Acórdão nº 05B3705 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução19 de Janeiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 30/5/2001, a A, Sociedade Comercial de Automóveis, Lda, moveu acção declarativa com processo comum na forma ordinária de indemnização contra a B, S.A., que foi distribuída ao 2º Juízo Cível da comarca de Cascais.

Alegou, em suma, o seguinte : Iniciadas pela Ré, no primeiro trimestre de 1998, obras de construção de um hotel em terreno contíguo ao posto de abastecimento de combustíveis explorado pela A. na Estrada Marginal de Cascais, os trabalhos de desbaste e terraplanagem efectuados pela Ré, levados a efeito por máquinas ruidosas e que produziam a emissão de poeiras que sujavam os carros lavados pela A., originaram também o desprendimento de pedras e o deslizamento de terras que caíram no posto de abastecimento - tudo isso determinando diminuição acentuada da clientela da A.

Esses trabalhos provocaram depois a abertura de fendas nas paredes do Hotel I, o que obrigou à montagem de andaime que impedia o acesso à máquina de lavagem automática da A.

A diminuição da actividade da A. provocada por esses factos, imputáveis à Ré, determinou o encerramento do posto de abastecimento referido em 17/4/2000, tendo registado um prejuízo de 19. 825.185$00.

Pediu a condenação da demandada a pagar-lhe esse montante, com juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Contestando, a Ré opôs, em síntese, terem os trabalhos aludidos, autorizados pela Câmara Municipal, sido realizados de modo a não causar quaisquer danos, e que o posto de abastecimento referido não tinha licença de funcionamento, o que determinou o encerramento da máquina de lavagem automática da A, por falta de energia eléctrica.

Requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros C, S.A., da D, Companhia de Seguros, S.A., e da Companhia de Seguros E, S.A.

Foi admitida a intervenção acessória dessas seguradoras.

Todas elas contestaram, excepcionando a segunda a ilegitimidade da A., negando, todas, ter assumido a responsabilidade pelos prejuízos invocados, que a primeira alegou não terem sido causados pela Ré, mas por uma empreiteira, e impugnando, todas também, a existência desses prejuízos.

Houve réplica, alegando a A. que mesmo que os trabalhos em causa tenham sido realizados por pessoa contratada pela Ré, esta responde pelos danos provocados.

A excepção da ilegitimidade da A. foi, no saneador, julgada improcedente.

As Companhias de Seguros C, S.A., e E, S.A. fundiram-se, entretanto, dando origem à Companhia de Seguros C, S.A.

Saneado, condensado e instruído o processo, veio, após julgamento, a ser proferida, com data de 15/7/2004, sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Por acórdão de 12/5/2005, a Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação da A., assim vencida, e confirmou a sentença apelada.

Vem agora pedida revista dessa decisão.

Em fecho da alegação respectiva, a A. deduz, com prejuízo manifesto da síntese imposta pelo art.690º, nº1º, CPC, as 23 conclusões seguintes - de que houve que emendar a numeração : 1ª - A exclusão, pelo acórdão recorrido, do regime jurídico constante do art.1346º C.Civ. aos factos subjacentes a estes autos constitui uma decisão metodologicamente errada e legalmente inadmissível.

  1. - Provado o prejuízo substancial sofrido pela recorrente decorrente dos trabalhos de construção no prédio da recorrida, o art.1346º C.Civ. determina que a colisão de direitos subjacente seja resolvida pela prevalência do direito do titular do direito sobre o prédio atingido pela emissão.

  2. - Diversamente do enunciado no acórdão recorrido, a doutrina portuguesa mais autorizada defende que, verificada a existência dum prejuízo substancial, a emissão deverá considerar-se ilícita, não cabendo ao julgador fazer uma ponderação posterior entre os direitos em presença, muito menos tendo como fundamento a inexistência de licença camarária para exploração do posto de abastecimento.

  3. - Mesmo que fosse esse o caso, a doutrina e a jurisprudência nacional têm vindo a reconhecer que a obrigatoriedade de licenciamento camarário é uma exigência de direito administrativo que visa acautelar interesses públicos totalmente alheios às restrições de direito privado que regulam o conflito emergente das relações de vizinhança.

  4. - De qualquer modo, a inexistência de licença camarária seria sempre, in casu, irrelevante, pois na data da celebração do contrato-promessa de cessão de exploração o regime aplicável em matéria de licenciamento de instalações destinadas ao armazenamento e comercialização de combustíveis era regulado pela Base VIII da Lei nº1947, de 12/2/37 e pelo Decreto nº 29.034, de 1/10/38, cabendo ao Ministério do Comércio e da Indústria a competência para o respectivo licenciamento e nunca às autarquias locais.

  5. - Só após a entrada em vigor do DL 159/99, de 14/9, se procedeu à transferência para as autarquias locais de atribuições e competências em matéria de licenciamento e fiscalização de instalações de armazenamento e abastecimento de combustível, pelo que, bem ao contrário do enunciado no acórdão recorrido, o posto de abastecimento nunca poderia ter sido licenciado pela Câmara Municipal de Cascais.

