente no clausulado dos Protocolos, que o acórdão recorrido suscita, não tem razão de ser, já que nada consta dos factos provados acerca do que o clausulado dos Protocolos contém ou deixa de conter. O que se provou, e aqui interessa, é o que consta dos factos assentes sob os n.ºs 25 a 27.

2) O facto - reconhecido pelo acórdão recorrido - de os Protocolos terem a natureza de convenção colectiva e de terem sido subscritos pelos representantes sindicais dos recorridos não é neutralizado pelos art.ºs. 13.º da LCT e 14.º da LRCT, já que entre os Protocolos e os acordos de pré-reforma não há uma pretensão de aplicação concorrente.

3) Ao contrário, os Protocolos definem o seu próprio âmbito de aplicação com exclusão dos Recorridos, e foram os próprios Recorridos, através dos seus representantes sindicais, quem assim estipulou, já que as diuturnidades visavam, designadamente, compensar o pessoal no activo de uma maior produtividade imposta, justamente pela saída do activo de vários trabalhadores, incluindo os recorridos.

4) Sendo filiados em sindicatos outorgantes, não podem os ora Recorridos vir invocar em juízo norma constante dos Protocolos em causa (a que consagra as anuidades em substituição das diuturnidades) em sentido oposto ao que deles mesmos resulta, ou seja, não podem os Recorridos, que não estavam no activo, pedir que se lhes aplique, mediante revisão da prestação de pré-reforma, algo que foi, pelos seus próprios representantes, negociado e consagrado apenas para os trabalhadores que permaneceram no activo, com exclusão deles próprios.

5) Mesmo que se entenda que da interpretação dos acordos de pré-reforma resulta terem eles direito a actualizações da prestação de pré-reforma (para além das anuais gerais) em paralelo com as do pessoal no activo, esse direito estaria a ser exercido em clamoroso desvio do seu fim social e económico se se dirige a vantagem que o pessoal do activo obteve por estar no activo, e por causa da saída do activo dos Recorridos, e que foi negociada com os próprios representantes sindicais dos Recorridos, que desejaram que estes não tivessem direito a ela.

6) Juridicamente, a atribuição do direito às diuturnidades apenas ao pessoal de terra no activo, com exclusão do pessoal em situação de suspensão de contrato de trabalho ("pré-pré-reforma") ou em situação de pré-reforma, foi imputável à vontade dos próprios recorridos, por funcionamento do mecanismo da representação sindical.

7) A confiança da Recorrente, em como, estando a negociar com os representantes sindicais dos recorridos, estes não exigiriam depois aquilo que estavam a considerar não lhes ser devido, está a ser frustrada com a conduta dos Recorridos.

8) A tutela da confiança é um dos afloramentos do princípio da boa fé, pelo que também por esta via ocorre abuso do direito dos Recorridos.

9) A pretensão dos Recorridos violenta por isso a letra e o espírito dos protocolos em causa, e qualquer solução de Direito que permita contornar a eficácia normativa dos mesmos protocolos sobre a relação contratual entre Recorrente e Recorridos importará a violação do art. 56°, n.ºs 1 e 3 da CRP e constituirá abuso de direito, de acordo com o art. 334.º do Cód. Civil, porquanto atinge a confiança depositada pela Recorrente no comportamento negocial dos sindicatos representativos dos Recorridos relativamente ao conteúdo dos Protocolos em questão e excede clamorosamente o fim do seu direito a actualizações - sem conceder quanto à sua existência.

10) Pelas mesmas razões, a interpretação dos Protocolos implicada na pretensão dos Recorridos é impossível, porque, no quadro fáctico em causa, a recorrente não podia, razoavelmente contar com a mesma (art. 236.º do Cód. Civil): se era pressuposto do regime protocolar a constatação do aumento da produtividade do pessoal de terra no activo, como consequência das drásticas reduções de pessoal então em curso, então as diuturnidades instituídas apenas poderiam beneficiar esse pessoal no activo e um declaratário normal, perante esta situação, jamais admitiria que as mesmas diuturnidades afinal também pudessem beneficiar o pessoal objecto daquela redução, agora improdutivo, como seja o caso dos Recorridos.

11) Esse benefício importaria na fixação de um sentido às estipulações contratuais da recorrente com que ela não poderia, razoavelmente, contar: que os efectivos abatidos (caso dos recorridos) não auferissem a nova anuidade e apenas a recebessem os trabalhadores permanecendo no activo foi pressuposto da sua instituição.

12) A decisão impugnada viola ainda a parte final do n° 1 do art. 236.º do Cód. Civil porquanto, dada a matéria de facto provada, designadamente a aludida confiança no comportamento da contraparte - é de concluir que a Recorrente não podia, razoavelmente, contar com a interpretação segundo a qual o regime protocolar de anuidades, negociado e acordado apenas para os trabalhadores no activo por causa da redução de efectivos levada a cabo (mediante reformas, pré-reformas e suspensões de contrato), também era afinal de reconhecer e atribuir a estes efectivos reduzidos - ou seja, aos Recorridos.

13) Igualmente se mostram erradamente manuseadas as regras dos art.ºs 236.º a 238.º do Cód. Civil, no que respeita ao clausulado do acordo de pré-reforma atinente à actualização da pré-reforma, pois resultou delas interpretação contraditória que, por isso, se não pode aceitar.

14) A cláusula 3.ª do acordo, para que remete o n° 1 da cláusula 4.ª, não é uma cláusula de actualização e mal se compreende que tendo ambas as partes estabelecido expressamente uma cláusula para o efeito (a 4.ª), nela não tivessem incluído um número, caso fosse a vontade de ambas, onde se dispusesse que a prestação de pré-reforma seria ainda actualizada sempre que houvesse um qualquer aumento retributivo do pessoal no activo.

15) Retirar do teor da cláusula 3.ª a conclusão da necessidade de sistemático recálculo da prestação por referência a uma situação virtual, extravasa a letra e o alcance da cláusula em apreço, não correspondendo minimamente à vontade negocial validamente expressa nos contratos.

16) Quer o clausulado contratual, quer a cláusula 101.ª, n° 2, do AE aplicável (BTE n° 41, de 08/11/97) apontam no sentido oposto ao reclamado pelos apelados e decidido na sentença.

17) Além do que, a apontada contradição obrigaria à aplicação do art. 237.º do Cód. Civil, para apurar o sentido da declaração negocial, e este, quer se considere o contrato gratuito, quer se considere oneroso, implica sempre um...

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