Acórdão nº 04S3154 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2005 (caso NULL)

Data03 Março 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório.

"A", identificado nos autos, intentou a presente a acção emergente de contrato de trabalho contra a "B", Lda, com sede em Lourosa, pedindo que seja declarada sem efeito a declaração por si subscrita, pela qual o autor considerou cessada o contrato de trabalho que o ligava à ré e satisfeitos todos os seus créditos laborais, e, em consequência, condenada a ré a reconhecer a existência do vínculo contratual e a pagar-lhe as prestações retributivas em dívida.

Em sentença de primeira instância, foi julgada procedente a excepção peremptória da remissão abdicativa suscitada na contestação, com base na sobredita declaração do autor, e a ré absolvida do pedido.

Em apelação, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso e manteve a decisão recorrida.

É contra esta decisão que se insurge o autor, ora recorrente, mediante recurso de revista em cuja alegação formula as seguintes conclusões: 1. Nas circunstâncias de tempo, modo o lugar em que o autor subscreveu a declaração de fls. 10, esta não pode assumir a força e eficácia que a ré pretendeu assacar-lhe.

  1. De facto, só decorridos cerca de 6 meses, após o ter mandado para casa, até novas ordens é que o A foi convocado para comparecer nos seus escritórios, ficando o A mais convencido, ainda, de que iria passar a exercer outras funções, tanto mais que a ré para melhor inculcar no seu espírito essa ideia, chegou a pagar-lhe o salário do mês de Junho de 2001 e obrigando-se a acertar as contas, depois.

  2. Ali dentro, foi dada ao A a referida declaração para este assinar e que já se encontrava totalmente preenchida, da qual consta que "o contrato de trabalho cessara nessa mesma data, que o A recebera a quantia de 1.000.000$00, que já englobava todos os créditos salariais, conforme legislação em vigor e que, com este pagamento, nada mais tinha a haver da Ré, a título de créditos salariais".

  3. Haverá, porém, de se atentar que esta atitude da Ré não surgiu por acaso, mas na sequência de ter sido notificada pelo Exmo Procurador junto do Tribunal de Trabalho de Lamego que, em representação do A. lhe exigia o pagamento das prestações em dívida, que se cifrava em cerca de 10.000 contos, sendo este o valor encontrado pelo M.P. e I.T..

  4. Atenta a grande discrepância entre o valor que o A tinha direito a exigir da Ré e a minguada quantia que esta lhe pagou, é lícito asseverar que esta agiu com dolo. E com dolo notório, na acepção e com os efeitos previstos no art. 514° do CPC.

  5. Nessa perspectiva e conforme melhor e mais experimentado saber desse Venerando Tribunal, o facto de o A ter aceitado a quantia de 1.000.000$00, quando tinha direito a receber 10.000.000$00, só poderia ter ficado a dever-se a coação ou temor reverencial e/ou à profunda convicção de que iria ser reintegrado, aliás, compreensível para quem esmolara por trabalho durante 6 longos meses.

  6. Essa ilação deveria ter sido colhida nas instâncias, mormente no douto Tribunal a quo, como seria de prever, já que tratando-se de facto notório, não carecia de alegação nem de prova, maxime quando, em matéria de direito, não estão os Senhores Juízes sujeitos à alegação das partes.

  7. Não se analisando a questão decidenda nessa óptica, deixou o douto Tribunal a quo de conhecer de questão relevantíssima para o mérito da causa, incorrendo, assim, na nulidade prevista no art. 668°, n.º 1, alínea d), com referência às disposições combinadas nos arts. 514°, 515°, 516°, 660°-2 e 664°, todos do CPC.

  8. Destarte, e nas referidas circunstâncias, a renúncia abdicativa não pode surtir o efeito almejado pela Ré, já que o A não se calaria com uns escassos 10% do montante global a que tinha direito nem declararia que o valor recebido englobava "todos os créditos salariais conforme a legislação em vigor", se não estivesse convencido de que, só procedendo dessa forma, ou seja, só aceitando as condições que lhe estavam a ser impostas, lograria reatar o seu trato laboral com a Ré.

  9. De qualquer modo, ainda que a declaração de fls. 10 consubstanciasse um acto unilateral de rescisão do contrato por sua livre vontade, jamais implicaria renúncia às prestações legais já vencidas, quando o A a subscreveu, pois além de ainda estar sob a égide da Ré, quando se dirigiu aos escritórios desta ia animado da referida motivação.

  10. Acresce que as prestações a que tinha direito conforme legislação em vigor, àquela data eram muito superiores à minguada quantia de 1.000.000$00, pelo que cumpriria à Ré alegar e provar que esse montante correspondia ao somatório das prestações legais em vigor e, ainda, que o A tinha perfeito conhecimento de que, sendo essas de valor muito superior, ainda assim, renunciara a elas.

  11. Ora, em parte alguma vem alegado ou demonstrado que o A. tivesse renunciado, expressa ou tacitamente, a receber menos do que as prestações a que legalmente tivesse direito, pelo que aquela declaração não pode considerar-se verdadeiramente liberatória.

  12. O A conhece bem o douto acórdão desse STJ citado, cujos contornos fácticos não são exactamente os mesmos que subjazem à presente acção, à qual se aplica mais o douto Ac RC de 02.05.02, in CJ, Ano XXVII -2002, Tomo III onde se decidiu que "não tem valor a declaração duma trabalhadora feita em documento por si subscrito, datado do mesmo dia em que a Ré a despediu, onde concorda com a rescisão do seu contrato de trabalho...e fez também esta afirmação:"recebi todos os meus direitos, nada mais tendo a exigir da entidade patronal." 14. Aliás, ao A. sempre seria legítimo defender o mesmo ponto de vista recorrendo à restrição consagrada no art. 405° do CC, onde se limita a liberdade contratual aos acordos secundum legem e propter legem mas não aos celebrados contra legem, sendo também aí, cremos, que assentará o princípio de que os direitos do trabalhador são irrenunciáveis.

  13. Daí que o documento de fls. 10, que não passa de um mero recibo de quitação, só possa fazer prova de que o A recebeu a quantia ali discriminada, não assumindo a relevância de declaração abdicativa, pois daquele documento não consta que também recebera prestações que lhe eram legalmente devidas.

  14. O entendimento contrário viola o sagrado principio de que os direitos dos trabalhadores são irrenunciáveis e inarredáveis, mostrando-se, ainda, incurso, em violação dos preceitos constitucionais ínsitos nos arts. 20°-5, 53°, 58°-1, 202°-2, 203°, 204°,e 205°, todos da nossa Lei Fundamental.

  15. Não se apreciando no Tribunal da Relação estas questões, deixou-se sem resposta uma série de dúvidas que importava ter analisado devidamente, mostrando-se, assim, o douto acórdão incluso na...

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