  6. - Adicionalmente, o assentimento do Governo à transmissão operada na exploração do posto de abastecimento, necessário na data da celebração do contrato, era uma obrigação que impendia sobre o titular do alvará e não sobre a recorrente, a qual, nos termos do Decreto 29.034, de 1/10, carecia de legitimidade para instruir o respectivo procedimento, quer junto do Ministério da Economia, até 1999, quer junto da Câmara Municipal de Cascais, após a entrada em vigor do referido DL 159/99.

  7. - Ao entender que a comunicação ao licenciador era uma mera convenção entre as partes no contrato-promessa de cessão de exploração, o acórdão recorrido ignorou mesmo a lei presentemente em vigor - o DL 267/2002, de 26/11, nos termos do qual é a entidade exploradora de um posto de abastecimento quem deve comunicar ao licenciador, em pedido devidamente documentado, a mudança da entidade exploradora do mesmo, solicitando o respectivo averbamento ao processo correspondente.

  8. - Para iniciar a actividade de exploração do posto de abastecimento, quer na data da outorga do contrato-promessa, quer posteriormente, a recorrente não estava obrigada à obtenção ab initio da licença camarária apontada no acórdão recorrido, bastando para o efeito a mera comunicação da transmissão por parte da sua concedente.

  9. - O acórdão recorrido ignorou igualmente que, ainda que a construção se encontrasse licenciada, a recorrida, pela forma por que prosseguiu os trabalhos de construção no seu prédio, extravasou o conteúdo do seu direito de propriedade, tendo resultado provado que se absteve de acautelar, como era sua obrigação, que se produzissem danos no estabelecimento existente no prédio contíguo.

  10. - Também quanto a esta questão, a doutrina e a jurisprudência têm unanimemente adoptado o entendimento de que, no regime das limitações previstas no art.1346º C.Civ., é irrelevante que as emissões nocivas sejam legalmente autorizadas.

  11. - O direito de propriedade, e, bem assim, o ius aedificandi devem ser exercidos dentro dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e ainda pelas restrições aplicáveis, quer de interesse privado, quer de interesse público, designadamente o disposto no Regime Geral das Edificações Urbanas.

  12. - O acórdão recorrido viola o disposto nos arts.1305º e 1346º C.Civ. e a disciplina específica do licenciamento da exploração de postos de abastecimento de combustível e todas as normas públicas que impõem exigências de segurança no decurso de trabalhos de construção civil.

  13. - O Tribunal a quo veio ainda considerar que não se provou que o desprendimento de terras e pedras que caíram no posto de abastecimento explorado pela recorrente tenha sido causa directa da perda de clientela dada como provada.

  14. - Segundo a teoria da causalidade adequada consagrada no art.563º C.Civ., totalmente ignorada no acórdão recorrido, existe nexo de causalidade nos casos em que o facto, embora não constituindo causa directa e única do dano, favoreça a sua produção.

  15. - A queda de poeiras e pedras provenientes das obras da recorrida provocou danos no estabelecimento explorado pela recorrente e, portanto, constituem factos concorrentes do mesmo processo causal, onde se inclui igualmente a constante entrada e saída de camiões para a obra, que favoreceram a perda de clientela verificada.

  16. - No que concerne, em especial, à entrada e saída de camiões para a obra, também ao contrário do decidido no acórdão recorrido, impendia sobre a recorrente, enquanto dona da obra e proprietária do prédio, o dever de diligenciar no sentido de que a entrada e saída de camiões com destino á sua obra não se fizesse através do posto de abastecimento da recorrente.

  17. - O que importa para o litígio destes autos não é o facto de a recorrida em tal ter intervindo directamente, mas sim a circunstância de não o ter, por qualquer forma, evitado, em flagrante desrespeito pelos deveres legais que se lhe impunham, e bem sabendo os prejuízos que daí advinham para a recorrente.

  18. - Mesmo admitindo que tais camiões pertenciam a uma qualquer empresa encarregue de proceder aos trabalhos e/ou fornecimentos na obra, como entendeu o Tribunal a quo, a recorrida sempre se constituiria na obrigação de indemnizar a recorrente pelos prejuízos sofridos.

  19. - Bem ao contrário do enunciado no acórdão recorrido, o manuseamento de máquinas utilizadas na construção civil, designadamente para efectuar escavações, desbaste e/ou terraplanagem de terrenos é doutrinária e jurisprudencialmente aceite como integrando o conceito de " actividade perigosa " constante do nº2º do art.493º C.Civ.

  20. - Porque potencialmente geradora de danos, a actividade desenvolvida pela recorrida é uma actividade perigosa, quer pela sua própria natureza, quer pelos meios utilizados na obra.

  21. - A recorrida não logrou provar que empregou todas as exigências...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT